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abril

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2024

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Em busca de um sonho

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Os lindos olhos azuis ainda se encontravam turvos

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Pietro era um moço muito bem apessoado e extremamente culto. Por esta razão, sempre recebia convites para inúmeras festividades. Mas amor mesmo, aquele amor arrebatador, como o que levou sua mãe a deixar tudo para se casar com seu pai, jamais sentira em sua vida. Destroçara o coração de muitas amantes que viviam nas casas de tolerância dos arredores de Piacenza. Já em Curitiba, quantas mulheres passaram por sua vida. Em ingênuos passeios de charretes sempre acompanhadas por amigas e/ou irmãs mais novas ou pelos leitos das pensões da periferia. Nunca sentira este palpitar em seu coração como agora. O teatro de sua vida amorosa continuou a persegui-lo pela madrugada adentro. Tentava fugir da imagem da bela senhora que tão amavelmente o atendera naquela trattoria. Só conseguira pregar no sono quando, enfim, rendeu-se aos seus anseios e admitiu estar perdidamente apaixonado. Imaginando que aquela linda mulher de cabelos loiros, olhos azuis e olhar penetrante dormia em seus braços, fechou por fim os olhos e foi embalado em um sono carregadinho dos mais belos sonhos de amor.

Continuava sem uma profissão ou um trabalho fixo. Passou a escrever para o Fanfulla, um jornal ítalo-brasileiro que era editado em São Paulo. Sua redação em língua italiana era perfeita. Pediam-lhe sempre mais e mais textos que falassem da vida e da obra dos italianos no Paraná. Com isto, conseguia o suficiente para se manter. Mas não para manter uma família.

Precisava pensar. Notara uma aliança no anular da mão esquerda. Mas e o marido? Homem algum se encontrava naquela trattoria. Quase de relance vira apenas uma garota, quase uma menina a perambular pela sala.

Passou a fazer suas refeições diárias na trattoria da mulher que revirara o seu coração pelo avesso. Na hospedaria tomava somente o café da manhã. Chegava sempre para almoçar ou jantar em horários tardios, quando o grosso da freguesia já havia se retirado. Tinha a sensação de que ela ali estivesse apenas para servi-lo. Algum tempo depois, sentiu-se até na obrigação de conversar com ela.

— Sabe, minha senhora, este é o primeiro local neste país em que me sinto como se estivesse em minha casa em Piacenza comendo as deliciosas massas que minha Nonna fazia. Meus parabéns!

A dona, com um sorriso, agradeceu e pediu permissão para retirar-se, pois precisava limpar a cozinha e dar início aos preparativos para o jantar.

Por diversas vezes mais tentava entabular uma conversa mais longa. Ela sempre se esquivando. Certa tarde, quando estava a findar seu retardado almoço, chega um senhor a entregar uns papéis para ela. Foi recebido com a maior cortesia. A conversa fora longa em uma saleta contígua. Notou que seus olhos estavam marejados e já não trazia mais a face enfeitada com aquele costumeiro sorriso. Despediu-se secamente do emissário de tão tristes notícias. Sumiu para o interior da casa e foi sua pequena filha quem recolheu os pratos e recebeu o pagamento da refeição. Tentou agradar a menina e deu-lhe um níquel de presente. Que não foi aceito. Então, a menina começou a chorar.

— O que foi, minha filha? Por que esta tristeza? —Comovido, tentava consolá-la.

Ela nada lhe falou e correu para junto de sua mãe.

Pietro estava sem rumo. Queria ajudar. Queria saber tudo o que estava a ocorrer na vida de uma tão linda mulher. Parecia estar preso em sua cadeira. Nem raciocinar conseguia. Num repente, pegou seu boné e saiu para a rua. Andou a esmo pela cidade. Precisava retornar à trattoria. Saber o que houve. Queria abraçá-la, afagá-la, confortá-la, dizer-lhe algumas palavras que a fizessem esquecer aquela repentina dor. Mas não teve coragem. Sabia que as dores devem ser sovadas por quem as sente. Só quem está sofrendo sabe até que ponto pode aguardar para que sua taça de fel extravase.

Retornou no horário do jantar. Os lindos olhos azuis ainda se encontravam turvos. Um sorriso forçado atendia à freguesia. A comida continuava com o mesmo inefável sabor. E Pietro, abismado, ficou a pensar.

— Que mulher maravilhosa! Com toda a mágoa e dor que deve estar sentindo, não transferiu seus tristes sentimentos para a sua arte culinária!

Continuou a fazer, diariamente, as suas refeições no mesmo restaurante. Certa tarde, após findar seu almoço, passou a olhar para as paredes, para o teto, para as impecáveis cortinas e toalhas, para o assoalho vermelho e brilhante. Não se conteve e falou para ela:

— Minha senhora, perdoe-me, mas eu preciso fazer algumas observações acerca do estado deste prédio. Tudo tão limpo e brilhante tentando encobrir paredes deterioradas. Desculpe-me falar isto, mas é que eu entendo um pouco de arquitetura e com pouco dinheiro pode-se fazer aqui uma bela reforma.

E passou a explicar para ela o que poderia ser executado para deixar o local condizente com a qualidade das refeições ali servidas.

— Muito grata, caro senhor. Percebo que é nosso freguês habitual já há vários meses. Mas nada posso fazer. O prédio não é nosso e o proprietário não tem interesse em reformá-lo. Já nos disse, desde o dia em que aqui viemos morar, que qualquer melhoria que fizéssemos seria por nossa conta. Se antes já nada podíamos fazer, pior agora que estou só com minha filhinha.

— Quer dizer, desculpe-me mais uma vez minha intromissão, quer dizer que a senhora vive só? É viúva? Minhas condolências.

— Obrigada, senhor….

— Pietro, minha senhora, Pietro Gobbi. Ao seu dispor.

— Pois então, senhor Pietro. Não sou viúva, não. Pelo menos não oficialmente viúva. É uma longa história. Não vale a pena rememorar. Apenas queria lhe dizer que não tenho condições de arcar com qualquer melhoria nesta casa que não me pertence.

— Está bem, senhora…

— Thereza, Thereza Caillotto Castagna.

— Está bem senhora Thereza. Desculpe-me mais uma vez pela minha intromissão. Mas é que eu acho de tão bom gosto a arrumação das mesas postas com estas toalhas axadrezadas, estas lindas cortinas que enfeitam a sala e fico admirado como consegue manter este assoalho sempre impecável e reluzente. Bom, obrigado por meu ouvir. Até mais tarde, à hora do jantar.

Antes de se dirigir à hospedaria, Pietro procurou um local onde pudesse comprar papéis próprios para desenhar plantas de casas, borrachas, lápis pretos comuns e crayons, réguas, esquadros, compassos e transferidores. Regressou à hospedaria com grandes pacotes em baixo dos braços. Acomodou tudo sobre a mesinha de seu quarto e começou elaborar esboços de trattorias e restaurantes. Na hora do jantar, tentou conversar uma vez mais com Thereza. Ela estava por demais ocupada em servir os fregueses.

Passou a manhã seguinte a percorrer a rua ao lado da estação ferroviária em busca de um local que pudesse comprar ou alugar a fim de montar uma trattoria. Logo viu um sobrado vazio bem na esquina, não muito longe de onde morava Thereza. Em seguida, foi em busca do proprietário. Não demorou a encontrá-lo em um hotel próximo de sua hospedaria. Entraram em negociações. Pietro não era um bom negociador. Assombrou-se com o valor pedido pelo imóvel. Mesmo não teria o montante de imediato. Precisaria, uma vez mais, pedir auxílio a seu pai. Fez-se de desinteressado. O que lhe restava fazer. Era um bom ator. Pelo menos algo a lhe ajudar na vida.

— Mas para o senhor eu até poderia fazer por um preço menor, desde que me pague à vista.

— Que tal aguardar um mês, mais ou menos, e lhe pagarei em liras?

— Tem certeza? —O proprietário já antevia uma bela viagem para sua terra natal.

— Sem dúvida. É só eu passar um telegrama e o próximo navio que vier de Gênova trará o seu dinheiro.

— Mas se o moço conseguir que este dinheiro chegue antes por uma ordem bancária?

— Mas então será em moeda brasileira.

A verdade é que o senhor Fioravante Bianchini estava meio falido. Restava-lhe aquele sobrado necessitado de urgentes reparações. Imaginou primeiramente haver encontrado um trouxa que lhe pagasse de pronto o que pedisse. Já deixara de vender para tantos outros que não conseguiriam pagar nem a metade do que pedira.

— Bem, amigo, façamos o seguinte. Aguardo uma semana. Se conseguir o que pedi, lhe faço um bom desconto.

— Quanto? — Pietro insistia.

— Quanto seu pai poderá lhe enviar?

— Quanto? Se for pela metade consigo o dinheiro já. O gerente do Banco d’Itália em São Paulo é meu amigo. É só mandar um telegrama para ele e em alguns dias o dinheiro estará em suas mãos.

Selaram o negócio ali mesmo. Pietro tinha algumas economias e com o empréstimo bancário completou a importância que o ganancioso Fioravante pedia.

Enfiou mãos à obra. Foi atrás de Giuliano, o pedreiro seu amigo, e em menos de um mês as necessárias reformas estavam prontas. Mas… faltava o principal. Convencer Thereza Castagna a aceitar uma sociedade com ele e a transferir a sua trattoria para outro endereço.

Pietro não era de muita conversa. Introvertido como sempre fora, não encontrava palavras para contar seus planos para ela. Neste compasso, passava-se o tempo e ele ali, diariamente, ao lado dela a fazer as suas refeições diárias.

Tentava permanecer por mais tempo na tentativa de trocarem algumas palavras. Parecia que ela construíra uma muralha em seu redor, uma tão intransponível muralha que nem o eco de suas palavras perto dela chegariam. Ao sair, sorria para ela e calado se despedia.

(continua)

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