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abril

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O moço da estação

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Sua respiração tornou-se mais rápida e ela não conseguia articular palavra alguma

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Alícia vivera sua infância em uma pequena vila perdida ao longo dos trilhos que levavam os trens ao oeste distante. Lá conheceu as primeiras letras e aprendeu a desvendar os segredos dos números. Leu todos os livros infantis da pequena escola onde estudara. Não satisfeita com o pouco que aprendera pediu aos pais que a levassem para uma escola maior, mesmo que se localizasse bem longe de sua casa.

Foi assim que aos dez anos de idade Alícia foi estudar, como aluna interna, em um colégio de freiras que ficava em uma cidade distante a meio dia de viagem de trem.

Aquele educandário viu o desenvolver de seu intelecto e de seu corpo. Transformava-se, aos poucos, em uma bela adolescente curiosa em conhecer todos os segredos da ciência e das histórias do mundo.

Aos domingos, após o almoço, levava consigo o seu romance de aventuras predileto. Enquanto suas amigas passavam a tarde, com lágrimas nos olhos, a chorar pelas desventuras das heroínas das açucaradas histórias de amor de M. Delly, deliciava-se Alícia com as trepidantes narrações que o escritor alemão Karl May escrevera sobre o aventureiro Kara Ben Nemsi e seu criado Hajii Halef Omar ou sobre o desbravador do oeste americano Old Shaterhand e seu amigo, o magnífico índio Winnetou.

Nas férias sempre retornava para o aconchego dos seus. Entre as programações das férias havia, pelo menos, uma visita a outra vila maior, não muito distante da sua. Lá moravam seus padrinhos e os padrinhos de seus irmãos. Depois do almoço especial as conversas estendiam-se até a hora do café da tarde. Jamais esqueceu em sua vida daquelas iguarias tão saborosas e tão distantes do aguado feijão com arroz papa e sem gosto que era obrigada a engolir em todos os dias do ano na mesa do internato onde estudava.

Mas o café da tarde, infelizmente, deveria ser rápido a fim de não perderem o trem que, pontualmente, às cinco horas da tarde partiria em direção à sua vila.

Ao chegarem na estação correu ela apressadamente até o guichê a fim de adquirir as passagens. Seu pai, sempre preocupado em não perder o trem, fê-los chegar bem antes da hora. Ficou ela defronte à pequena janela a esperar que fosse aberta pelo telegrafista.

O mundo revoluteou à sua frente. Uma estonteante visão fê-la perder a voz. Hipnotizada, olhava para aquele esbelto jovem que para ela sorria do outro lado da pequena abertura.

Sua respiração tornou-se mais rápida e ela não conseguia articular palavra alguma. O pior é que o moço também nada falava. Apenas sorria. Com seus dentes alvos e seus verdes olhos.

Ela lera muitos livros de aventuras que se passavam no oriente próximo e teve a impressão de estar defronte a um daqueles intrépidos cavaleiros que singravam o deserto sem fim.

O encantamento ao defrontar-se com aquela tez morena teria perdurado por infinitas horas não fosse o burburinho de uma fila imensa que atrás dela já se formara.

Ao tomar em suas mãos os bilhetes azuis, sentiu um frisson ao sentir os dedos dele roçarem os seus. Ao tomar o rumo da plataforma, quase não encontrou a porta de saída da sala de espera.

Não tardou muito a se ouvir o apito da locomotiva do trem de passageiros na última curva antes de parar defronte à estação férrea.

Apressou-se a tomar um assento junto à janela que ficava do lado da gare ferroviária. Ansiava por vê-lo uma vez mais.

E eis que ele, em pessoa, com seu garboso uniforme cheio de galões dourados e o quepe que o identificava como telegrafista, chega até a plataforma a fim de dar o apito final para o comboio que partia rumo ao sul.

Quando as rodas iniciaram os primeiros movimentos eis que o moço tira o quepe de sua cabeça e com ele dá um adeus e joga um beijo em direção a Alícia.

De olhos fechados, permaneceu ela durante toda a viagem. Nem de olhar as paisagens que tanto amava ela se lembrou.

Em vão passou seus últimos dias de férias a esperar por um bilhete ao menos que o estafeta do trem lhe entregasse.

Retornou ao internato e em meio aos seus livros de estudo e de lazer findou o ano letivo.

As férias de fim de ano eram longas. Logo no início a intensa e extensa preparação para o Natal. Vinham parentes de todos os lados. Compras e idas às costureiras para os novos vestidos que seriam estreados na Santa Missa de Natal.

Depois do ano novo a família sempre viajava para a grande cidade.

Compras de tecidos, roupas e outros utensílios que só lá, no distante rincão, poderiam ser encontrados.

Alícia andava pensativa com seu futuro. Aquele amor súbito que a envolvera e que em pensamento a acompanhara por tantas luas aos poucos desvanecia-se. Concluíra já o primeiro ano na Escola Normal do educandário onde estudava. Mas tinha certeza de que não possuía o dom que uma professora precisa ter. Arrepiava-se, no internato, quando tentava explicar algo para uma das pequenas internas que cursavam o primário de então. Quando não a entendiam, imaginava-se a pegar um saca-rolhas ou mesmo uma pua, fazer um orifício no crânio delas e lá introduzir um papelzinho com o conteúdo que já deveriam saber e não sabiam. Realmente, para professora não serviria. Convenceu seus pais de que aquela não seria sua vida. No início do ano letivo partiu com sua bagagem para a longínqua cidade grande a fim de estudar no curso científico. Por anos passou a morar em um pensionato de freiras e engolir aquelas mesmas gororobas no almoço e no jantar.

No decorrer do terceiro ano, aulas intensas o dia todo. De manhã, no curso regular. À tarde, em um preparatório de vestibular para ingressar na Faculdade de Medicina, sua meta de vida. À noite, estudar sem parar, pois, a concorrência sempre era grande.

Como ninguém é louco o bastante para apenas ficar grudado em livros, reservava algumas tardes para assistir a bons filmes, alguns sábados para tardes dançantes realizadas pelos diretórios acadêmicos das faculdades de Direito, de Medicina e de Farmácia, além de outras atividades do próprio círculo estudantil do colégio em que estudava.

Sua vida assim decorria. Entre estudos, amigos, cinema e ingênuas tardes dançantes.

Naquele último ano do curso científico, suas férias de julho resumiram-se a apenas uma semana. Não aguentava mais a saudade de sua casa e dos seus. Perdeu uma semana de aula do cursinho. Trabalho dobrado depois. Assistir às novas aulas e copiar trinta horas de aula do caderno dos que continuaram a frequentá-las.

Primeiro dia do segundo semestre no colégio. Subitamente entra em cena um desconhecido rapaz para ela. Mas já conhecido do resto da turma. Antônio, um colega deles que se transferira para o horário noturno, pois fora convocado para servir nas forças armadas.

Não demorou muito ele passou a sentar-se na fileira atrás dela. Às vezes até trocava de lugar com uma colega e sentava-se a seu lado. Alícia andava em outro mundo. Em sala de aula nada fazia além de tomar nota de tudo o que os professores falavam e escreviam no quadro negro. Ela aprendia muito mais prestando atenção em aulas do que a estudar depois nos mais variados compêndios.

Em um domingo de manhã o grupo de amigos da turma resolveu dar uma caminhada pela cidade. Foram até o Passeio Público. Antônio munido com sua máquina fotográfica caprichava nas imagens que captava de todos. Sempre ao lado de Alícia. Que dele se esquivava ao máximo. Continuava a ser a mesma garota ingênua que aos quinze anos apaixonara-se por um príncipe das Arábias. Toda a turma comentava que Antônio era um namorador inveterado. Lutava até conquistar e depois largava as meninas aos leões.

Naquele passeio, em meio aos bosques, em meio à natureza, Antônio chegara a encostar suas mãos nas dela, O que fê-la sair de perto dele. Há meses já ela notara a atração que nutria por ele. E tinha medo.

Aproximava-se o fim do ano. Último do curso científico. Última vez em que os amigos, talvez, se encontrassem.

Reuniram-se. Formaram uma pequena comissão. Foram a um fotógrafo. Todos de smoking posaram para fotos individuais. Não havia dinheiro para um quadro de formatura. Antônio teve uma ideia. Um deles, exímio desenhista, traçaria linhas que se parecessem com um ao natural. Um quadro com espaços para colar as fotos de todos, formandos, professores, diretores. Que após montado foi fotografado também.

Depois de receberem os certificados de conclusão do curso, uma das colegas que morava a algumas quadras do colégio convidou a turma para uma comemoração. Seus pais eram donos de uma pensão e lá sempre haveria um jantar para todos. Poucos foram. Entre eles Alícia. E claro, Antônio.

A pensão localizava-se em um sobrado antigo. No piso superior, com sacadas que davam para uma movimentada rua.

Imensa lua cheia a brilhar no céu azul da cidade. Alícia, feliz, extasiava-se com o luar. Antônio aproximou-se devagar. Tomou as mãos dela entre as suas. Apertou-as. Alícia sentiu um frisson. Por algum tempo ali ficaram de mãos dadas a olhar as nuvens que brincavam em redor do fulgurante astro noturno. Depois passou as mãos em seus cabelos, em seu rosto. Num repente a tomou em seus braços e beijou sua face.

Ao beijar seus lábios percebeu o inusitável. Ela não recusou seu beijo.

Retribuiu-o, no entanto, de lábios fechados. Antônio não acreditava no que estava acontecendo. Beijara uma garota que nunca havia sido beijada.

Mais fortemente envolveu-a em seus braços. E um novo beijo selou o início de um grande e tumultuado amor na vida dela. O primeiro beijo verdadeiro da ingênua Alícia.

(continua…)

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