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Uma homenagem a Antônio Merhy Seleme

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Publicado originalmente em 5 de novembro de 2022

Meu querido amigo…

Dr. Antonio Merhy Seleme nasceu em nossa vizinha Três Barras, em 12 de maio do ano de 1936.

No Grupo Escolar General Osório, de sua terra natal aprendeu as primeiras letras.

Aos 12 anos foi para Curitiba onde fez o curso ginasial e o científico. Imaginava graduar-se em Engenharia, mas com o passar do tempo optou pela Medicina.

Em 1957 ingressou na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná onde se formou em 1962. Fez cursos de atualização e revisão em Ginecologia e Obstetrícia no Rio de Janeiro, Florianópolis e Curitiba. É pós-graduado em Ginecologia e Obstetrícia e em Medicina do Trabalho. Após concluir sua formação e especialização instalou sua clínica em Canoinhas.

É casado com a senhora Doracy Crisóstomo Seleme desde o dia 7 de setembro de 1973. Tem três filhos e quatro netos.

Foi associado do Lions Clube de Canoinhas. Por duas vezes foi seu presidente.

É sócio remido do Canoinhas Tênis Clube.

Foi médico do Centro de Saúde de Canoinhas, do Instituto Nacional de Seguridade Social, onde atuou em Clínica Geral e no setor de perícias médicas.

Em várias ocasiões assumiu a Chefia do Setor Médico daquele Instituto.

Foi médico do Hospital Santa Cruz no qual, por vários anos exerceu o cargo de Diretor do Corpo Clínico.

Em 2006 foi agraciado pela Câmara de Vereadores que lhe conferiu o título de Cidadão Honorário de Canoinhas e em 2011 a Câmara de Vereadores de Canoinhas prestou-lhe uma homenagem por serviços prestados à comunidade.

É médico cooperado da Cooperativa de Trabalho Médico de Canoinhas, Unimed Canoinhas onde exerceu, por nove anos, o cargo de Conselheiro de Técnica e de Ética, por seis anos o cargo de Conselheiro Fiscal e por outros seis anos fez parte do Conselho de Administração.

Mas não é sobre datas e cargos que quero falar. Quero contar histórias vividas por essa pessoa que sempre teve uma palavra amiga para todos.

Conhecia o meu amigo Antoninho Seleme desde os tempos em que cursávamos o ginasial e o científico. Sempre bem humorado, sempre a contar sorrindo as vicissitudes pelas quais passava.

Estudávamos em Curitiba. Após as férias e ou feriados prolongados embarcava eu no trem de passageiros que me levava a Curitiba. Na parada na estação de Três Barras era aquela algaravia a entrar no vagão.  Eram os estudantes daquela vila a embarcar. Entre eles, Antoninho. Nosso destino era o mesmo. Mas aquela turma desembarcava em Mafra onde tomaria um ônibus até seu destino final.

Um silêncio tomava conta do vagão em que eu permanecia. Mas ria comigo mesmo ao lembrar das brincadeiras e das anedotas de salão que ouvira durante aquelas horas todas em que o comboio percorria a linha férrea.

Antoninho é um cinéfilo inveterado. Em sua juventude instalava-se ao lado do projecionista do cinema Lumber, em Três Barras, e aprendeu todas as manhas para bem se projetar um filme. Parece-me até que era um colaborador assíduo no Cine Ritz, em Curitiba.

Deve ter ainda um acervo de famosas películas que apresentava com alegria em um projetor doméstico. Com o advento dos vídeos-cassetes sua coleção de filmes aumentou. Deliciava-se ao rever os clássicos antigos. Citava os nomes de diretores, atores, câmeras, compositores das músicas de filmes como se fossem amigos seus do chimarrão de todas as tardes.

Quem via o Antoninho a contar histórias jocosas ou a improvisar uma piada jamais conseguiria imaginá-lo sisudo e circunspecto diante de uma situação de emergência — e que foram inúmeras —ao lado do leito de um enfermo.

Quantas vezes eu o vi taciturno, vincos na testa, tentando, no desespero, findar logo uma trágica cirurgia para o qual fora chamado em situação desesperadora.

Eram tempos difíceis. Tempos de improvisação. Sem ambulâncias, mesmo que fossem apenas para transportar um paciente. Sem aparelho de RX em nosso hospital. Sem os instrumentos indispensáveis para a realização de procedimentos mais delicados, mais profundos. E como não haveria tempo para que o paciente fosse atendido em um hospital mais bem equipado — somente encontrados na então longínqua Curitiba — era ali, na nossa humilde, exígua e mal equipada salinha de cirurgia que inúmeras vidas foram salvas.

Fatos quase inacreditáveis, fatos que pareciam extraídos de filmes de horror foram presenciados, analisados, diagnosticados e resolvidos por ele.

São tantas as histórias que invadem minha mente neste instante em que tudo que sei sobre ele eu gostaria de contar.

Em um fim de semana encontrava-se ele de plantão no Hospital Santa Cruz. Não havia ainda Pronto Socorro Municipal. A noite de sábado tinha sido tranquila. Meados de dezembro. Calor. Dia mal raiando. Os albores da madrugada em andamento no horizonte. Dirigiu-se para a porta da frente do hospital para tomar um ar fresco e fumar o seu palheiro. Era assíduo fumante de palheiro. Era. Foi então que viu as luzes de um grande veículo subindo a colina de acesso, em alta velocidade.

À porta, brusca freada, pneus a ranger! E mais de uma dezena de pessoas feridas atônitas, dele desembarcam, aos gritos, aos berros. Clamando por socorro! Ferimentos à bala em pernas, ombros, braços…  Um entrevero no meio de um baile.

Antônio correu a atendê-los. Os demais médicos foram chamados. A fila para entrar na sala de cirurgia seguia uma ordem decrescente de gravidade. Os que mais sangravam em primeiro lugar. Por sorte nenhuma bala atingira órgãos vitais.

Nem sempre os casos, embora demorados, eram simples de atender.

Uma garota que entregava leite para a freguesia que residia no caminho da escola tropeçou em uma pedra e foi ao chão. E junto os litros de leite que se quebraram. Um ferimento cortante profundo em seu hemitórax esquerdo.

Via-se a olho nu o seu coração a palpitar aceleradamente. Até o pericárdio fora lesado. Na salinha de atendimentos ao lado da entrada do hospital a cirurgia foi realizada. Minuciosa e delicadamente os bordos da ferida, camada por camada iam, aos poucos, sendo aproximadas por minúsculos pontos. Imaginava-se o pior. Apenas uma fina cicatriz na parede externa mostrava o final feliz de horas de angústia.

Lembra-se, amigo Antônio, do dia em que você suturou a pálpebra superior de meu sobrinho Celso? As lentes dos óculos dele pareciam fundo de garrafa de tão alto o grau de sua miopia. Era um tempo em que as lentes eram quebráveis. Sofrera uma queda e uma das lentes, ao quebrar, causou o ferimento que nos deixou em pânico.

Era uma tarde de domingo. Os casos mais tétricos sempre chegavam, em sua maioria, nas tardes de domingo. Os motivos de uma quase degola que fossem resolvidos pelos policiais. Para o médico o que importava era fechar a enorme ferida sangrante que ia quase de orelha a orelha. Até a laringe aparecia em toda a sua plenitude quase que totalmente amputada. Claro que foi demorada a recuperação.

Perdoem-me todos por relatar estes casos que ao comum das pessoas parecem tétricos. Mas era o dia a dia de um médico do interior que precisava resolver tudo como um relâmpago. Sem titubear. Discernir, em um átimo, qual a melhor técnica, qual a melhor tática para salvar a vida de um irmão que ali, na maca, estava a sofrer ou a quase perder a vida.

E houve a história de uma criança que fora brincar ao lado de um chiqueiro. Nunca se soube como ela caiu dentro da pocilga, em meio aos excrementos de alguns suínos de grande porte. Nunca se soube como aqueles animais atiraram-se sobre o garoto nele cravando seus dentes afiados. Era uma chaga viva que chegou às mãos do Antônio. Enfermagem atenta e bem treinada conseguiu, delicadamente, remover toda aquela matéria fecal. Depois foram horas de suturas musculares, suturas aponeuróticas, suturas nos tendões, suturas no tecido epitelial. Sangue que precisou ser transfundido. Uma demorada recuperação. Mas cicatrizes foram inevitáveis.

Certa vez quando a noite já corria solta toca a campainha de sua casa. Alguns minutos até colocar o chinelo e um agasalho sobre os ombros, solícito abre a porta e de chofre a pessoa pergunta-lhe em tom ríspido:

— Onde é o que o senhor estava?

Com o bom humor que jamais o abandonava, incapaz de retrucar no mesmo tom, sorrindo respondeu ao nervoso paciente;

— Pois, pois, estava aqui sentado à sua espera.

Quebrou o gelo. O paciente acalmou-se. E tudo saiu bem.

Talvez o caso que mais fundo ficou em minha memória foi a que você passou em uma santa Noite de Natal. Mesa posta para a ceia… a base do pinheirinho de natal repleta já de pacotes e caixas de múltiplas cores e formatos … o aroma da comida invadindo a casa… e o telefone toca ao escurecer da Noite de Natal…

Chegara ao Hospital, vinda de uma cidade não tão vizinha nossa uma emergência. Uma gestante, em trabalho de parto. Uma cesariana de emergência!

As horas passando. O caso era gravíssimo. Necessidade de transfusão de sangue! De plasma! De medicação emergencial para tirar a paciente do choque que já era de dupla causa. Havia mais problemas que a simples extração da criança. Era uma cirurgia melindrosa, difícil. Enfim tudo acabara. Paciente estável. Fomos todos para o aconchego natalino junto às nossas famílias.

O relógio da Matriz com seus ponteiros quase juntos, como se estivesse fazendo uma prece pela chegada do Menino Jesus e pronto para sonar as doze badaladas da Meia-Noite. E a sua família à sua espera estava para, com você, comemorar aquela santa Noite de Natal.

Tenho certeza de que o seu bom humor, o seu amplo sorriso amenizou inúmeras dores, amigo e colega Antônio.

Receba esta Comenda “Ouro Verde”, a homenagem que hoje a Academia de Letras do Brasil – Canoinhas lhe faz em nome de todo um povo, de toda uma comunidade a quem você sempre atendeu e serviu com amor, carinho e um sorriso franco.

Discurso lido na noite desta sexta-feira, 4, por Adair durante evento da Academia de Letras do Brasil – Canoinhas

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