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De nada adiantavam as palavras de Gustav. Franz estava transtornado

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Bernard não se sentia bem e gemia o tempo todo sobre lombo da mula, apesar de Rolf havê-lo acomodado com todo o cuidado. Quanto mais rápido chegassem ao hospital, mais chances o ferido teria de logo se recuperar, mas o tortuoso e acidentado caminho, forçava a uma lenta descida. Com imensa dificuldade chegaram até o local em que pode ser atendido. Nada grave foi diagnosticado. Múltiplos arranhões, escoriações e equimoses pelo corpo todo. O médico aconselhou-o a permanecer internado, em observação, por mais um dia.

Rolf, cabisbaixo e com as preocupações à flor da pele, retornou para a grande casa da família nas encostas da montanha. Não fazia ideia de como explicar o ocorrido para seus avós. Causou estranheza a sua chegada com dois cavalos, além da mula, bem como a demora em retornar para casa. Há muito a família almoçara e estavam todos preocupados. Um dos empregados havia já arreado outra montaria para ir atrás dele.

Explicou os acontecimentos na montanha, omitindo, no entanto, a parte da gargalhada e do deboche de Bernard. Ninguém conseguiu entender o que o filho mais novo de Franz fora fazer na montanha, exatamente no local que já era propriedade de Rolf e acabando por cair num penhasco.

 As interrogações ficaram no ar. Sophie e o marido, rapidamente, embarcaram numa charrete e partiram, às pressas, até o hospital da pequena cidade, a fim de saber pormenores do estado de seu filho.

Rolf tentou poupar Gustav desta trágica história. Em seu íntimo sabia que seria considerado culpado. Bernard arquitetaria uma longa história para incriminá-lo. Dirigiu-se a seus aposentos e, com as mãos trêmulas, abriu o grosso envelope que guardara no bolso interno de seu capote.

Além de uma considerável quantia em dinheiro encontrou um documento do Banco da Áustria. Leu o papel, atentamente. Não conseguia acreditar no que nele estava escrito. Seu trisavô Gustav e seu avô Franz haviam depositado, em seu nome, cem mil schillings. Quantia suficiente para continuar seus estudos na Academia de Música e, quem sabe, poder se casar com Sissi.

Logo apagou estes pensamentos. Pegou os papéis e foi procurar Gustav.

— Venha aqui para perto de mim, Rolf. Você demorou tanto para voltar. Pensávamos que algo muito grave tivesse acontecido com o nosso menino.

— Não vô Gustav, correu tudo bem. Fiquei lá no alto da montanha, sentado em uma pedra, lendo os papéis que encontrei na caixa de ferro e a olhar as maravilhosas imagens que se desfrutam daquele lugar. Obrigado por ter me doado aquele pedaço de chão. É linda a paisagem que se descortina de lá. Mas vô, eu não vim aqui para lhe dizer isto. Vim aqui para lhe entregar esta vultuosa quantia em dinheiro. Logo que eu retornar a Viena irei ao Banco para lhe devolver e ao vovô Franz a parte que foi depositada em meu nome.

— Não, Rolf, você tem direito igual aos demais. Isto seria a parte que caberia a seus pais. Eles também trabalharam para o engrandecimento de nossas propriedades.

Ficaram por longo tempo a conversar. Rolf fazendo as suas ponderações e Gustav a tentar convencê-lo. Num repente, irrompem no quarto Franz e Sophie. Ele com as faces rubras de cólera foi, de pronto, investindo contra Rolf.

— Então é assim que você agradece por tudo o que fizemos e estamos fazendo por você? Fingiu que estava em paz com Bernard, convenceu-o para que o acompanhasse até o alto da montanha com a mais pura intenção de assassiná-lo?

Parecia que uma branca vela de cera tomara conta das faces de Rolf e do velho patriarca. Sophie já se encontrava em quase choque. Colocou as mãos na cabeça ao ouvir as palavras do marido. Se Rolf não a amparasse teria ido ao chão.

Com palavras quase balbuciadas Gustav pediu que o rapaz lhes contasse mais detalhes. Não conseguiu falar. Tomado de um choro convulso jogou o monte de cédulas sobre o leito de seu trisavô e sem nada falar correu a seu quarto, pegou suas coisas e, às pressas, pediu que um dos servos o levasse até a ferrovia onde aguardaria o primeiro trem que partisse para qualquer direção.

Enquanto ele via em Franz e Sophie os pais que o criaram sentia prazer de permanecer naquele local encantador. Mas agora que Bernard tecera seus maquiavélicos planos, fazendo seus avós virarem-se contra ele, nada mais lhe restava fazer.

Do alto da varanda ouviu ainda a voz de Franz dirigindo-se ao empregado com quem Rolf conversava:

— Não o deixes fugir. Ele deverá pagar na justiça por seu crime.

De nada adiantavam as palavras de Gustav. Franz estava transtornado. Fora envenenado pela narrativa de Bernard que, dizia, corria risco iminente de vida.

O velho patriarca não conseguia assimilar o que Franz vociferava. Conhecia muito bem a Bernard e a suas artimanhas. Em sua memória corriam imagens do quanto aquele garoto aprontara com ele e com as crianças desde que era pequeno. Não sabia de que lado vinha esta ânsia de colocar uns contra os outros, de semear discórdia, de mentir deslavadamente. Como era o caçula de Franz e Sophie que o bajulavam sem cessar, cresceu imaginando que o mundo lhe devia todas as benesses. Suas malcriações jamais eram punidas. Só o velho Gustav a tudo percebia e não se cansava de alertar o neto:

— Um dia vocês se arrependerão de tanto relevar o que este garoto faz. Mas não me dão atenção…

Agora, ali no quarto, vendo Sophie meio desmaiada sobre uma poltrona, não se aguentou e começou a falar:

— Eu não acredito em nada do que Bernard disse a vocês. Ele sempre foi um grande mentiroso, sempre fazia as mais terríveis artes e acostumou-se a culpar os outros. Rolf agora vai embora, pesaroso e cabisbaixo. Tenho certeza de que a história é outra. Vocês estão possuídos por um ódio inconcebível que não os deixa raciocinar. A que horas Rolf convidou Bernard para subirem juntos a montanha se ele pegou o coche e foi embora? Rolf passou o dia e parte da noite aqui no quarto comigo. Vocês são testemunhas. Se algo acontecer a este menino quem deverá ir embora desta casa e desta propriedade são vocês. Porque eu ainda sou o único dono de tudo isto.

Se a cabeça de Franz fervia antes de ouvir as palavras de seu avô agora parecia que um vulcão estava a irromper dentro dela. Não conseguia concatenar as ideias.

Sophie mantinha-se quieta, estirada sobre a poltrona ao lado. Respirou fundo e, a contragosto, teve de admitir que o avô estava certo. Lembrava-se, perfeitamente que vira Bernard ir embora sem sequer se despedir e que Rolf ensaiara o resto do dia nos aposentos de Gustav.

— Franz, mande alguém atrás de Rolf. Implore-lhe, mas com carinho para que ele volte. Ele já nos contou o que aconteceu.  Mas vá rápido antes que ele repita os passos do pai dele. Por favor, Franz!

O criado não atendera as ordens do patrão e não segurara Rolf na propriedade. Até lhe entregou um arreado corcel no qual o rapaz colocou suas bagagens e, lentamente, pela estrada, seguiu o caminho até a pequena cidade onde pegaria um trem. Herman, o empregado, conhecia bem as artimanhas e as mentiras deslavadas de Bernard. Por isto fez de conta não ter ouvido as palavras de Franz. Agora lhe pedia que trouxesse Rolf de volta com um pedido de desculpas. O que ele fez voando. Encilhou o mais rápido cavalo da propriedade e, na maior velocidade, chegou na estação ferroviária bem a tempo de ver Rolf embarcando em um cargueiro que em minutos deixaria a gare. A custo conseguiu convencê-lo e levá-lo de volta para perto de Gustav.

Nada falou. Não conseguiu olhar para os avós. Não se sentia bem após aquela desconfiança, depois de ser considerado um assassino pelas pessoas que tanto amava e que tinha como seus pais.

Sophie passou as mãos em sua cabeça. O rapaz soluçava. Tentou fazê-los ver que se houvesse empurrado Bernard montanha abaixo não o teria socorrido.

Foi só então que Franz contou a versão do outro.

— Meu filho asseverou-me haver percebido as intenções de Rolf pelo olhar furibundo que lhe lançou quando chegou a seu lado, apiedando-se pelo tempo perdido em cavar um buraco e só encontrar uma caixa de pedras.

— E mais, ele me afirmou. Ajudou você na escavação. Quando percebeu o que você estava tentando fazer, envolveu-se rapidamente com o laço e amarrou a outra extremidade em seu cavalo. Quando você voou contra ele, atingindo-o nas costas com suas pesadas botas, jogando-o precipício abaixo, assobiou para seu fiel corcel que o puxou para a superfície. Montou rapidamente e numa disparada saiu como um raio a cavalgar em direção ao vale. Chegou desmaiado ao hospital e graças à rapidez com que foi atendido pelo Dr. Koch já se encontrava em melhor estado, mas não fora de perigo.

— Ainda bem que eu tenho toda a equipe do hospital para testemunhar a meu favor. — Falou, finalmente, Rolf — Eles viram bem quando eu lá cheguei com Bernard sobre o lombo da mula. O traste do matungo dele para nada serviu. Sabe Deus onde ele arranjou aquela inútil montaria. Além do mais, que andrajos eram aqueles que ele vestia? Parecia um mendigo…

Franz e Sophie puseram as mãos na cabeça. A ânsia em sempre defender o filho caçula fê-los causar uma mágoa irreparável no coração do neto.

Gustav em seu leito apenas balançava a cabeça. Estendeu as mãos e puxou Rolf para sentar-se a seu lado. Lágrimas corriam pelos olhos de ambos.

(Mais um trecho de um livro a caminho.)

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