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Há 150 anos, a chegada dos italianos ao Brasil – parte 1

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Vida nova na terra dos sonhos

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Morriam na garganta as palavras que Padre Archangello tentava proferir no decorrer de seu sermão, na Basílica de San Michelle, naquela triste manhã de janeiro do ano de 1874.

Poucas pessoas presentes na missa dominical. O vazio da nave só fazia aumentar o vazio em sua alma.

 Pessoas que ele batizara, de quem ouvira confissões, a quem administrara a primeira comunhão, a tantos a quem conferira o sacramento do matrimônio.

Em semanas anteriores deles ouvira a última confissão. Parecia ter sido ontem que lhes dera a última bênção com augúrios de uma linda viagem e sucesso na nova pátria onde agora iriam viver e criar os seus filhos.

A menina Thereza nunca vira lágrimas nas faces de Padre Archangello e não entendia as razões de suas poucas palavras embargadas. E ao acabar a missa foi logo lhe perguntar as razões de tanta tristeza.

— Não são de tristeza estas lágrimas, minha pequena. São de emoção. Seus amiguinhos e os pais de seus amiguinhos partiram num grande navio rumo a uma terra prometida. A nossa aqui já não mais produz o mesmo trigo. Já não temos mais um gordo feno para alimentar as nossas vacas. Os jovens alucinados não querem mais lavrar a terra e plantar a boa semente para que tenhamos uma boa colheita. Estão todos ávidos por receber um soldo em cada fim de semana depois de perderem parte de sua saúde em meio às máquinas das fábricas. É, menina, você hoje não entenderá as minhas palavras. Em breve, tenho certeza, seus pais, você e seus irmãos também partirão em busca de uma nova vida em um país que só cresce e onde a fartura é grande.

Pensativa, Thereza embarcou no carreto com os seus e ficou a ruminar o que Padre Archangello lhe falara. Olhava os campos ao redor e via aqueles trigais tão diferentes já. Não, ela, seus irmãos e seus pais jamais deixariam a Vila de San Michelle.

Mariana, Luigi, Alicia e Enrico, os amiguinhos com quem sempre brincava e estudava, haviam partido com seus pais. Olhava ao redor e só via casas e pátios vazios. Uma dor começou a roer seu coraçãozinho.

Imaginava-os em alto mar, a ver apenas água por todos os lados. Feliz ficava ao lembrar que eles lhe haviam dito que depois de vencerem o mar só veriam coisas lindas como florestas com um verde jamais imaginado e os mais vermelhos tomates como iguais jamais se vira no mundo.

Embarcaram no porto de Gênova em um navio a vela que navegou através do Oceano Atlântico por longos 45 dias. Os quatro amiguinhos de Thereza imaginavam permanecer juntos quando chegassem ao Brasil. Já no desembarque, no porto de Vitória, no Espírito Santo, perceberam que nunca mais se encontrariam. Cada família fora enviada a uma diferente fazenda de plantação de café.

Não era lá o sonho do tão almejado eldorado. Os italianos, inconformados com a situação a que, inesperadamente, foram jogados, revoltaram-se e não aceitaram trabalhar em propriedades que não seriam suas.

Foi assim que muitos iniciaram a longa caminhada para o sul. Apenas a família de Mariana conseguira, com as poucas liras que economizara, adquirir uma pequena gleba de terra no interior do estado.

A maioria, aos poucos, juntou seus pertences, colocou-os em pequenos carretos e assim, após longos e sofridos dias, atingiram outras plagas.

A avó de Luigi começou a se sentir mal no meio da viagem e quando chegaram na cidade de Sorocaba foi internada, em estado grave, na Santa Casa de Misericórdia. Enquanto aguardavam por seu restabelecimento, precisavam trabalhar em algo a fim de pagar as despesas. Alugaram uma casa que lhes serviu não apenas de morada. Eram mestres no preparo de massas, em especial o talharim e o espaguete e deram início a uma pequena produção doméstica que passaram a vender de casa em casa. O sucesso foi tão grande que em menos de um ano montaram uma pequena fábrica de macarrão.

Algum tempo depois já eram também proprietários de uma fazenda de café.

Alicia, Enrico e os seus preferiram continuar a grande viagem para o sul. Já haviam sofrido todos os percalços possíveis ao trafegar — com seus pequenos carretos, puxados por um só animal e com as mulas a carregar pesados fardos — pelas encostas escarpadas das serras do Espírito Santo, pela Mantiqueira e agora enfrentariam a Serra do Mar. Sua meta era chegar aos arredores da cidade de Curitiba. Já tinham ouvido falar do propício clima para o plantio do trigo e o cultivo de videiras. O sonho de produzir um refinado vinho para comemorar a sua nova vida em um belo país.

Entre grotões e precipícios e paredões de pedra escorregadia, lentamente avançavam palmo a palmo. O forte calor do final do verão imperava e os desconhecidos mosquitos a castigá-los sem parar. Tinham ouvido falar em doenças transmitidas pelos insetos. Haviam até adquirido mosquiteiros para protegê-los das picadas no período noturno.

Outro terror eram os animais selvagens. Como viviam amedrontados, sempre havia alguém de vigia naquelas noites tropicais. Depararam-se com cascáveis e jararacas e até com onças e javalis.

No meio do caminho depararam-se com um grupo de índios. De início, o susto. Mas logo conseguiram entabular uma estranha conversa, uma mistura de tupi-guarani com português e italiano. Logo se tornaram amigos. E os selvícolas acompanharam-nos até a terra de muito pinhão, a capital da província do Paraná.

Naquele altiplano encantaram-se com as imponentes araucárias que pareciam recebê-los de braços abertos.

A família de Alicia decidiu por lá se estabelecer. Encontraram um bom local onde havia um grande barracão vazio. Que por bom preço foi logo alugado. Não serviu apenas de morada. Logo abriram uma trattoria. As massas e molhos servidos agradaram tanto que quase já nem conseguiam servir a todos.

Em pouco tempo adquiriram o velho barracão. Ampliaram-no a fim de servir a tantos comensais apaixonados por aquela comida tão especial. Em breve outras trattorias e restaurantes foram surgindo no local, tornando-o conhecido até em várias partes do mundo como o local da melhor comida italiana fora da Itália.

A família de Enrico não permaneceu na terra dos pinheirais por muito tempo. Tinham outras ambições. Acreditavam que quanto mais ao sul, melhor o clima para o grassar de videiras. E quanto melhores as videiras, melhor o vinho a ser produzido.

Outra aventura a iniciar-se a partir do planalto sul do Paraná. Souberam que havia uma rota pela qual conduziam o gado que do sul subia até São Paulo. E por onde desciam as mulas dos mascates carregadas com as mais diversificadas mercadorias no rumo do Rio Grande.

O outono já corria célere quando atingiram as faldas da Serra do Espigão, após cruzarem rios, pradarias e matas fechadas. Pelo caminho fizeram contato com muitos gaúchos tropeiros que tangiam o gado para o norte. Diziam eles que a região de Campo dos Bugres seria a mais propícia para o plantio de videiras. E de trigo!

(continua)

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