domingo, 28

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abril

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2024

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O deslumbramento de Pietro

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Foi um sonho que pouco durou nos dias de sua mocidade vivida na Itália

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Desde o dia em que Emílio Gobbi e a Condesinha Arcelia Filomena Fontana trocaram o primeiro e fulgurante olhar por centenas de peripécias e desventuras tiveram que passar até conseguirem consumar o seu amor. Para casar-se com um jovem advogado não pertencente à nobreza italiana perdeu ela o título de Condessa.

Pietro, um de seus filhos aprendeu a fazer de tudo com seus avós e seus pais. Teoricamente era um especialista em várias atividades. Tanto entendia de vitivinicultura como de arquitetura.  Lera todos os clássicos da filosofia universal. Sentia não se enquadrar no mundo em que vivia. Não aceitava a monarquia em seu país, mesmo sendo uma monarquia parlamentarista. Formara com demais intelectuais de Piacenza uma sociedade artística e cultural dedicada a estudar os movimentos políticos democráticos que já vicejavam em alguns países. Foi um sonho que pouco durou nos dias de sua mocidade vivida na Itália.

Ao ler no Corriere della Sera, um jornal editado em Roma, as notícias de que no sul do Brasil estava em formação uma Colônia que congregava adeptos de um novo modo de viver, onde todos produziriam em prol de todos e fora formada por um grupo de intelectuais que pregavam a liberdade acima de tudo sentiu que lá seria o seu lugar.

Aliou-se a um grupo de jovens que sonhavam com as benesses de uma feliz vida comunitária. Com eles embarcou em uma aventurosa empreitada em busca do sonho dourado na Colônia Cecília, no interior da província do Paraná, bem ao sul do Brasil.

Quando Pietro Gobbi lá chegou sentiu de perto uma grande frustração. Não era o sonho por ele alimentado há tantos anos.

Quando ele e seus amigos lá chegaram perceberam que alguns colonos dedicavam-se à vitivinicultura mas não conseguiam os mesmos resultados obtidos em sua terá natal. Explicou-lhes que o solo talvez não fosse bom o suficiente para a produção de parreirais de boa cepa. Escolheu um trecho do terreno que era inundado pelo sol da manhã. Ensinou-lhes como deveria ser feita a poda anual. Montaram a vinícola. Logo um bom vinho já era produzido.

Muitos colonos debandaram e foram trabalhar nas regiões vizinhas. Quase nada mais restava da pujança inicial. A Colônia Cecília começou a dar ares de deterioração. Poucas famílias lá restavam. Pietro Gobbi entendeu que ali nada mais poderia fazer. Resignadamente, pegou seus pertences e mudou-se para a capital da província. Sentiu um amargor na boca e na alma. Pouco sobrara dos barracões e casas que as primeiras pessoas, lideradas por Giovani Rossi, um sonhador agrônomo italiano, lá construíram.

Chegou a Curitiba num entardecer. Antes de procurar um lugar para um pouso entrou no primeiro restaurante que encontrou. Enquanto saciava a fome com um excelente prato de macarrão e bebericava uma taça de vinho encetou uma conversa com o dono. O bate-papo estendeu-se por horas e até cançonetas italianas começaram a entoar. Repentinamente Pietro estaca.

— Desculpe-me, amigo Raffaele, mas fiquei tão entusiasmado com nossa conversa e a música. Preciso ir embora a fim de procurar um local para dormir e me alojar por algum tempo.

— Mas não se preocupe! Aqui ao lado tem a pensão de nossa vizinha Mamma Antonella, uma sorridente senhora que chegou já faz algum tempo da Itália. Espera um pouco e te ajudo a levar tuas coisas pra lá.

Quando o dia amanheceu ideias cruzavam-se na mente de Pietro.

— Tenho que procurar logo algo em que me ocupar. Tantas coisas aprendi em minha terra. Mas em que ramo eu poderia trabalhar?

Na hora da primeira refeição apresentou-se aos demais hóspedes. Logo saiu a caminhar pelas ruas da cidade. Precisava ambientar-se. Encontrou um local em que se vendiam jornais e livros. Comprou não apenas o exemplar de um jornal mas também um dicionário Italiano – Português. Assim munido passava horas em seu quarto na tentativa de conseguir expressar-se na língua falada em sua nova terra.

Um dos hóspedes da pensão era um jovem que aprendera o ofício de pedreiro e trabalhava em uma construção. Certo dia Pietro acompanhou-o até o local em que se levantava um pequeno sobrado. Ficou a observar o serviço e a tomar notas em uma caderneta. À noite perguntou ao jovem se ele não se interessaria de montar uma empresa própria.

— Olha, Giuliano, podemos fazer umas coisas diferentes, mais bonitas. Não estas portas assim simples. Podemos inventar algo mais artístico. Portas enfeitadas com o brasão da família, com flores ou com outros objetos.

— Mas como Pietro?

— Faremos um molde em barro….

Passou a explicar ao estupefato amigo a sequência da confecção das peças moldadas em cimento. Com o dinheiro que recebera de seu pai adquiriu o material necessário. Por algum tempo até trabalhou junto com Giuliano. Mas não se adaptou muito bem com este tipo de trabalho. Pietro era um intelectual. Embora soubesse como as coisas deveriam ser realizadas seus sonhos sobrepujavam o trabalho braçal.

Desde pequeno não saía de perto de sua Nonna Isabella enquanto ela preparava os deliciosos manjares em sua cozinha. Aprendera com ela todos os segredos da culinária tradicional não só da região de Piacenza como também de outras partes da Itália. Imaginou que o restaurante do amigo Raffaele, o primeiro que conhecera em Curitiba, poderia servir pratos mais elaborados e assim atrair outros fregueses adeptos de uma comida mais requintada.

O cozinheiro coçou o cocuruto e ficou a pensar.

— Mas amigo Pietro, nosso povo aqui já está acostumado com nossa polenta e nossa massa com um molho simples….

— O que não significa que não possam se acostumar com outras massas. Colocamos no jornal e em uma tabuleta na porta os nomes dos novos pratos. Não se preocupe. Sei como prepará-los e você logo verá como os fregueses choverão.

Apesar de ser um mão aberta e viver a pagar um bom caneco de vinho para rodas de amigos Pietro sempre tinha dinheiro pois seu pai, eternamente preocupado com ele, continuava a enviar-lhe a sua mesada. Comprou os ingredientes necessários e logo a trattoria do Raffaele precisou ampliar seu salão de refeições. Em certa manhã o velho italiano não apareceu na cozinha para tomar o seu costumeiro café bem forte com o fresquinho leite que de madrugada um colono sempre lhe trazia. Ficara viúvo há dois anos já e vivia a sós em uma meia água nos fundos do restaurante. Quando os empregados foram ver o que teria acontecido encontraram-no caído ao lado do lavatório onde fazia sua toalete matinal. Olhos esbugalhados a fitar o nada. Enquanto uns colocavam-no na cama outros correram buscar um médico. Foi levado para a Santa Casa de Misericórdia e lá permaneceu por meses. O acidente vascular cerebral fora muito grave. Nunca mais voltou a falar. Movimentava apenas a mão esquerda e tentava com os olhos dizer alguma coisa. Sem ele o restaurante ficou com seus filhos. Que desta arte nada entendiam. Pietro perdeu o interesse em continuar sem o amigo.

Alguns anos já se haviam passado desde a malfadada aventura da Colônia Cecília. Mamma Antonella falecera e com ela fecharam-se as portas de sua pensão. Pietro teve de procurar outro local para morar.

Resolveu dar um giro para longe do centro e dirigiu-se para as bandas da estação ferroviária que a esse tempo já andava bem movimentada. Chegara a hora do almoço e ao caminhar pela rua que ficava ao lado sentiu o aroma de algo que levou seus pensamentos ao tempo em que era apenas um garoto adolescente com o rosto cheio de espinhas. Viu-se a andar com seus pais e irmãos pelas ruas de Verona. Estavam naquela cidade apenas de passagem quando dirigiam-se a Veneza. O ar impregnado com a fragrância emanada de uma rústica trattoria foi o urgente convite para nela almoçarem. E agora aquele dia estava aceso em sua memória com o odor que penetrava em sua alma.

De imediato aproximou-se do local em que funcionava um pequeno estabelecimento onde se serviam refeições simples em pequenas mesas cobertas com toalhas axadrezadas que mesclavam as cores da bandeira italiana. Entrou. Quase teve uma síncope quando uma jovem senhora a sorrir veio recebê-lo pronta a anotar o seu pedido. Estava totalmente embasbacado. Era uma linda mulher. Cabelos loiros. Olhos azuis e olhar penetrante. O sorriso mais belo do mundo a esperar que ele decidisse em qual mesa sentar. Mas ele não conseguia nem se mexer. Continuava estático a olhar para ela. Quantas beldades vira em sua vida! Pelas ruas e salões, nos palcos em que apresentavam óperas e peças teatrais. Nunca vira uma mulher assim. Passou a mão pelos olhos. Acreditava estar tendo uma visão. Mais uma vez aquela passagem por Verona invadiu a sua mente. A bela mulher à sua frente tinha o mesmo rosto de uma mocinha que vira na boleia de um pequeno carreto carregado de produtos da lavoura e que estacionara defronte à trattoria onde pararam para almoçar naquele longínquo dia.

Não conseguiu falar. Havia uma folha com o nome dos pratos sobre a mesa escritos com uma caligrafia esmerada. Sentou-se, finalmente. Colocou o dedo aleatoriamente, sem sequer olhar para o papel. Só quando o prato chegou à sua frente percebeu tratar-se de nhoque com molho pesto. Saboreou-o com prazer. Jamais provara algo tão macio e suave em sua vida. E o molho? Desde que sua Nonna Isabella falecera nunca mais experimentara uma comida tão especial.

Pagou a conta. Despediu-se com uma leve mesura. Não conseguira articular uma palavra sequer. Defronte à estação encontrou uma pequena hospedaria. Coincidentemente o proprietário viera de Cremona, cidade vizinha à sua.

Não conseguia conciliar o sono. A imagem da bela italiana vagava através de sua mente. Vagava entre a beleza que o estonteara dentro da pequena trattoria e a daquela mocinha, quase uma menina que vira há uma vida já na boleia daquele carreto em Verona.

Jamais se detivera por mais que alguns minutos a admirar as belas mulheres que cruzaram sua vida. As reminiscências afloravam à sua frente como se estivesse em um teatro. Cenas e mais cenas a desenrolarem-se em um palco à sua frente.

Certa vez estava a assistir uma missa na Basílica de Santo Antonino, em Piacenza, quando notou um olhar magnético em sua direção. A jovem era linda e tinha um sorriso estonteante. No final do ofício religioso no longo corredor central viu-a a andar bem lentamente, dando a perceber que esperava vê-lo passar por perto. Aproximou-se dela e trocaram algumas palavras. Viu-a doutras vezes. Já estava quase a ponto de pedir-lhe que se encontrassem mais vezes, que ela fosse a um dos bailes dos fins de semana. Ela já sabia tudo sobre ele. O que fazia. Onde estudara. Quando mencionou seu nome e onde morava, o mundo de Pietro desmoronou. Era neta do Marquês Antonello de Gotardi. Pietro tentou desvencilhar-se aos poucos. Sabia dos percalços todos pelos quais passara seu pai ao se apaixonar pela filha do Conde Fontana. Não queria que a moça também fosse execrada pelos seus ao unir-se a um rapaz que não pertencesse à nobreza italiana. Haviam conversado uma única vez. Ela, meio sem jeito, recusara o convite para o baile. Sabia que não poderia frequentar locais populares.

(Continua)

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