domingo, 28

de

abril

de

2024

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Dos escaninhos de meu baú…

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Crônica para uma noite sem poemas

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Quisera eu escrever um poema em cores, um poema de deuses.

Quisera eu escrever monumentais histórias banhadas em néctares colhidos em enluaradas madrugadas. E apenas trevas sobrevêm nesta noite insone. Aproximam-se somente ruídos loucos.

Quisera eu escrever sobre os sóis dourados que tingem as escarpas no amanhecer. E só noites enegrecidas pelo ébano do tempo surgem em minha mente. Este tempo incoerente que abocanha e prende em suas garras as mais belas serenatas que teria o meu poema. Que muda os meus luminosos sons em bárbaros estrondos multiplicados pela imensidão dos templos já vazios.

Templos já vazios do puro… vazios… tristemente vazios para sempre. Argamassados agora pelos ecos trazidos das tormentas de outras eras.

É um invisível som compacto, vasado nas brumas descoloridas de passados negros.

Em vão procuro o meu poema em cores.

Quisera eu um poema de deuses, de néctar,

um poema de rosas,

de rosas voando ao lado das nuvens

em busca dos raios mais lindos do sol.

Quisera eu encontrar em cada manhã um poema cheio de orvalho espelhando o azul de um cantante céu…

Tentei encontrar meu poema no alto das serras, coberto de estrelas.

E escrever um poema em cores.

E neste negrume nefasto de agora procuro um poema que venha dourar novamente os espaços de um tempo sem luz.

Um poema que venha trazer para as eras do ocaso já mortas, lembranças de deuses, de néctar e flores.

Trazer a carícia do sol e molhar a poeira esquecida no orvalho de cada manhã.

 E fazer reabrir para sempre os templos vazios de outras eras.

Escrito em maio de 1974

Ω

Crônica de uma alma atormentada

São mais alguns momentos que passam. E a crise da angústia não passa. Momentos feitos de horas ininterruptas, de dias ininterruptos. Angustia que oprime e se derrama pelo meu corpo inteiro como a fundir-se com um desespero maior. Quisera eu um céu inteiro e azul para olhar…

Angústia em pensar que tanto tenho a dizer para alguém… E não sei para quem…. Necessidade de externar esta opressão. Falar de coisas. Coerentes ou banais. Mas falar. Extravasar o que corrói os espaços intersticiais de um espírito angustiado que ainda não sabe por que erra por estas areias e estepes, por estas matas e carreiros sem cor. Encontrar a amiga, encontrar o amigo que se enrosque comigo no emaranhado onde vivo. E que entenda essa imagem sem limites, sem fins, sem fronteiras, sem reservas. Quisera ficar vivendo horas mortas, a ouvir e a contar. Não sei o que e nem para quem. Algo que vede a ânfora onde se encontra esta dor, este abstratismo que decidiu morar dentro de mim, infiltrar-se em minhas células como se com elas amalgamado ficasse. Que se agarrou em mim como conchas em rochas de beira-mar.

Necessidade oprimida de alçar um voo gigante. Não sei para onde. Estou à espera. Não sei de quê. Sinto-me acorrentada num vazio imenso. Num imenso vazio de coisas, de gente, de fatos.  E tudo parece vulgar. Até este céu dourado enlouquece ao invés de envolver minha alma em carícias como há tanto não faz.

Só esta música triste, que agora ouço ao longe, evoca uma saudade remota e indefinível e consegue vibrar em meu eu cordas amortecidas há uma era.

Afogada, confusa, submersa. Caminho pela rua, pela estrada, sem rumo, sem nexo, sem meta, sem coerência. Um cansaço total, exaustivo, como limo, limoso, envolvente, visguento, a sugar-me, a roer minhas entranhas, a afogar, a sufocar.

Que algum raio estelar alcance os íntimos espaços desta atordoada mente. Reagir agora. Reagir enquanto as nuvens que passam no alto tentam tomar conta de mim. Preciso embarcar nesta nuvem e ir ao encontro da minha estrela azulada.

Preciso embarcar nesta nuvem e nela envolver-me inteirinha. Para fazer minha mente esquecer que a aspereza dos caminhos tenta me machucar. Lutar neste emaranhado é preciso para deste vazio me afastar.

Meu amigo espiritual, mentor meu de todas as horas, meu amigo de sempre. Ajuda-me. Socorre-me. Faze com que eu possa libertar-me destes elos de tristeza. Faze com que estas dores possam voar para bem longe. Que a tristeza não domine. Que o pavor não permaneça.

Preciso de um momento de alegria.  Mestre, lança a tua rede até aqui! Alça-me para cima, para o Alto, para onde está a tua luz.

Preciso é superar esta passagem triste. E sei que a outros entristece também. Sei que devo afastar este amargo cálice para longe, muito longe. Sem artifícios. Com o teu aconchego apenas. Com fé e amor.

Arrasta-me contigo para que este terrível momento presente permaneça apenas na memória dos tempos ancestrais e que retorne o tempo da paz e da luz. Que retorne o tempo do amor sem fronteiras e sem limites.

Deixarei agora que o sorriso de outrora outra vez venha me envolver e proteger contra todas as amarras que tentarem me tolher, contra todas as vendas que tentarem toldar minha visão.

Sorrirei ao entregar-te o meu ego partido. Para que o reatas, o rejuntes e o recoloques no lugar de onde nunca deveria ter saído.

Sorrirei, sim! E será agora. Com esta injeção de otimismo que enviaste não sei de onde e nem como.

Ah! Quisera ter a certeza de que aqui estás passando tua mão em meus cabelos. Merecerei este afago? Esta poluída carcaça que me envolve nem sequer o direito tem de pensar que poderias aqui estar.

Mas será diferente, muito diferente de hoje em diante. A firmeza virá e será tudo um mundo novo. Minhas raízes serão mais fortes. Conseguirei voltar às fases remotos e merecer um tempo mais longo para que possas ficar comigo.

E não deixar a tristeza tomar conta de mim outra vez.

Escrito em novembro de1976

Ω

Assim como as Tempestades

Se o ribombo dos trovões assustasse o sol e o azul do céu, amedrontado, sumisse para sempre atrás das grossas tempestades não haveria mais poesia, nem luz, nem amor.

A tempestade passa e por mais cicatrizes que deixe vai embora e o azul retorna e o sol retorna e o luar retorna.

Por mais galhos arrebentados que o vendaval deixe, as árvores continuam a crescer e a formar outros bosques.

Por mais seixos que desabem da montanha ela lá continua, altaneira, em seu lugar.

E as tempestades persistem em retornar. Porque não conseguem ver que um azul se perpetue no espaço… Não suportam ver um sol a brilhar.

E o sol continua. O céu azul continua. Para a tempestade não sobra senão a insípida glória de escoar-se pelo solo lamacento, pelas sarjetas. Restos de todo o seu poder e de todo o seu estrondo!

Escrito em agosto de1977

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