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Caminhabilidade urbana: desafios e possibilidades

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Parte da jornada diária é gasta em deslocamentos habituais

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João Ricardo Licnerski*

Jairo Marchesan**

Argos Gumbowsky***

Caminhar é um dos principais e mais importantes atos de deslocamento dos humanos. Igualmente, é a mais universal e democrática forma de mobilidade, inclusive, atualmente, urbana. Cotidianamente, milhões de pessoas se deslocam a pé, principalmente entre distâncias mais curtas. O distanciamento entre o local da moradia e do laboral nos obriga a utilizar outros meios de transporte, como o ferroviário, o rodoviário coletivo e, principalmente, o individual. Assim, parte da jornada diária é gasta em deslocamentos habituais.

Acredita-se que uma parte considerável do tempo da nossa existência é utilizada para os deslocamentos de um lugar a outro. A vida nos grandes centros urbanos, nas cidades, acentua a necessidade de deslocamentos, nem sempre próximos e possíveis de serem feitos a pé. O imperativo automobilístico gerou profundas mudanças na estrutura urbana, ocupando parte dela para a circulação viária e o estacionamento.

Anteriormente aos veículos motorizados, as cidades possuíam uma capacidade e estrutura que permitia percorrer a pé e ter acesso aos principais serviços em pouco tempo. A urbanização contemporânea gerou distâncias e segregação das atividades e, por conseguinte, a multiplicação diversificada de deslocamentos diários. Atualmente, o Planeta enfrenta graves e generalizadas crises, e uma delas é a de mobilidade urbana. O aumento do número de veículos individuais motorizados em circulação inviabiliza as cidades.

Além disso, outros problemas se apresentam, dentre os quais citamos: congestionamentos e perda de tempo no trânsito; contaminação atmosférica; problemas de saúde pública; pressão por investimentos em obras viárias; dentre vários outros. Vale lembrar a frase categórica do urbanista brasileiro Jaime Lerner: “O carro é o cigarro do futuro”.

No Brasil, por exemplo, esta crise de mobilidade urbana adquire proporções alarmantes. Desde a metade da década de 1960, o país adotou um modelo de desenvolvimento econômico baseado no sistema rodoviário e na indústria automobilística. Investimentos no sistema ferroviário e hidroviário não acompanharam o processo demográfico e de urbanização, e tampouco fizeram parte efetiva de uma política nacional de mobilidade.

A crise do petróleo da década de 1970 não representou uma mudança substantiva no paradigma da mobilidade no país. Para agravar a situação, o transporte público coletivo padece perante a competição feroz do veículo privado, inviabilizando investimentos privados e públicos neste setor. Nas últimas duas décadas, o número de automóveis nas cidades brasileiras é crescente e perceptível, dispensando dados estatísticos que o comprovem. É saudável e sustentável este modelo?

As políticas públicas de mobilidade urbana, em muitos países, adquiriram uma dimensão global ao situarem as cidades como fontes de emissões contaminantes que contribuem para o aquecimento do Planeta. Além da meta de aumentar a frota de automóveis elétricos e de investimentos em transporte público não contaminante, unem-se medidas para desestimular o uso dos veículos motorizados privados nas cidades: pedágios em áreas centrais (Londres e Paris); a prioridade para pedestres e ciclistas (Copenhagen e Barcelona); transporte público de massa (Curitiba e Bogotá); redução de carros em centros históricos (Florença e Valência). Além dessas, existem outras ações, como o “o dia sem automóvel” e as taxações, que visam a estimular a mobilidade com menor impacto ambiental. Na base dessas políticas pela mobilidade urbana sustentável, há uma ordem de prioridades: em primeiro lugar, estão os pedestres e ciclistas; logo em seguida, o transporte público coletivo na escala urbana e metropolitana; depois, o transporte individual motorizado com restrições; e, finalmente, as demais modalidades de transporte de passageiros e cargas. O predomínio do transporte individual motorizado é questionável. Pergunta-se: Essa modalidade de transporte é suportável ou sustentável?  

Neste sentido, é crescente a concepção de planejamento urbano e, nas políticas públicas de mobilidade, a ideia de “caminhabilidade”, ou seja, a definição de atributos convidativos para caminhadas, não somente como forma de lazer, mas, principalmente, como prática de deslocamento para as atividades do dia a dia, inclusive as longas distâncias. São características do ambiente construído que influenciam a predisposição das pessoas para caminharem, entre eles, a acessibilidade, o conforto ambiental, a permeabilidade do tecido urbano, a atratividade dos espaços e usos urbanos, além das condições das superfícies de circulação e de segurança para todos os pedestres. Embora envolva elementos de desenho urbano, a caminhabilidade complementa-se com campanhas e a conscientização da população sobre os benefícios do caminhar pela cidade, de forma mais ampla.

A caminhabilidade urbana vai além de oferecer condições ambientais para o deslocamento a pé nas cidades. É o fomento à forma mais democrática de locomoção, aliada à preocupação com a saúde física e mental da população e, por conseguinte, persegue o objetivo de humanizar as cidades por meio do uso social do espaço público e do resgate à essência do urbano, atualmente pensado e dominado pelo automóvel privado. Em definitiva, caminhar é a forma mais efetiva de promover a qualidade de vida nas cidades e de construir um mundo mais sustentável.

*João Ricardo Licnerski é arquiteto e urbanista e doutorando do Programa de Doutorado em Desenvolvimento Regional na Universidade do Contestado

**Jairo Marchesan é Doutor em Geografia e docente no Programa de Mestrado e Doutorado em Desenvolvimento Regional na Universidade do Contestado

***Argos Gumbowsky é Doutor em Educação e docente no Programa de Mestrado e Doutorado em Desenvolvimento Regional na Universidade do Contestado

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