domingo, 28

de

abril

de

2024

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Brindando a uma nova Trattoria

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Todos os pratos típicos da culinária italiana e brasileira, que ela já dominava tão bem, ali poderiam ser elaborados

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Certa noite, quando Pietro chegou na Trattoria de Mamma Thereza para jantar, encontrou as portas fechadas. Um assombro tomou conta dele. Estava já a se retirar quando mais sentiu que ouviu um débil sorriso infantil logo acima de sua cabeça. Era a filhinha dela que da janela lhe acenava a sorrir.

— Oi, bambina! O que houve? Não temos jantar hoje?

— Não, senhor Pietro. A mamma não está passando bem.

— Algum médico já veio vê-la? Se precisar, vou correndo buscar alguém.

— Espera um pouco, senhor Pietro. Vou abrir a porta e o senhor mesmo poderá ver se ela precisa de um médico ou de um amigo.

Pietro, meio sem graça, tirou seu boné e entrou. A menina levou-o até a cozinha onde uma desolada Thereza derramava lágrimas sobre panelas vazias.

— O que aconteceu, minha amiga Thereza? Por que este desespero?

— Não é nada, não, senhor Pietro. Eu já devia estar acostumada com as minhas agruras. Não se preocupe. Amanhã estarei bem.

Pietro percebeu que as prateleiras da despensa estavam vazias também. Não apenas as panelas sobre o fogão.

— O que poderei fazer para ajudá-la?

— Nada, senhor Pietro, nada. Muito grata por sua preocupação. — E dirigindo-se à sua filha — Neninha, continue na janela para avisar nossos fregueses que hoje não haverá o costumeiro jantar.

Pietro encontrou uma garrafa de vinho. Abriu-o. Serviu duas taças e brindou:

— Ao sucesso de uma nova trattoria, minha amiga!

Thereza, por delicadeza, tomou a taça em suas mãos e tocou-a na dele. Mas não colocou o rutilante líquido na boca. Seu eu não lhe permitia beber. Mas o gesto amigo fê-la ter coragem de falar de coisas que a amarguravam.

— Lembra-se do dia em que um certo senhor esteve aqui a me entregar alguns documentos e eu lhe disse que era uma longa história?

— Creio que já temos uma amizade de longa data, não é mesmo? — Talvez movido pelo vinho que estava a beber, criou coragem para continuar. — Então estou aqui para lhe ouvir e quem sabe poder ajudá-la.

— Ouvir o que tenho para contar, pode. Mas ajudar-me, jamais. São fatos que já aconteceram. Não há força ou vontade humanas que as consigam sanar.

No correr das horas, Thereza passou a contar as suas agruras em busca de Marcelino, o marido que desaparecera e de quem nunca mais se ouvira falar, deixando-a a sós com sua Neninha.

Já se fazia tarde. Era hora de Pietro retirar-se. Mas ainda ousou perguntar.

— Mas amanhã teremos almoço, não é mesmo minha amiga?

— Nada sei sobre o amanhã, amigo Pietro. Nada sei. Alguns fregueses que aqui vêm fazer suas refeições me pagam por mês, sabe. Acontece que não receberam seu soldo e sem dinheiro não consegui reabastecer minha despensa. Restam-me apenas algumas batatas com as quais fiz um pouco de nhoque para minha filha.

Pietro ficou arrasado. Ao despedir-se, ainda conseguiu fazer um arremedo de proposta para ela.

— Sabe, minha amiga Thereza, estou aqui a pensar que ainda poderemos montar uma afamada trattoria nesta rua. Anime-se. Amanhã conversaremos.

Com um formal cumprimento, despediu-se.

Na manhã seguinte, procurou os fornecedores de mantimentos e bebidas. Fez uma substancial compra de produtos. Alugou um carreto e dirigiu-se à casa de Thereza. Foi uma assustada mulher que o recebeu na porta. Nada entendeu quando viu Pietro e o carreteiro a levar para dentro caixas e mais caixas com os mais variados mantimentos, além de garrafas de vinho e de água mineral.

— O que significa tudo isto, senhor Pietro? Pode levar tudo de volta. Não terei como pagar nem o que já devo que dirá mais tudo isto.

— Minha amiga Thereza, faça de conta que somos sócios. Se aceitar minha ajuda, ficarei aqui no caixa para não deixar mais ninguém sair sem pagar. E aqueles que lhe devem, que paguem ou procurem outros trouxas onde possam comer e beber de graça. Estive a me informar e todos estão recebendo em dia seus soldos. Sabe o que eles são? Uns sem-vergonha, uns aproveitadores.

Quando era chegada a hora do almoço, a velha freguesia começou a aparecer. Pietro acomodado à frente de uma mesinha, na entrada, verificava o nome de cada um e só deixava entrar se nada estivessem a dever. Foi um tumulto. Alguns, mais exaltados, não achavam certo. A dona do restaurante sempre fazia fiado.

— Mas doravante, se quiserem comer fiado, procurem outro local. Porque não se encontram mais fornecedores que aceitem o pagamento com atraso de meses. Os senhores conhecem os pratos que aqui são servidos. Não há igual em toda a cidade.

Aos poucos, os mais resistentes encontraram dinheiro em seus bolsos. E no restante do dia o caixa da trattoria já contava com a importância que Thereza necessita para saldar suas dívidas com a fábrica de massas e com os produtores de vinho.

O dia fora exaustivo para o poeta Pietro que não estava acostumado a tanta correria. Cansado sim, mas muito feliz. Ajudou a amiga na cozinha a preparar as refeições e a deixar tudo reluzente para o dia seguinte. Animado, ao ver o sorriso retornar às faces de sua amada, abriu uma garrafa de chianti para fazer um brinde. Desta vez Thereza ousou tomar meia taça.

— Lembra-se, minha amiga, quando lhe falei que precisava reformar este estabelecimento?

— Sim, sim, Pietro, recordo-me bem e do que lhe respondi também.

— Pois o que tenho a lhe propor é uma sociedade. Tenho certeza que uma bela trattoria em outro local estará repleta de fregueses em todos os dias. Sua cozinha já é bem conhecida. Eu me encarregarei de lhe dar a mão, de cuidar das bebidas, de fazer as compras, de pagar os fornecedores. O que acha?

— Eu já lhe disse. Ainda tenho dívidas que o meu marido deixou. Dívidas com as pessoas que por ele ainda estão a procurar. Sabe, depois que as autoridades me disseram nada mais poderem fazer, eu contratei detetives. Um deles foi aquele que o senhor viu meses atrás entregando-me aquele grande envelope com documentos. Como montar uma trattoria nova em outro local?

— Amanhã cedo passarei aqui e vou lhe mostrar o novo local. Tenho certeza que ficará encantada.

Mais uma vez despediu-se formalmente, recolhendo a vontade de rodeá-la com seus braços.

Thereza, é claro, encantou-se com o sobrado em que Pietro instalaria sua trattoria. Ficou pasma quando viu os móveis na sala. Mesas pequenas alternavam-se com outras longas. Armários onde seriam colocados os pratos, os talheres, os copos e taças. Mas o que mais a assombrou foi a cozinha e seu anexo nos fundos. Um grande fogão de lenha com dois fornos e caldeiras de um lado para se manter água sempre aquecida. Um paneleiro com todo o tipo de utensílios que ela jamais imaginara encontrar.

Atrás da cozinha, além do grande forno em que todos os tipos de carnes poderiam ser assados, havia um outro tipo de fogão com apenas uma grande boca onde estava instalado um reluzente tacho de cobre. Ao lado, um fogão menor de uma boca só. Sobre ele descansava um pequeno cilindro de ferro — um torrador de café— devidamente acomodado sobre tijolos fixos. Em um pilão de imbuia maciça, com mais de um metro de altura, os grãos seriam moídos com um socador.

Thereza estava espantada com tantos detalhes. Todos os pratos típicos da culinária italiana e brasileira, que ela já dominava tão bem, ali poderiam ser elaborados.

Passou mais de uma semana a pensar. Medo que fossem à falência. E se Marcelino, repentinamente, aparecesse? O que iria pensar? Que ela se jogara em uma sociedade com um italiano sonhador sem nem saber de onde vinha? Sua filha Petronilla Rosina, a quem com ternura ela chamava de Neninha, já era quase uma mocinha. Continuava a estudar no colégio de freiras francesas que ficava na Avenida Luís Xavier, no centro da cidade. Lá ela passava o dia.

Logo que a menina apareceu em casa, Thereza correu a lhe contar a novidade. Iriam mudar-se para um lugar maior.

— Mas e o papá? O que vai dizer quando chegar?

— Ele certamente vai gostar porque verá que estamos trabalhando em um local mais confortável.

— E aquele homem vai morar lá também junto com a gente?

— Não, minha filha! Ele só passará o dia ajudando em tudo. Afinal, faremos uma sociedade.

— Ah! Está bem.

Rosina não aceitava a entrada de outra pessoa na vida delas. Ainda mais um homem. Passou dias amuada. Mas nada pode fazer quando viu a mudança pronta. Resignou-se. Afinal, só ajudava na hora do jantar.

Poucos dias após o salão de refeições estava cheio de fregueses. De tanto entrar em contato com ferroviários e passageiros que da estação férrea ali acorriam para fazer suas refeições, Pietro, num repente, viu-se transformado em “seo Pedro”. Tantos anos já no Brasil, mas sempre em contato com os italianos, demorou a ser conhecido por seu nome em língua portuguesa.

Havia uma sala vaga ao lado do salão de refeições. Pedro resolveu abrir ali uma mercearia. Adquiria alguns produtos dos colonos de Santa Felicidade, outros mandava vir de São Paulo e até vinhos e azeite importava da Itália.

(continua)

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