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Bolsonaro, Lula e a terceira via

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Uma análise da eleição presidencial a 12 dias do pleito

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Menos de duas semanas nos separam do primeiro turno da eleição que irá definir o novo presidente da República. Entretanto, a se levar em conta o que nos dizem o resultado das últimas pesquisas eleitorais, o cenário já parece razoavelmente definido: Lula com chances de vencer a disputa ainda no primeiro turno, Bolsonaro estacionado na segunda posição e a “terceira via” (representada por Ciro Gomes e Simone Tebet) morrendo a cada dia que passa. Refletir brevemente sobre como chegamos a essa imagem é o objetivo do texto de hoje.

Comecemos pelo atual mandatário da nação, o presidente Jair Messias Bolsonaro (PL). Aqui, proponho que voltemos rapidamente no tempo, mais especificamente, a conjuntura do ano de 2018, quando ele se elegeu. Naquelas circunstâncias, o Brasil vivia o auge do sentimento antipetista e antipolítica, desencadeados sobremaneira, por alguns acontecimentos notórios, tais como as jornadas de junho de 2013, a operação Lava Jato, o impeachment da presidente Dilma Rousseff, e claro, a prisão do candidato que liderava as pesquisas no último pleito, Luiz Inácio Lula da Silva. A política vivenciava um profundo descrédito pela maioria da população e o Partido dos Trabalhadores (PT) parecia ser a própria corrupção encarnada.

Foi este contexto que deu visibilidade e possibilitou a ascensão de Bolsonaro, um deputado federal do baixo clero (conhecido até então por participações esporádicas em programas de TV de segunda categoria e por barracos/polêmicas protagonizados com outros parlamentares), ao posto de principal postulante ao Palácio do Planalto. Embora em 2018 contasse com praticamente 28 anos de carreira política, ele foi o único que soube trazer para si a imagem de outsider da “nova política”, ou seja, alguém vindo de fora, antissistema, que devolveria a credibilidade a este mesmo sistema “falido” e “deteriorado”. Tendo por base de campanha a pauta primordial daquele momento, a saber, o combate à corrupção e uma pauta moralista e conservadora no campo dos costumes, ele não tardou a conquistar eleitores nos mais diferentes extratos da sociedade, que viram nele um “princípio de mudança”. Contribuíram ainda para o seu crescimento, o episódio da facada ocorrido na cidade de Juiz de Fora em setembro daquele ano, que o ajudou a consagrar a imagem de “herói da nação”, e o erro do PT em seguir com a candidatura do inexpressivo Fernando Haddad, visto naquela época como marionete do então candidato preso, Lula. Assim, no dia 28 de outubro de 2018, Jair Messias Bolsonaro sagrou-se presidente da República com 55% dos votos.

Ocorre que a presidência da República caracterizou uma nova página da história. Ali, Bolsonaro demonstrou aquilo que verdadeiramente era: um ouro de tolo. Evidenciando uma incompetência poucas vezes vista, as únicas mudanças que ele conseguiu operar de fato se deram no sentido negativo. O Brasil, que já vinha mal das pernas, ficou pior.

Cito alguns exemplos: no campo do meio ambiente, desmonte de órgãos de proteção ambiental e números recordes em queimadas, desmatamento e outros crimes ambientais. Na ciência e tecnologia, o menor investimento dos últimos 12 anos. Na educação, o menor investimento da década. Na saúde, negacionismo científico e descaso numa pandemia que ceifou mais de 700 mil vidas, e, mais recentemente, corte de 29% de verbas e redução de gastos com vacina. Na esfera do social, retorno do país ao mapa da fome das Nações Unidas e aumento dos níveis de pobreza. Nas relações internacionais, motivo de chacota.

Mesmo o combate à corrupção, sua grande bandeira eleitoral de 2018, mostrou-se um fracasso, para dizer o mínimo. Com efeito, seu governo foi marcado por muitos casos suspeitos. Como esquecer, por exemplo, o escândalo dos pastores do Ministério da Educação (MEC), o caso das vacinas Covaxin durante a pandemia, o vínculo do ex-ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, com madeireiros ilegais, a aliança com o centrão e o orçamento secreto, ou a história ainda muito mal explicada da compra de 51 imóveis com dinheiro vivo? Isso sem contar o aparelhamento das instituições que deveriam ter por fim investigar tais casos, como a Procuradoria Geral da República (PGR) e a Polícia Federal (PF).

Evidentemente, mais cedo ou mais tarde a conta haveria de chegar para Bolsonaro, que hoje se mostra num “teto” de eleitores que, de acordo com as pesquisas recentes, não consegue ir muito além da casa dos 30%, e numa rejeição que ultrapassa os 50%. A fim de tentar mudar esses números, restou a Bolsonaro apelar num primeiro momento ao despejo de dinheiro público sob a forma de benefícios sociais, numa manobra que até agora não surtiu grandes efeitos. Ante o desespero de perder, elevou o radicalismo e passou a recorrer a argumentos religiosos, falácias anticomunistas, falas golpistas e questões de costumes, bem como a eventos de “demonstração de força”, como as tradicionais “motociatas”. Esquece-se o presidente, no entanto, que nestes casos, está a conversar apenas com os eleitores que já possui e que o Brasil é muito maior que o seu cercadinho do Alvorada.

É justamente nos “vácuos” e “erros” deixados por Bolsonaro no seio do Estado que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se sobressai e ganha vantagem. Tendo encerrado seu mandato em 2010 com 83% de aprovação, o petista tem um currículo com bons índices precisamente nos pontos em que Bolsonaro se sai mal, com destaque para a economia e questões relativas ao poder de consumo das classes mais baixas. Ele e sua campanha sabem disso, e procuram trabalhar com o resgate do sentimento de nostalgia do bem-estar social que vigorou entre os anos de 2003 e 2010. Pode parecer banal, mas a promessa de “picanha na mesa e cerveja gelada todo domingo” tem uma força significativa, sobretudo numa conjuntura em que a maior parte do povo ou não tem o mínimo para se alimentar ou viu seu carrinho no supermercado ficar consideravelmente vazio. Daí a sua posição primeira nas pesquisas dos mais diversos institutos.

As questões relativas a seu possível envolvimento com casos de corrupção também já lhe atingem consideravelmente menos se comparado a anos anteriores. Em primeiro lugar, porque o tema “corrupção” deixou de ser a pauta central destas eleições, sendo substituída, como vimos, pela pauta econômica. Em segundo lugar, porque a operação Lava Jato, responsável pela maioria das acusações contra o ex-presidente, mostrou-se, ela mesma, corrupta. É o que deixa entrever as mensagens reveladas pela chamada vaza-jato, trazidas à baila no ano de 2019 pelo hacker Walter Delgatti Neto e publicadas com exclusividade pelo portal de notícias The Intercept Brasil. Tais mensagens, trocadas entre o ex-procurador Deltan Dallagnol e o ex-juiz Sérgio Moro, demonstravam uma óbvia parcialidade na operação, corroborando com aquilo que já apontava a defesa de Lula: a de que tudo não passou de um malabarismo jurídico com vistas a impedir o retorno de Lula ao jogo eleitoral. Mais tarde, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a incompetência da 13º Vara de Curitiba para julgar o petista, assim como a parcialidade de Sérgio Moro, anulando suas condenações na Lava Jato e restituindo-lhe os direitos políticos, permitindo sua volta como presidenciável ao pleito deste ano.

No que concerne a chamada “terceira via”, da qual tomo como representantes as figuras de Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB), ela já nasceu fadada a não despontar. Isso se deve em grande medida, a dificuldade de criar uma identidade e se comunicar com diferentes extratos da população. Diferentemente de Lula e Bolsonaro, que são lideranças carismáticas das quais todo mundo, em maior ou menor medida, conhece as principais causas e bandeiras, Ciro e Tebet ficam ainda muito restritos aos grupos a que pertencem, não vendo as suas propostas irem para muito longe dali. Por sua vez, os ataques direcionados aos dois líderes da corrida eleitoral, tentando criar uma falsa equivalência entre um e outro, também não os favorece, afinal, longe de cooptar eleitores de ambos os grupos, a única coisa que conseguem, é atrair sua rejeição.

Dessa forma, chegamos aquele cenário descrito no início do texto. A menos que algum fato muito extraordinário venha a alterar o curso dos acontecimentos (e a política sempre é gerida por uma boa dose de acaso), é este o retrato que deve ser tirado no dia 2 de outubro, numa eleição que tem tudo para ser uma das mais importantes desde a redemocratização.

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