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As filosofias de Mary Wollstonecraft, Olympe de Gouges e Nísia Floresta

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Rousseau e outros pensadores argumentaram no sentido de uma diferença natural entre os sexos

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Leandro Rocha*

Izadora Andrade**

Do período do Iluminismo, se tornou clássica a proposta kantiana de “ousar saber”. Contudo, historicamente, nem sempre esse “ousar saber” foi valorizado tanto em homens quanto em mulheres do mesmo modo. Mesmo alertados pela consideração cartesiana de que a mente não teria sexo, a proposta das ideias tratadas por elas mesmas, independente do gênero de quem ousou saber, encontrou resistência ao longo dos séculos mesmo por autores esclarecidos.

Rousseau e outros pensadores argumentaram no sentido de uma diferença natural entre os sexos que explicaria uma diferença no tratamento para com as mulheres, em se tratando de educação e de papéis sociais aceitáveis. Nesse sentido, esses autores escreveram textos sobre a educação das mulheres as vendo não como seres de igual potencial racional, e sim como fêmeas.

Críticas dessas abordagens, Mary Wollstonecraft (1759 – 1797), Olympe De Gouges (1748 – 1793) e Nísia Floresta (1810 – 1885) se inserem na História da Filosofia Moderna como mulheres filósofas que ousaram saber, mesmo com um alto grau de adversidades históricas e sociais desfavoráveis para as mulheres.

Para abordarmos a filosofia de Wollstonecraft, de Olympe De Gouges e de Nísia Floresta, propomos no presente texto uma reflexão pautada no problema que pode assim ser expresso: de que modos essas filósofas se posicionaram diante das diferenças sociais que as mulheres enfrentavam por serem mulheres? Quais seriam os caminhos possíveis para a superação da configuração social de submissão das mulheres aos homens?

A posição de Wollstonecraft é a de que, apesar de haverem diferenças biológicas entre o homem e a mulher, tais diferenças não implicam uma inferioridade intelectual da mulher para com o homem, nem uma redução da mulher ao espaço doméstico enquanto ao homem se reservaria o espaço público, bem como, não justificaria uma alteração no modo e conteúdo da educação de ambos.

Nesse sentido, para Wollstonecraft, uma igual participação na esfera pública, na política, bem como uma educação igualitária entre o homem e a mulher, pública, nacional, o que não havia naquele contexto, tenderia a ser benéfico não apenas para as mulheres, mas para a sociedade em geral. A educação igualitária seria o caminho a partir do qual se poderia promover o uso da razão, desenvolvendo também as capacidades físicas, bem como, auxiliar na liberdade da mulher com relação à sua redução à esfera doméstica.

Wollstonecraft entende que, apesar de as mulheres não serem frágeis, elas se tornam frágeis, por meio de uma educação para a sujeição, para com isso agradarem aos homens e se condicionarem ao casamento, que seria o modo de ascensão social possível às mulheres da época. Segundo a pensadora, se as mulheres do seu tempo se apresentam em algum contexto como inferiores intelectualmente, tal ocorre pela ausência de uma educação igualitária e por situações sociais, culturais, não por natureza ou incapacidade. Para a filosofa, que é crítica inclusive das mulheres de seu tempo, as mulheres podem vir a agir como cúmplices da própria sujeição, internalizando o modo de sujeição que se espera delas e, ainda, promovendo em suas filhas e em outras mulheres essa mesma educação para a sujeição, visando o casamento.

Wollstonecraft, assim, sugere uma mudança educacional, para que possa haver a emancipação da mulher e, após isso, o exercício pleno da cidadania. Para a filósofa, a condição de sujeição das mulheres de seu tempo inviabilizava o exercício da cidadania, que implicaria liberdade. E essa sujeição precisava ser resolvida, por meio da educação, antes do que o problema da participação igualitária na esfera pública. Em tal estado, do exercício da cidadania, para a filósofa, às mulheres deveria ser reservado o direito de deliberar inclusive sobre aquilo que é próprio das mulheres, como a maternidade.

Como pode ser percebido, para Wollstonecraft não se trata apenas de uma readequação do papel da mulher na estrutura social vigente, e sim, de uma revolução na sociedade. Com a alteração da educação das mulheres, com a sua emancipação, a alteração se daria não somente no papel da mulher, mas, também, no papel dos homens em meio a esse projeto, convivendo com as mulheres como iguais e respeitando as diferenças, sem a perspectiva da submissão.

Em uma perspectiva similar a alguns dos pontos levantados por Wollstonecraft, Olympe De Gouges denuncia que a igualdade defendida na Revolução Francesa era uma igualdade que se restringia aos homens. Nesse sentido, para De Gouges, a Revolução careceria incluir todas as pessoas, independente de sexo ou raça. Ou, ainda, trata-se de um repensar a esfera pública mas, também, a esfera privada, repensando ideias como a de nação, a de justiça, a de sexualidade, a de moralidade, a de família, para que seja possível às mulheres também usufruírem da Revolução.

Nesse sentido, dois anos após a redação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão por parte da Assembleia Nacional Constituinte Francesa, De Douges escreveu a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, no qual evidencia que a primeira não era universal e nem abordava as temáticas necessárias para a inclusão das mulheres. A inclusão das mulheres em igualdade com os homens é necessária para que o bem possa vir a ser um bem comum, para que seja de todos e com todos igualmente.

Se, para a primeira Declaração, o princípio da soberania seria a nação, para a Declaração de De Gouges, há o acréscimo de que a nação é a reunião entre homem e mulher, bem como, que a relação entre os sexos e a questão familiar, o casamento, não se resume a questões da esfera privada, não é uma questão pré-política. Já é política.

Para De Gouges, em outras espécies animais não há a submissão da fêmea ao macho. A partir disso, a filósofa sugere que na sociedade, a submissão das mulheres aos homens seria artificial, fruto de uma estrutura cultural, as mulheres perderam os seus direitos naturais quando passaram a viver em sociedade. Sendo uma condição artificial, pode ser mudada, ou seja, os direitos das mulheres podem ser restaurados, como condição de liberdade.

A mudança que precisaria ocorrer, ou, ainda, a revolução dentro da Revolução apenas poderia se dar quando as mulheres reconhecessem que a condição na qual se encontram é artificial e lamentável e, então, lutassem pelo retorno de seus direitos. Não há como ter igualdade enquanto as mulheres forem desprezadas da vida pública, excluídas da educação formal e dependentes dos homens.

Assim como Wollstonecraft, De Gouges vê ao seu redor e denuncia as mulheres de seu tempo quando cúmplices dos homens no processo de sujeição das mulheres. As mulheres que, por vezes, se fazem valer de artifícios como da juventude e da beleza para terem melhores condições na sociedade, sem, no entanto, conseguirem alcançar a liberdade. Convida, então, as mulheres a acordarem! Ou, poderia ser dito, a ousarem saber!

Já para Nísia Floresta, filósofa brasileira, o debate se coloca em termos de adequar a educação para as mulheres, uma educação diferente da educação para a frivolidade que a mulher de sua época tinha. Para Nísia Floresta, seria uma educação que auxiliasse em uma retomada moral e levando em consideração as especificidades sociais.

Para mulheres que tivessem condições, propõe, um modelo educacional a formar “matronas esclarecidas”, preparadas para o lar, seja em questões de administração doméstica, seja apoiando moralmente o marido ou, ainda, educando os filhos, para juntos construírem uma civilização ética e boa para todos. 

Esse aspecto do pensamento da filósofa, da mulher como esposa, mãe e filha, talvez possa ser melhor compreendido tendo-se em vista o patriotismo da filósofa (esse patriotismo genuíno ou aparente, a depender do intérprete) e a tentativa de promover por meio da família uma construção da potencialização do Brasil, que a pensadora considerava em ascensão, quando comparado com a Europa, que ela considerava decadente.

A pensadora chega a tecer uma crítica à França no sentido de que o progresso não necessariamente potencializa somente as coisas boas de uma nação, mas, também, as mazelas. Nesse sentido, ela via a educação como uma alternativa para corrigir esse rumo, para uma civilização ética. A educação, em Nísia Floresta, seria prioritariamente feita em casa, e abordaria tanto uma perspectiva moral quanto humanista.

Em “Nísia Floresta, uma brasileira desconhecida”, Margutti chama a atenção para uma possível dualidade no pensamento de Nísia Floresta, pautada entre o conservadorismo e o liberalismo, um movimento paradoxal na autora em que ambas as direções são desenvolvidas em momentos de sua obra. Ao propor o desenvolvimento de perspectivas morais na educação, haveria um caráter conservador. Ao propor uma perspectiva humanista, um caráter liberal. Ainda para Margutti, o próprio catolicismo de Nísia Floresta não seria tão ortodoxo quanto alguns intérpretes sugerem, havendo críticas da filósofa a questões como o celibato dos padres, a confissão, o luxo da Igreja, entre outros.

Nísia Floresta leva em consideração possibilidades não ideais que impeliriam a mulher a não ficar restrita a trabalhos meramente domésticos, como, por exemplo, se a família é pobre e precisa trabalhar fora, em caso de separação, de viuvez, ou, ainda, de comunidades indígenas.

Enquanto Wollstonecraft e De Gouges pensaram em uma revolução pautada na educação de modo laico, Nísia Floresta apoia o seu projeto de emancipação feminina a partir de uma aposta na educação com uma perspectiva religiosa, visando uma prosperidade ética. Para além disso e ressalvadas as demais diferenças entre as três filósofas, pode-se destacar dentre as linhas possíveis do que as aproximam o ousar saber, colocando em prática o lema iluminista, com as consequências sociais de tal escolha, bem como, a aposta na educação e na inserção na vida pública como meio de buscar a emancipação da mulher.

Diferente do que sugeriu Rousseau, para Wollstonecraft em “Reivindicação dos Direitos da Mulher”, mas, poderia ser dito também de Olympe De Gouges e de Nísia Floresta, as mulheres, ao rejeitarem a educação para a sujeição e ao buscarem a educação para a liberdade não estariam com isso a buscar um poder sobre os homens, e sim a buscar o poder sobre elas mesmas, sobre os seus próprios corpos, sobre os seus direitos, caminhando em direção à emancipação, à igualdade e à liberdade. E esse é o espírito e a pretensão dessa coluna, auxiliar os leitores e as leitoras a ousarem saber!

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