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A natureza da arte e o papel do contexto institucional

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O que torna uma obra de arte uma obra de arte?

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Na última semana, veio à tona um incidente peculiar ocorrido na renomada Pinakothek der Moderne, em Munique, no sul da Alemanha. A Pinakothek der Moderne é reconhecida como uma das principais galerias de arte moderna na Europa, abrigando uma vasta coleção de obras que abrangem desde Picasso até Dalí. Um funcionário, que desempenhava funções técnicas na galeria, foi demitido após ter pendurado sua própria pintura em uma das paredes da instituição, sem autorização prévia. O episódio levanta questões sobre a definição da arte e o papel das instituições artísticas na validação do valor artístico.

O indivíduo, de 51 anos, teve acesso à galeria fora do horário de funcionamento e aproveitou a oportunidade para exibir sua obra de 60cm por 120cm em uma parte dedicada à arte moderna e contemporânea, onde são exibidos trabalhos de artistas renomados como Andy Warhol. Segundo relatos, a pintura permaneceu exposta por aproximadamente oito horas antes de ser removida.

Esse incidente nos faz refletir sobre as complexidades da definição de arte. O funcionário demitido se via não apenas como um membro da equipe técnica, mas também como um artista em seu próprio direito. Sua ação, embora tenha resultado em consequências negativas para sua carreira na instituição, destaca a questão levantada pelo filósofo da arte Arthur Danto: o que torna uma obra de arte uma obra de arte?

Danto argumenta que a arte contemporânea transcende as características estéticas tradicionais e depende fortemente do contexto em que é apresentada. Para Danto, a arte não é apenas uma questão de habilidade técnica ou beleza visual, mas também é influenciada pelo ambiente institucional em que é exibida. Nesse sentido, a situação protagonizada pelo funcionário do museu poderia ser interpretada como uma tentativa de legitimação de sua obra sendo exibida no ambiente institucionalizado da arte, ou, ainda, um questionar sobre quem tem autoridade para definir o que é arte dentro do contexto da galeria.

A demissão do funcionário e a remoção de sua obra também refletem a aplicação da teoria de Danto na prática. Ao agir rapidamente para retirar a pintura da galeria e rescindir o contrato do funcionário, a Pinakothek der Moderne reafirmou seu papel como instituição legitimadora da arte. A rejeição da obra do funcionário sugere que, mesmo que uma peça possa ser criativa e expressiva, sua validade como arte dentro do contexto da galeria depende da aceitação e reconhecimento por parte da instituição e da comunidade artística mais ampla.

Assim, a instituição busca manter padrões de excelência e integridade artística, reforçando a ideia de que o reconhecimento como artista requer mais do que apenas a produção de uma obra, requer a sua inserção em um contexto artístico reconhecido, e essa inserção não é apenas física, como fez o funcionário, é também ritualística. Carece que alguém em postos chave reconheça a produção como digna de ser chamada de arte.

Outro filósofo da arte que poderia nos ajudar a pensar sobre o caso é Jacques Rancière. Rancière é conhecido por suas ideias sobre a política estética e a democratização da arte. Ele argumenta que a arte não deve ser monopolizada por elites culturais ou instituições, mas sim que ela tem o poder de desafiar as hierarquias sociais e criar novas formas de sensibilidade e percepção.

Nesse contexto, o incidente pode destacar a capacidade do indivíduo comum de se envolver no processo artístico e desafiar as normas estabelecidas. Assim, a ação do funcionário do museu pode ser entendida como um exemplo de como a arte pode ser uma forma de resistência e subversão, desafiando a autoridade das instituições e questionando quem tem o direito de definir o que é arte.

Além disso, pode-se aproveitar a oportunidade para destacar a importância de reconhecer e valorizar as vozes e perspectivas marginalizadas na cena artística. Nesse sentido, pode-se inclusive questionar se a demissão do funcionário e a exclusão de sua obra da galeria seriam exemplos de uma elite cultural reafirmando seu controle sobre o campo da arte, ou se são medidas necessárias para preservar a integridade e o prestígio da instituição.

Em última análise, o incidente na Pinakothek der Moderne nos leva a refletir as fronteiras entre arte e não arte, bem como o papel das instituições na definição e validação do valor artístico. É um lembrete oportuno de que a arte contemporânea continua a desafiar nossas noções preconcebidas e a nos instigar a questionar o que consideramos arte em um mundo em constante mudança e evolução.

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