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A epopeia de Nonna Thereza

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Conto concorre a prêmio da Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil/Santa Catarina

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Era uma linda mulher. Cabelos loiros. Olhos azuis e olhar penetrante. Acordava na madrugada, aos primeiros silvos das locomotivas que começavam a se movimentar na estação de trem que ficava do outro lado da rua em que vivia naquela Curitiba de final de século XIX e princípio do século XX.

O pão quentinho e o café deveriam estar prontos logo que os comboios deixassem a gare. Os ferroviários, logo após terem encaminhado todas as composições de vagões, lá estariam para a sua refeição primeira.

De Verona, Thereza Caillotto, veio para a América, jovem ainda, com seu primeiro amor. Perdeu seu filho, que completara 3 anos, em pleno oceano. O navio a vapor em que viajavam, rumo a Montevideo, enfrentou uma das mais fabulosas tempestades de que se tem notícia. Seu lindo menino foi jogado, pela fúria das águas, para o fundo do mar.

Por mais duras provações teve que passar. Os dois filhos que nasceram na capital uruguaia foram também arrancados de seus braços. Um bebê de seis meses a febre tifoide levou. Outro, com dois aninhos, brincava a seu lado, enquanto lavava roupa, perto de um riacho. Mais um que as águas levaram.

Com a alma em frangalhos decidiram mudar-se para Curitiba, onde já vivia uma de suas irmãs. Algum tempo depois ela deu à luz uma menininha. Parecia ter agora luz em sua vida. Transformada em tristes sombras no dia em que seu marido desapareceu no cais de Antonina, onde trabalhava.

Precisava lutar, trabalhar, pois a vida continuava. O “Fanfula”, jornal que circulava pelas colônias italianas no Brasil, publicou uma nota das Indústrias Matarazzo. Anunciava a necessidade de adquirir imensa quantidade de ovos para a sua fábrica de massas, em São Paulo. Percorreu os arredores de Curitiba e foi juntando centenas de dúzias de ovos fresquinhos. Acondicionou-os em cal virgem e água, dentro de grandes latas.

Quando considerou que o volume armazenado compensaria sua grande viagem para a capital paulista, para lá se deslocou. Desceu, em trem, até Paranaguá onde tomou um barco a vapor com destino ao porto de Santos.

A embarcação sofreu uma avaria irreparável em alto mar. Ficou semanas à deriva, a espera de um barco que os socorresse. A preciosa carga de Thereza, acomodada no porão do navio, não resistiu ao tempo e ao calor de dezembro. Ao chegar ao seu destino todos os ovos estavam podres.

Sem dinheiro para retornar a Curitiba permaneceu por quase um ano, trabalhando, como cozinheira, para a família Matarazzo. Outro recomeço de lutas. Enquanto trabalhava como cozinheira, em um restaurante, tentando, de todas as formas sobreviver com sua Neninha, conheceu Pedro Gobbi, um intelectual italiano, remanescente da Colônia Cecília. Com ele uma nova vida encetou. Montaram uma trattoria, ao lado da estação ferroviária. Felizes viviam com seus negócios e a chegada de mais um filho. Mas as penduradas contas da freguesia aumentavam tanto quanto as que deveriam, em dia, pagar aos fornecedores. Até que as finanças estouraram.

Em um belo dia do início do século passado a família embarcou em um vagão-cozinha que fazia parte do comboio, carregado de operários e engenheiros encarregados da construção da Estrada de Ferro, que depois se estendeu até Porto União da Vitória. Pelo esmero e conhecimento de uma excelente culinária, Thereza foi convidada a participar da aventura de se adentrar pela mata, em sentido sul.

Thereza aceitou o convite que era o de cozinhar para a equipe da construção. Acompanhou a epopeia da colocação dos trilhos e dos dormentes e o levantamento das primeiras estações de trem desde Curitiba até Canoinhas.

O “Cavalo de Ferro” chegou ao local onde foi erguida a então Estação Ferroviária de Canoinhas, hoje Marcílio Dias. Thereza foi convidada para assumir o futuro restaurante. Início árduo. Trabalho pesado e intenso. Com pedras e barro, com as próprias mãos construíram um forno a lenha, para assar seus pães, cuques e bolos.

Um dia, seu filho Pedrinho presenciou uma grande tragédia. Um ferroviário ficou com as pernas esmagadas, ao cair sob as rodas de um trem, em movimento. Thereza, de lençóis fez uma maca. Colocaram-no em um cargueiro a fim de ser levado a Curitiba. Foi o impulso para começar a luta, ao lado de Pedrinho. A luta para construir um hospital. O tesoureiro da campanha resolveu guardar o montante arrecadado em sua casa. Dinheiro que acabou por perder o valor. Ela até pensou em desistir da empreitada.

Mas Pedrinho, aos 28 anos, morreu. Parece que mais forças esta nova provação lhe deu. Empenhou-se, profundamente, nesta empreitada. Promoveu rifas e quermesses. Vendeu as joias de família que trouxera da Itália. Mesmo após a inauguração do Hospital Santa Cruz de Canoinhas ela continuou a ajudar em sua manutenção. Até o dia em que deu seu último suspiro.

Thereza Caellotto Gobbi, a força de uma mulher que, como Anita Garibaldi, também viveu à frente de seu tempo!



*Este conto concorre a prêmio da Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil/Santa Catarina. A premiação ocorre em 28 de agosto



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