Políticas públicas de educação foram sempre deixadas em segundo plano
Dr. Leandro Rocha*
É conhecida a referência da palavra “escola” ao termo grego “scholé”, que remete à noção de “lugar do ócio”. Para iniciar esse rápido texto, menciono também outra referência da origem de nossos termos. A palavra “ócio”, em latim, é “otium”. A negação de otium é o negotium, ou seja, o negócio.
Com essa provocação inicial em mente e trazendo o debate para o nosso contexto, temos o cenário de que alguns possuem condições de frequentar a escola. Já outros, precisam se dedicar ao trabalho, aos negócios desde cedo.
A educação no Brasil por séculos foi um assunto sem muita urgência nas prioridades governamentais. A educação em nosso país surgiu com a catequização por parte dos jesuítas, onde o foco era uma perspectiva ideológica e não propriamente a produção do conhecimento. Muitos se lembram da imagem que vimos exaustivamente nos livros didáticos na infância, reprodução de uma pintura de 1860, da primeira missa no Brasil, um padre jesuíta, uma grande cruz e o seu público composto pelos brasileiros “raiz”, pelos índios, na época do Brasil Colonial.
Por séculos, quem tinha dinheiro no Brasil mandava seus filhos desde cedo para estudar em Portugal. Uma viagem difícil, durando em torno de 6 meses a travessia do mar, sem telefone ou nada do tipo, dependendo de carta, os pais levavam ao menos um ano para saberem se a criança chegou bem em Portugal. Viviam distante por anos pais e filhos. Mas valia o sacrifício, para ter uma educação de qualidade para as crianças, uma educação em várias áreas do conhecimento.
Resolvido o problema de uma educação de qualidade para quem podia pagar por ela, não havia a urgência em se pensar uma educação de qualidade para os trabalhadores, para quem passaria a vida toda apenas a cumprir ordens. Nesse sentido, políticas públicas de educação foram sempre deixadas em segundo plano.
Após o período da revolução causada pelas tecnologias, houve um movimento considerável de saída de trabalhadores das fábricas, automatizadas, em busca de outros tipos de serviços para se ocuparem e, com isso, conseguirem o sustento. Nesse movimento, os trabalhadores tiveram um verniz de qualificação, uma especialidade para poderem desempenhar funções fragmentadas no processo. Para funções fragmentadas, uma formação fragmentada. Não havia a necessidade de uma formação integral do ser humano, precisava treinar o trabalhador para apertar um tipo específico de parafuso e, com isso, lhe dar um certificado de apertador de parafuso. E aí entraram os treinamentos e cursos para além do ensino escolar.
Para se ter uma ideia do atraso de termos a educação como prioridade, a própria universalização do ensino médio, ou seja, a concepção de que o ensino médio é um direito de todos, só veio com uma lei de 2009.
Diante de exames internacionais, em se tratando da tentativa de quantificar a qualidade de ensino, com esse histórico de abandono na educação, concorrendo com os países nos quais a educação é uma prioridade a séculos, o Brasil não foi tão bem quanto poderia ser confortável pensar que era. E mudanças vieram.
Temos agora uma alteração na educação do ensino, que abrange as crianças e adolescentes até o ensino médio, e que já começa a ser implementada. Trata-se da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Cada região e escola vai adaptar as linhas gerais do projeto nacional. Algumas das alterações perpassam por não se ter uma formação integral do aluno, apesar das palavras bonitas que o papel no qual se escreveu o texto do BNCC passivamente aceitou.
Os alunos escolherão áreas nas quais se especializar dentre 5 opções. I – linguagens e suas tecnologias; II – matemática e suas tecnologias; III – ciências da natureza e suas tecnologias; IV – ciências humanas e sociais aplicadas; e, V – formação técnica e profissional. Algumas escolas e mesmo algumas cidades não terão condições de oferecerem as 5 opções. De qualquer modo, o aluno escolhendo ou não, sua formação será fragmentada. Não seria uma especialização suficiente pra lhe dar um certificado de qualificação para o trabalho. Mas não seria mais a formação de todas as áreas que temos hoje no ensino até o fim do ensino médio. Não seria muito cedo para se escolher os rumos nos quais se especializar e, com isso, perder a oportunidade de uma formação mais completa também nas outras áreas por mais alguns anos?
As adaptações de implementações estão sendo gestadas nesse momento em muitas das escolas, na escola de seus filhos. Nesse momento está em debate quais das cinco áreas serão oferecidas como opções na escola do bairro, o que fazer com as demais disciplinas, demais professores, demais conhecimentos e debates, qual a carga horária mínima que todos terão de outras disciplinas além de português, matemática e da área específica, enfim, o desenho da adaptação está sendo feito de modo regional e local.
Como a educação pública no Brasil te parece? Ao longo dos anos, os professores têm feito um esforço para além do que seria de se esperar de um docente. A educação sofrendo ataques constantes, críticas diárias. Virou “lugar comum” reclamar da qualidade da educação. Mas o que cada um de nós tem feito sobre isso? Esse é um momento importante de participação nos rumos da educação que será desdobrada já a partir de janeiro. Ao invés de mandar os filhos pra Portugal, ou, hoje, para colégios particulares (que também estão submetidos às alterações do BNCC), pode ser uma boa ideia colocarmos, enfim, a educação pública como prioridade, seja de nossos debates, seja de nosso tempo. Talvez não seja uma boa estratégia civilizatória fragmentar a educação e especializar o nosso povo a apertar parafuso desde criança.
*Dr. Leandro Rocha é professor na Universidade Estadual do Maranhão