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A ditadura é logo ali

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Bolsonaro avalia a possibilidade de aumentar o número de ministros do principal tribunal do país

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Os cidadãos muitas vezes demoram a compreender que sua democracia está sendo desmantelada – mesmo que isso esteja acontecendo bem debaixo do seu nariz.”

-Steven Levitsky

Com o fim do primeiro turno das eleições gerais de 2022, ocorrido no dia 2 de outubro, pudemos constatar que se Jair Bolsonaro não possui o número suficiente de eleitores para reconduzi-lo novamente a presidência da República, possui ainda, um apoio massivo e consolidado no espaço da sociedade, o que foi suficiente para eleger representantes em outras instâncias, como Câmara Federal e Senado. Assim sendo, numa eventual reeleição, o atual mandatário da nação passará a contar com ampla maioria de deputados e senadores nas duas principais casas de leis. Foi no esteio dessa constatação, que dias depois do fim do primeiro turno, passou a circular a luz do dia, projetos no mínimo sombrios do presidente e seus aliados, relacionados ao poder judiciário, como impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e aumento de cadeiras deste mesmo Supremo.

Utilizo o termo sombrio porque, com efeito, o intuito de se alterar a Suprema Corte e seu número de ministros constitui um dos primeiros passos na consolidação de um Estado autoritário e de vieses autocráticos, já que neutraliza e estanca a função de contrapeso do judiciário em relação aos outros dois poderes, a saber, executivo e legislativo. Em outras palavras: com um grupo de juízes amigos e subservientes em maior quantidade naquele espaço que tem por ofício zelar a Constituição do país, o presidente consegue tanto se proteger de investigações que porventura venham a lhe atingir, quanto dar cabo de seus projetos arbitrários e controversos. Uma tal manobra desestabiliza o cenário democrático, haja visto que retira o equilíbrio entre os poderes e adultera/esvazia a carta magna do país.

Exemplos do retrocesso que uma tal prática representa não nos faltam na história passada e recente. Aumentar o número de cadeiras do STF e cassar ministros, por exemplo, foi uma das medidas centrais dos governos da ditadura civil-militar que assolou o Brasil de 1964 a 1985. Dessa forma, já no ano de 1965, durante o governo do marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, o ato institucional nº 2 elevou o número de ministros da Suprema Corte de 11 para 16, dando suporte para que os generais conseguissem maioria favorável as suas ações. Em 1968, por sua vez, com a publicação do ato institucional nº5 no governo do presidente Costa e Silva, outros três ministros tidos como “opositores” e “rebeldes” tiveram seus mandatos cassados, abrindo margem para um Estado cada vez mais repressivo.

Mais recentemente, outras nações também procederam do mesmo modo, tal como El Salvador, pequeno país da América Central, que em 2021, por meio da Assembleia Legislativa, destituiu cinco magistrados da chamada Sala Constitucional (órgão responsável por analisar se decretos e projetos de lei estão em conformidade com a constituição local), colocando em seus lugares, magistrados simpáticos ao presidente de direita, Nayib Bukele. Seguindo igual roteiro, o governo de Viktor Orbán, na Hungria, e o de Andrzej Duda, na Polônia, ambos ultradireitistas, arrumaram brechas a fim de enquadrar o poder judiciário dentro de seus respectivos projetos de poder. Na América Latina, o grande símbolo de tal medida é a Venezuela, que em 2004, no governo de Hugo Chávez, através da Assembleia Nacional do país, aumentou o número de ministros do Tribunal Supremo de Justiça de 20 para 32, nomeando para as novas vagas juízes alinhados a Chávez. Apesar das evidentes distinções ideológicas que se fazem notar entre os líderes destes países, o objetivo que perpassa todos eles no tocante as alterações nos tribunais superiores é rigorosamente o mesmo: perpetuação no poder, aparelhamento do Estado e encaminhamento de decretos e leis que naturalmente não seriam possíveis dentro de um ordenamento democrático sério.

Com o pretexto de que há um “ativismo judicial” em curso dentro da Suprema Corte a fim de prejudicar a si, seu trabalho e seus aliados, o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), seguindo a mesma cartilha ditatorial dos países supracitados, avaliou a possibilidade de aumentar o número de ministros do principal tribunal do país de 11 para 15 num eventual segundo mandato, o que lhe daria maioria absoluta dentro da Corte. Em entrevista a Globonews, dois de seus aliados no Congresso Nacional, a saber, o líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP) e o atual vice-presidente e senador pelo Rio Grande do Sul a partir do ano que vem, Hamilton Mourão (Republicanos), também corroboraram e defenderam tal ingerência. Contudo, após o assunto repercutir negativamente na imprensa e nas redes sociais, Bolsonaro voltou atrás, desdizendo-se a si mesmo e “garantindo” que não mais mexerá nas cadeiras do STF. No entanto, nada nos assegura de que esta garantia será realmente cumprida, muito pelo contrário.

Estando ele e sua família enroscados aqui e ali em diversos processos que tramitam no tribunal, nada mais interessante para o presidente do que uma maioria que lhe seja favorável ali dentro. Além disso, muitos de seus projetos, sobretudo os mais arbitrários e reacionários, não conseguem avançar em função do escudo constitucional do STF. Entretanto, contando agora com uma base muito sólida na Câmara dos Deputados, e, sobremaneira, no Senado Federal, o cenário passou a ser outro, de maneira que uma alteração nas cadeiras do Supremo deixou de ser um sonho longínquo e passou a representar uma hipótese viável e concreta. Dado o pouco apreço que Bolsonaro já demonstrou ter pelo estado democrático de direito, é de se duvidar que ele não fosse querer uma tal alteração.

Os efeitos disso seriam altamente danosos para uma democracia que por si só já não é das mais fortes. Com efeito, um aumento no número de ministros da mais alta corte do país, somado a uma maioria favorável nas duas Casas do Congresso Nacional, concentrariam poder em demasia nas mãos de um só indivíduo, desfazendo o sistema de pesos e contrapesos entre os poderes, tão fundamentais a uma República que se proponha como sendo verdadeiramente democrática. Ficariam comprometidos não apenas as investigações com relação as figuras que detêm o poder, como também, uma série de direitos e garantias fundamentais conquistados a muito custo e assegurados a nós pela Constituição, que com o poder legislativo e judiciário controlados, poderá ser modificada sem maiores complicações.

Antes de fechar este texto, importa mencionar que não se está aqui a fazer apologia de candidato A ou B, mas só e tão-somente apresentando uma imagem possível de Brasil a partir de condições possíveis que já se deixam entrever nas margens da política. As escolhas e reflexões que se depreendem daí com relação ao Brasil que queremos ter, dependem única e exclusivamente da liberdade de cada um de nós. Vamos aproveitar enquanto a temos. Como alertado no início do texto, a ditadura é logo ali.

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