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Um sonho desmoronado

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Passavam-se os dias, passava-se o tempo e a resposta não chegava

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Passava noites ao lado da pequena janela a olhar as estrelas e a escrever poemas. O orvalhado peitoril era sua mesinha. Finos papeis cobertos de poéticas palavras espalhavam-se pelo chão.

Quando Vênus iniciava seu mergulho no poente, Marília mergulhava em seu leito de onde só saía quando o sol já se encontrava em seu zênite.

Sentava-se defronte ao nada, a olhar para coisa alguma. Subitamente ia em busca de suas coloridas folhas de sedoso papel e de suas canetinhas.

E assim um novo dia para Marília tinha início. Entre goles de água, cigarros, café preto e alguns nacos de pão passava horas.

Não escrevia apenas poesias. A fim de sobreviver mudou-se para a capital. Lá iniciou uma carreira como redatora de um jornal.

Após algum tempo em que lá se encontrava resolveu juntar seus melhores poemas. Datilografou-os com esmero. O sonho de publicar o seu livro. Levou-o a uma editora. O contínuo prontificou-se, gentilmente, a entregar o livro ao editor.

Não aceitou. Mas escreveu uma carta-poema ao editor chefe. Enviou-a pelo correio. Passavam-se os dias, passava-se o tempo e a resposta não chegava.

Decidiu ir a outra editora. Foi recebida com sorrisos. Lá deixou seus poemas. Como seu amigo, repórter fotográfico do jornal onde trabalhava, aconselhara-a, lá deixou apenas uma cópia xerográfica.

O sorridente editor prometeu-lhe ler com carinho os originais, tomou nota do telefone do jornal e que ela aguardasse com calma. Em algumas semanas lhe daria um retorno.

Emocionada de lá saiu sorrindo a cantar.

Findou a primavera, o verão andava em seu auge. Marília corria de praia em praia a fazer matérias com turistas que, às centenas, diariamente, chegavam.

Surgira o outono com seu nevoeiro contumaz. Com o vento sul a assobiar e com ele as mais negras nuvens. Como negros andavam os pensamentos de Marília.

Imaginava que deveria ter paciência. Eram tempos difíceis para se publicar um livro.

O vento a uivar pelas esquinas e frestas.

Sem retorno algum da editora, resolveu telefonar. Não conseguiu falar nem com um dos secretários do diretor.

Nervos à flor da pele, imaginava-se lá chegar e exigir ser atendida ou receber seus originais de volta. Mas a coragem não era o seu forte.

O que mais gostava de escrever para o jornal em que trabalhava era sobre literatura. O redator-chefe até lhe incumbira de escrever a página literária que era publicada aos domingos.

Foi assim que em uma das tardes mais horripilantes de sua vida recebe em suas mãos um livro a ser lançado. Um livro de poesias. De um poeta há tempos radicado na região. Um moço cheio de verve que, altaneiro, circulava nos meios sociais tanto da capital como de outras importantes cidades do estado.

Antes de abri-lo já imaginava encontrar-se com o poeta e com ele entabular deliciosos papos em torno da arte literária. Capricharia na resenha que escreveria.

Marília sempre seguia um rito ao abrir uma obra literária. Analisava a capa, detinha-se no texto da contracapa, nas orelhas, no prefácio, na apresentação e até nos comentários inseridos nas páginas finais. Somente após este preâmbulo respirava profundamente, acomodava-se confortavelmente em sua poltrona predileta e iniciava a leitura.

O conteúdo das três primeiras páginas trazia apenas alguns versos que pouco ou nada diziam do autor.

Ao abrir a próxima, um frêmito percorreu seu corpo. Aquelas linhas traziam palavras após palavras naquele estilo que a acompanhava desde sempre.

Respirou fundo. Tomou um gole de um forte café. Pensou estar sonhando.

Aleatoriamente foi abrindo as demais páginas. E lá estavam, um a um, todos os seus poemas. Até alguns em prosa.

A manhã já se encontrava a caminho. Precisava falar com urgência com o pessoal da redação do seu jornal. Ligou para lá. Os exemplares já deveriam estar nas ruas. Redatores e gráficos no rumo de suas casas.

Não conseguiu fechar os olhos. Ao amanhecer já se encontrava na redação. Lá apenas o pessoal administrativo. Repórteres nas ruas em busca de notícias. Redatores só iniciavam suas matérias na parte da tarde.

Impaciente lá aguardou a fumar e a tomar café sem parar.

Com olhos vermelhos e esbugalhados, quase um espectro em forma de uma garota, foi encontrada pelos amigos em um velho e rasgado sofá nos fundos da redação.

Tentaram reanimá-la. Sequer faziam ideia do que acontecera. Pétrea e inerte, não conseguia articular palavra. Apenas apontava para o execrável volume em suas mãos.

Poucos entenderam o gesto. Apenas os que conheciam seus poemas. Levaram-na para casa. Acomodaram-na. Serviram-lhe sucos e frutas. Pacientemente aguardaram que dormisse.

Na manhã seguinte, o próprio diretor de seu jornal levou-a até a famigerada editora. O jornal faria tantas matérias quantas fossem necessárias a fim de denegrir a imagem dos usurpadores e relatar ao mundo o seu inominável papel.

O diretor da editora recebeu-os, claro!

— Como ousam dizer que nos apropriamos de uma obra desta mocinha? Ela nunca sequer esteve aqui. Que dirá entregar-me seus originais.

— Senhor — disse o diretor do jornal em que Marília trabalhava— estes aqui são os originais datilografados por ela e todos os manuscritos, com a letra dela.

— Ela deve ter passado dia e noite a copiar estes poemas, pois estava com o livro em suas mãos.

Desde então Marília passou a publicar no jornal, diariamente, suas poesias.

Mas a dor de se apropriarem de seus poemas jamais a deixou.

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