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Um milagre de Natal

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Retirou o Asti espumante da pequena geladeira e brindou aos deuses da floresta por estar ali

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Dentro de dois dias o mundo estaria à frente de uma iluminada árvore de Natal, à frente de um presépio, entoando e ouvindo as mais belas melodias natalinas. Dentro de dois dias o mundo estaria a comemorar a chegada de Jesus, a imaginar a solidão de Maria e José ajoelhados diante de uma manjedoura onde seu lindo Menino sorria.

Maltina seguia em seu carrinho rumo às montanhas. Lá estaria a sós em sua cabana solitária e poderia dedicar-se inteiramente a findar o romance que há dias iniciara. Ideias ferviam em sua cabeça enquanto avançava pela já inóspita estrada solitária. Sua velha rota conhecida entre penhascos e abismos. Seixos rolados extraídos dos regatos adjacentes misturados à terra pavimentavam o que ela conhecia por carreiro depois de cruzar a velha porteira de ferro fundido, artesanalmente construída por um velho serralheiro, compadre de seus avós.

Entrou na cabana. Mesmo sendo verão, naquela altitude uma necessária lareira fumegante aguardava por ela. Não imaginara sentir tanta emoção ao rever o antigo abrigo que ainda em criança conhecera.

Acendeu as luzes embora a claridade do dia que findava ainda a tudo cobria. Tudo estava como solicitara aos guardiões de seus tesouros. Minúsculas luzinhas coloridas a piscar incessantemente. O pinheirinho natural a um canto como se estivesse com os braços abertos para recebê-la. Largou sua bagagem no chão e ao lado delas, tomada de um convulsivo pranto, sentou-se.

Quando deu por si anoitecera. Precisava tomar um banho, repousar. O dia seguinte seria longo. Levava em sua cabeça todos os capítulos do romance que naqueles dias de solidão findaria.

Retirou o Asti espumante da pequena geladeira e brindou aos deuses da floresta por estar ali. Fora uma estafante jornada. Mais de um dia de viagem desde a cidade grande onde vivia uma solidão aparente para o mundo. Mas cheia de vida para quem viaja por mundos imaginários coalhados de aventuras.

Acordou com o sol a entrar pelas janelas do nascente. Levara consigo suficiente comida pronta congelada para lá permanecer até colocar a palavra final em seu romance.

Era só ligar o forno e aquecê-la. Assim tinha sempre um quentinho pão para acompanhar o seu café solúvel de cada manhã adicionado ao leite fresquinho que das vacas havia sido ordenhado antes do sol nascer.

Após aquele esplêndido nascer do sol nuvens escuras começaram a toldar, primeiramente, o horizonte e depois quase todo o céu ao seu redor. Sentada defronte ao seu computador páginas e páginas corriam e discorriam sobre a vida de um intrincado mundo de personagens que sua imaginação criava.

A continuidade do ribombar dos trovões fê-la estremecer. A temperatura baixara subitamente. Foi tomada de um susto quando um homem, repentinamente, entrou em sua salinha.

— Feliz Natal, Dona Maltina! Eu sou o Jorge, o encarregado de cuidar de tudo aqui. Minha mulher deveria ter vindo mais cedo para fazer a limpeza e acender o fogo da lareira. Está frio, né? Mas é que ela ficou envolvida com os arranjos de Natal lá de casa e uma das crianças se machucou com um martelo e daí ela teve de cuidar dele. Então eu vim ver o que a senhora precisa.

— Oi, seu Jorge, muito prazer! Mas não me chame de senhora. Obrigada por sua gentileza. Que bom que o senhor está aqui. Eu trouxe uns presentinhos para vocês e para as crianças e assim já poderá entregar para eles hoje à noite.

— Muito obrigado, dona! Mas a senhora, quer dizer… vo…você não quer passar a noite de Natal em nossa casa? Pode ir já comigo em minha charrete.

— Não, seu Jorge, muito obrigada! Eu tirei estes dias todos para ficar sozinha mesmo. Preciso concentrar-me longe de todos a fim de que a inspiração tome conta de mim e possa terminar o livro que estou escrevendo. Feliz Natal para o senhor e sua família.

E assim falando correu a pegar os pacotes de presentes. Entregou-os ao capataz. Mal ele saiu passou o ferrolho na porta.

Anoitecera de todo. Abriu uma nova garrafa de espumante para brindar a vinda do Salvador. Deixara a congelada mini ceia de Natal no forno. Absorvida encontrava-se a escrever em seu minicomputador portátil. Fora os ribombos que pareciam revolver o mundo pelo avesso. Relâmpagos atravessavam os amplos janelões. Clareavam mais que as luzes acesas a seu lado.

Subitamente, em borbotões descem as águas do espaço. Deteve-se por algum tempo a observar a cortina de água a separá-la da vida lá fora. Deteve seu olhar na longa estrada em frente. As águas não cessavam de cair e escorrer fazendo sulcos na terra macia. A cada relâmpago conseguia vislumbrar a turbulenta trajetória das águas ao longe.

Parecia atraída por aquelas imagens. Águas a rolar como estranhos espectros no fugidio relampaguear. Foi num desses átimos em que o clarão iluminava a estrada que ela percebeu imagens que mais pareciam imateriais a mover-se em meio à tempestade. Não costumava assustar-se facilmente. Mas seu coração, por instantes, titubeou. Mais fixou seus olhos na estrada. A cada clarão no céu a visão parecia mais próxima. Foi num repente que ela os viu. Duas pessoas abraçadas. Apoiando-se. Cobriu-se com uma capa impermeável. Muniu-se com um guarda-chuva e debaixo do aguaceiro correu ao encontro dos estranhos viajantes. De longe gritou o mais alto que conseguia na tentativa de que a ouvissem. Mas nenhum som como resposta a não ser o estrondo dos trovões. Aproximou-se mais. Um estarrecimento dela tomou conta. Teve a impressão de que estava frente a frente com dois moribundos tal a lividez estampada em suas faces à luz viva e instantânea dos raios.

Notou tratar-se de uma jovem em avançado estado de gravidez arrastando-se ao lado de seu companheiro. Jogou sua capa nas costas da moça. Entregou ao rapaz seu guarda-chuva e ordenou que a seguissem. Acolheu-os em sua cabana. Fê-los aquecer-se sobre pelegos defronte ao fogaréu da lareira. Retirou mais iguarias do congelador e colocou-as no forno elétrico.

Ofereceu-lhes um cálice de vinho do Porto. Era urgente que as cores retornassem às faces de seus desconhecidos hóspedes.

Um aquecido banho e improvisadas e quentes roupas ela lhes ofereceu. Lógico que para a garota nenhuma serviria a não ser um velho e surrado pijama.

Depois de revigorados o moço pode enfim desfiar seu rosário.

Quando as famílias de ambos tomaram ciência da gestação da garota foi um tumulto generalizado. Ele de família abastada, estudava Direito em uma afamada Universidade particular. Ela, filha de pais operários, Jornalismo, em uma Universidade Federal. Logo concluiriam os estudos e planejavam sua vida. Os pais dele exigiram que a abandonasse. Que o rapaz a levasse de imediato a uma clandestina clínica onde o fruto de seu amor seria removido antes que se completasse três meses de gravidez. Foi então que começou a fuga. Tiveram que trancar a matrícula. Sumiram para locais distantes onde pudessem viver seu amor.

Mas a família dele colocara detetives particulares a fim de descobrirem o paradeiro dos fugitivos. Foi então que começou a grande fuga para os mais distantes e ermos locais. A intenção agora era dar fim à vida da criança logo após o nascimento. Aquele bastardo jamais herdaria a fortuna da tradicional família.

— Sabe, eu ainda tinha o meu velho carrinho esporte. Deixamos o pequeno apartamento que em um fundão de uma grande cidade passamos a morar. Eu trabalhava no que me aparecesse. Trabalhei até como chapa em beira de rodovias. Penso que por lá passou algum conhecido de minha família. E desde então nossa peregrinação não tem fim. A uns dez quilômetros daqui o motor de meu carrinho fundiu. Talvez pela velocidade, talvez pela subida da montanha. Precisávamos fugir. Fugir sempre. Nosso filho não poderá ser assassinado, por estes bárbaros, logo ao nascer…

Mal acabara de falar caiu em um pranto convulso. A jovem continuava recostada a um canto, sem falar.

A tempestade amainara. Maltina acomodou-os em seu quarto e já estava a cochilar no pequeno sofá da saleta quando, sobressaltada, acordou. A claridade era intensa. Olhou para fora e atônita olhava as ovelhinhas a balir baixinho junto à sua janela. Mais além as vacas tendo ao lado os seus terneirinhos.

Animais silvestres aos bandos acomodavam-se no terreno além. E o canto das aves. Não apenas as noturnas. Reconheceu o som dos canários, dos sabiás. Teve a impressão até de estar a ouvir o canto de rouxinóis. Ouvira este cantar inigualável quando fizera um curso em uma pequena vila em meios às montanhas da Áustria.

A estrela que a tudo iluminava parecia estar ao lado de sua janela. Sequer imaginara em sua vida ficar defronte a um astro de tanta beleza.

No relógio da sala soavam as doze badaladas da meia-noite. Já era o Dia do Natal.

Foi só então que percebeu alguns sufocados gemidos vindos do quarto ao lado. Que de imediato cessaram e a seguir o que ouviu foram os vagidos de um recém-nascido.

Correu para lá e encontrou um robusto e corado menino que embora ainda ligado pelo cordão umbilical ao ventre materno parecia sorrir para ela.

Uma vida atrás concluíra sua graduação em Serviço Social. Nada entendia de parto e recém-natos além de uma curta teoria. Flambou uma tesoura que vira na cozinha e com os cadarços arrancados de uma velha camiseta amarrou firmemente o filamento que nutrira por quarenta e duas semanas aquele serzinho que agora lhe sorria.

Foi então que o rapaz, agradecido falou para ela:

— Sequer eu lhe disse o meu nome e o dela. Eu sou José.

E a moça, acostada no leiro, amamentado o filhinho, a sorrir falou:

— Eu sou Maria.

A anfitriã, emocionada, baixinho sussurrou:

— E o nome do menino deve ser Jesus.

— Sim! — Responderam Maria e José.

Uma semana depois o jovem casal e o lindo menino encetaram viagem no carrinho de Maltina cujo destino era um vale distante onde viviam os pais dela.

A escritora permaneceu em seu isolamento, com suas luzes, suas músicas, seu imaginário mundo e um livro por terminar.

Era noite. Véspera do Dia dos Reis Magos. Ouviu um suave ronco de motor. Um fulgurante carro esportivo vermelho aproximava-se.

— A senhora é a dona Maltina?

— Sim, sou eu.

— Assine aqui por favor. Pediram-me para lhe entregar este carro como um presente de agradecimento. Aqui estão os documentos em seu nome e as chaves.

— Ah! Sim! Tudo bem. Mas não estou entendendo.

— Estou apenas cumprindo ordens. Desculpe-me, mas já preciso ir andando. Um colega já está vindo me apanhar. Devo retornar com urgência para o meu trabalho.

No amanhecer do Dia de Reis seu Jorge retorna à cabana.

— Dona Maltina… desculpe-me… Maltina, estive no correio da vila aqui perto e tinha esta carta para você. Só vim entregar e preciso voltar correndo para a estrebaria. Logo teremos mais um bezerrinho ou uma nova vaquinha andando por aqui. Preciso ir lá ver como estão as coisas com a nossa Lombarda.

Maltina abriu o envelope e soltou um grito tão alto de alegria que ecoou pelas montanhas ao redor.

Seu livro fora aceito pela editora mais famosa do mundo antes mesmo que ela acabasse de escrevê-lo. Junto uma ordem de pagamento de um valor jamais imaginado por ela.

Ajoelhou-se e, de mãos ao Alto, agradeceu pelo milagre. Tinha certeza que tudo acontecera pela interseção do menino que em sua cabana viera ao mundo na Santa Noite de Natal!

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