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Seu mal-estar ou desassossego tem origem na sua percepção de não saber o que fazer diante de outro

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Tornou-se lugar comum as pessoas afirmarem que o outro é cansativo, que pode ser traduzido como tedioso. Já escutei isso de colegas e alunos: – Pode ir direto ao assunto? Você é chato demais! Você me cansa! Seja breve! Para entender porque ocorre esse comportamento hostil de colegas e alunos é preciso refletir sobre o conceito de tempo e qual a finalidade do tédio no contemporâneo.

Na atual conjuntura não há espaço para o tédio que deveria ter um papel positivo na narrativa existencial. A modernidade se diferencia de outros períodos históricos, entre vários outros motivos, na aceleração da vida cotidiana, como resultado da atuação dos diversos dispositivos técnicos que nos trazem essa percepção de liquidez das relações sociais e institucionais. Um aspecto apontado por Joel Birman: deixamos de sofrer e hoje sentimos dor. Na dor não há reflexão. No sofrimento a presença do outro é fundamental. Sofre-se pela perda do objeto amado. Mas, quando apenas sentimos dor, o outro não existe diante de nós. Por isso, recorremos a psiquiatria e dizemos não a psicanálise.

A baixa tolerância e o mal-estar sentido por muitos, este intenso desassossego, para nos lembrar de Álvaro de Campos, quando estamos diante de uma posição de escuta de longas narrativas, fazendo-nos perceber o quanto estamos perdendo em autenticidade e simbolização no contemporâneo quando não cedemos lugar para o tédio. É o sentido da música Domingo na composição de Sérgio Britto  e Toni Bellotto.

Quando nos sentimos cansados ou entediados diante do outro é porque percebemos que a vida não é tempo útil, mas principalmente tempo do inútil, ócio, tempo de domingo.

*Ou melhor, seu mal-estar ou desassossego tem origem na sua percepção de não saber o que fazer diante de outro que está para além do dor, mas está em sofrimento, um conceito cada vez mais estranho no contemporâneo.

* A metáfora dominical é perfeita. De um lado, tudo está fechado no domingo e não há para onde fugir: ou nos colocamos diante do outro familiar, ou diante de si, no seu isolamento dominical. Por isso, encontrar o lugar da psicanálise na sociedade é restabelecer o espaço dominical, enquanto lugar de lazer, ócio, prazer, desprazer e tédio.

Sendo o outro alguém que é familiar, nunca um estranho narrando suas estórias. Por outro lado, livros são como cartas de grandes amigos que nos foram enviados através do tempo em um domingo de sol. No entanto, cada vez mais as narrativas são jogadas no lixo da História. A falta de paciência de ler Crime e Castigo, Memórias Póstumas de Brás Cubas ou Intepretação dos Sonhos e manter um contato íntimo da narrativa destes autores com a prática e vivência cotidiana, reflete o espírito solipsista de dor que é fechada em si mesma: ‘tudo está fechado, tudo fechado, domingo é sempre assim, quem não está acostumado?’

 

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