A reação violenta de Datena representou uma resposta à provocação, e não uma defesa de argumentos políticos
Na noite deste domingo, 15, o cenário político brasileiro presenciou um episódio de violência física que chocou o público: durante um debate entre os candidatos à Prefeitura de São Paulo, José Luiz Datena, candidato pelo PSDB, agrediu Pablo Marçal, do PRTB, com uma cadeira. A ação, transmitida ao vivo pela TV Cultura, resultou na expulsão de Datena do debate e na retirada de Marçal do palco, que buscou atendimento médico após relatar dificuldades para respirar e suspeita de fraturas. O confronto foi o clímax de uma troca de ofensas que envolveu acusações de assédio e provocações pessoais, culminando em um ambiente de hostilidade extrema. Este evento é apenas um dos exemplos recentes que demonstram como o debate público no Brasil, especialmente em períodos eleitorais, tem se tornado cada vez mais permeado por agressões e violências.
Thomas Hobbes, um dos autores clássicos quando se discute filosofia política, descreve o estado em que vivíamos antes de nos reunirmos em sociedade, como uma condição de guerra de “todos contra todos”. Nesse estado os seres humanos, movidos por interesses egoístas e a busca pela sobrevivência, acabam em constante conflito, pois, sem um poder central que regule as interações, os indivíduos se voltam à agressão como uma forma de resolução de seus conflitos.
No debate entre Datena e Marçal, podemos observar um reflexo desse estado hobbesiano. Ao se depararem com provocações mútuas e ofensas pessoais, ambos os candidatos recorreram à violência verbal e física, rompendo as normas civilizadas aceitas por ambos para aquele debate público. A cadeira arremessada simboliza a quebra da ordem, onde, em vez de argumentos racionais ou a busca da autoridade constituída para resolver os conflitos (seja a autoridade do evento em questão, seja a esfera jurídica), a força bruta foi utilizada. Esse episódio evidencia a fragilidade da disposição em se cumprir as normas sociais em contextos de alta polarização política, onde a civilidade é frequentemente substituída pela violência.
Além da perspectiva hobbesiana, outro filósofo que pode nos ajudar a entender esse colapso da esfera pública é Jürgen Habermas. Em sua Teoria da Ação Comunicativa, Habermas defende que o espaço público deve ser um local de diálogo racional, onde os indivíduos possam expressar suas opiniões livremente, buscando consensos através do uso da razão. No entanto, para que isso ocorra, é essencial que as partes envolvidas respeitem as regras do debate e, sobretudo, que reconheçam a legitimidade do outro como interlocutor.
No caso do debate entre Datena e Marçal, o que vimos foi a completa destruição dessas premissas. O uso de ataques pessoais e, eventualmente, da violência física, representou a negação do outro como sujeito de diálogo. Ao chamar Datena de “arregão” e questionar sua masculinidade, Marçal não estava interessado em uma troca racional de ideias, mas sim em desestabilizar emocionalmente seu adversário, o que parece ter conseguido. Da mesma forma, a reação violenta de Datena representou uma resposta à provocação, e não uma defesa de argumentos políticos.
Habermas destacaria que esse tipo de interação afasta a política de sua função primordial: o debate público construtivo, onde ideias são confrontadas em prol do bem comum. Quando candidatos à prefeitura de uma das maiores cidades do mundo recorrem à violência, eles não apenas desrespeitam seus adversários, mas também desvalorizam o processo democrático, ao transformá-lo em um espetáculo de ofensas e agressões.
O incidente no debate da noite deste domingo levanta questões importantes sobre a natureza do debate político no Brasil e a maneira como a sociedade está lidando com a crescente polarização. A violência não é um meio legítimo de resolução de conflitos no espaço público, e sua normalização pode ter consequências desastrosas para a democracia.
A política, idealmente, deveria ser um espaço de troca de ideias, onde a diversidade de perspectivas fosse valorizada e utilizada como base para a construção de soluções coletivas. No entanto, quando a violência verbal e física entra em cena, isso reflete um esgotamento desse ideal. As provocações e agressões entre os candidatos expõem não apenas a deterioração do debate público, mas também um problema mais profundo: a incapacidade de lidar com a discordância de forma civilizada.
O episódio de agressão durante o debate para a Prefeitura de São Paulo é um sintoma de um problema maior no cenário político brasileiro, e que se alastra não apenas nas capitais ou grandes centros urbanos. A falta de respeito, a agressividade e a polarização extrema estão corroendo a possibilidade de um debate público saudável e produtivo. Nesse sentido, sem um compromisso genuíno com o diálogo racional e o respeito mútuo, a política pode facilmente descambar para a violência e o caos, ameaçando os pilares da democracia.

