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O bispo em Canoinhas, o pano azul e a privada episcopal

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Dom João Becker se enfiou pelo sertão e ao final de 1909 fez a primeira visita episcopal à vila de Canoinhas

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Fernando Tokarski *

A Diocese de Florianópolis foi criada pelo Papa Pio X em março de 1908 através da bula Quum Sanctissimus Dominus Noster, (Quando o Senhor Santíssimo Sabe) graças aos incansáveis esforços do padre alemão Francisco Topp, depois homenageado em diversos logradouros públicos de Santa Catarina. Pároco em Porto Alegre (RS), outro alemão, João Becker, foi eleito para ocupar o bispado catarinense, chegando a Florianópolis aos 11 de outubro do mesmo ano, quando foi festivamente recebido pela população, tendo à frente o governador Gustavo Richard.

Logo Dom João Becker se enfiou pelo sertão e ao final de 1909 fez a primeira visita episcopal à vila de Canoinhas, nela chegando não se sabe como. Provavelmente veio em navio de cabotagem até Joinville, subindo a serra no lombo de um cavalo ou em diligência mais confortável. Não havia outro jeito.

Quando a notícia da vinda do bispo chegou à aldeia foi o maior reboliço! Nunca na história do lugar alguém de tamanha importância nele havia pisado. Os poucos grandões da frágil sociedade coçavam as mãos calejadas, acendiam sucessivos palheiros e molhavam o verbo em incontáveis tragos de cachaça. Depois de acirradas discussões e inúmeros palpites e ponderações de toda a ordem, o comerciante e político Manoel Eugenio de Souza, o Geninho, nascido em Lapa (PR) em 1857, foi encarregado por recepcionar o bispo.

Geninho era homem muito católico e tinha grande círculo de amizades, inclusive de um exagerado número de afilhados. Seu armazém, assim como a sua atafona, ficava na costa do Canoinhas, nas proximidades do porto. Mais tarde, na condição de primeiro presidente da Câmara de Vereadores, Geninho instalou o município oficialmente denominado Santa Cruz de Canoinhas. Porém, era um simplório, como tudo era simplório naqueles tempos de Canoinhas.

As ruas viviam enlameadas, as casas eram todas de madeira, cobertas com telhas de tabuinhas e apenas algumas tinham um luxo, a cobertura com chapas de zinco. Cavalos e vacas passeavam livremente, pastando até mesmo no capinzeiro que em 1912 se denominou Praça Lauro Müller. Energia elétrica? Nem pensar. Nas ruas lodaçais só trafegavam carroças, cavalos e tropas de alimárias. Havia apenas dez anos que morrera Francisco de Paula Pereira, o Chico Pereira, fundador do povoado. Enfim, o pequeno núcleo urbano era sinônimo de desolação e de carência.

Roberto Ehlke, o negociante mais rico de Canoinhas, era luterano e não podia ter a honra de receber o bispo, embora fosse um notável colaborador da capela dos católicos, localizada no morro da Boa Vista. Na carência de tintas para pintar o interior de sua casa diante de visita tão importante, para esconder as fuligens Geninho revestiu as paredes internas de alguns cômodos de sua residência com um pano azul escolhido entre os tecidos que negociava em seu armazém. Talvez a ideia tenha sido de sua mulher Roza Padilha dos Santos. Foi assim que naquele ambiente rústico e improvisadamente decorado com as chitas azuis é que D. João Becker almoçou e pernoitou na residência de Geninho.

Fato é que a povoação estava engalanada e só se comentava acerca da presença do bispo. Gentes de lugares inóspitos fizeram todos os esforços para beijar a mão episcopal, ungida pelos Santos Óleos e pela reverência popular. Semanas depois, a visita de D. Becker ainda repercutia e muitos se vangloriavam por receberem a hóstia sagrada através do sumo enviado de Deus.

Entretanto, na inusitada visita, outro fato também chamou a atenção das gentes locais. Não sem razão, preocupado com o conforto do bispo caso o representante de Deus precisasse ir aos pés, e certamente em algum momento isso seria inevitável, Geninho mandou construir do outro lado da rua, num descampado, uma privada especialmente destinada ao ilustre hóspede. Durante muito tempo o rústico sanitário esteve exposto à admiração pública, quase se tornou um ponto turístico e ficou conhecido como a Privada do Bispo!

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