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Nova vida em Curitiba

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Em um dia chuvoso, nebuloso e escuro despediram-se dos amigos e tomaram o rumo do cais

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Algumas semanas mais tarde, quando Marcelino retorna do mar encontra na sala os baús que trouxeram da Itália já quase lotados com os pertences da família.

— O que está acontecendo por aqui, mamma Angela?

— Filho meu, não sei lhe dizer. Ela passou a semana a juntar tudo o que se pode levar e disse que se você não quiser ir ela irá sozinha para o Brasil, para Curitiba. Para junto de sua irmã, de minha filha Stella. Sabe, Marcelino, eu não digo nada. Não adianta. Quando Thereza resolve fazer alguma coisa ninguém consegue tirar da cabeça dela.

— Meu Deus! E do que iremos viver lá naquela terra? Aqui tenho emprego, tenho futuro… Se eu conseguir um local para trabalhar estarei muito tempo longe dela, longe de casa, longe da família. Se e quando eu conseguir.

— Calma, meu filho, calma. Veja, lá vem ela. Foi ao mercado comprar uns ingredientes que faltavam em nossa cozinha.

Marcelino correu a encontrá-la. Tomou a cesta de suas mãos. Abraçou-a comovido.

— Meu amor, eu vi tudo. Sei que você fica sozinha tantos dias quando estou no mar.

Abraçados e a chorar entraram em casa. Sentou-se ao lado dela no pequeno sofá de vime. Tomou suas mãos entre as suas.

— Pense um pouco mais, Thereza. Verei se consigo trabalhar nestes barcos menores que vão e voltam só até Buenos Aires. Assim passarei mais noites em casa. Tentarei mais dias de folga para não te deixar sozinha.

— Leia a carta de Stella, Marcelino. Já está com quatro filhos e mais um no ventre. Que logo vai chegar. Levam uma vida trabalhosa, mas com conforto em Curitiba. Você poderá encontrar serviço lá. Pois não viveu sempre só no mar. Já foi cocheiro até do Imperador do Brasil.

Não conseguiu demover Thereza. Rendeu-se. Pediu demissão de suas funções na Companhia de Navegação do Prata. Mais uma vez arrumaram seus pertences. A bagagem já era bem maior que a vinda de Verona.

Marcelino, com pesar, disse adeus ao Mar do Prata. Pesaroso ao pensar que, dificilmente, voltaria a navegar. Quando estava em casa e olhava aquela familiar paisagem seus olhos ficavam marejados. Não mais o bulício de suas crianças ao redor. Sua razão lhe dizia para ficar. Era ali que ganhava o pão. O coração pedia para ir embora. Não sabia mesmo quanto tempo suportaria, ainda, voltar para casa e encontrá-la sem vida.

Em um dia chuvoso, nebuloso e escuro despediram-se dos amigos e tomaram o rumo do cais. Marcelino conseguira bons lugares em um barco a vapor que seguiria até o porto de Paranaguá.

Uma viagem marcada pela dor. Thereza permaneceu o tempo todo fechada na cabine da embarcação. Tristes lembranças da longa travessia desde o mar Tirreno onde, feliz, dera adeus à sua terra natal. Tristes lembranças dos acontecimentos que se desenrolaram em pleno Atlântico.  

A travessia do golfo de Santa Catarina foi a que recordações mais amargas levou aos corações de Marcelino, Thereza e Angela. Era um trecho do Atlântico em que se sucediam múltiplas tempestades. O barco jogava de todos os lados como se fora uma peteca a voar ao sabor de furiosos ventos. Mas a maestria do capitão conseguiu ultrapassar aquelas intempéries e em uma manhã de sol aportaram em Paranaguá. Precisaram esperar até o dia seguinte a fim de tomarem o trem que subiria a escarpadíssima Serra do Mar.

Singrava o comboio dentro de extensos túneis e através de soberbos viadutos. De um lado, paredões de pedra. Do outro, abismos a se perder de vista. E a serpente fumegante a deslizar solenemente. Múltiplas cascatas de inefável beleza enfeitavam com suas brancas espumas as rochas esverdeadas. Aos poucos precisaram retirar das malas seus agasalhos. À medida em que o trem ganhava altitude a temperatura descia.

Era noitinha quando desembarcaram na estação ferroviária de Curitiba. Algo familiar aos olhos dos três viajantes. A praça em frente. Para eles um verdadeiro parque. Construções de dois pavimentos. Ruas calçadas com grandes pedras negras retangulares e brilhosas já pelo uso contínuo. Era uma cidade com quase duzentos anos. A casa onde morava a família de Stella ficava nas proximidades. Mas precisavam tomar um carreto a fim de levar toda a bagagem. Enquanto Marcelino saia para a rua a procura de um veículo de tamanho adequado, Gioachino corria ao encontro de Thereza e mamma Angela. Foi aquela efusão de sentimentos extravasados. Entre lágrimas de alegria abraçaram-se demoradamente. Trouxera sua grande carroça onde caberiam todos, mais as grandes caixas de madeira e os baús de metal.

Permaneceram poucos dias na casa de Stella. Já era pequena para acomodar toda a família Berti. Marcelino estava indócil. Cedinho, no dia seguinte, foi ao mercado fazer as compras para o almoço. Subiu pela avenida Iguaçu até a rua Marechal Floriano. Quase na esquina oposta, perto da estação férrea, viu na janela de um pequeno sobrado o aviso de aluguel. Informou-se melhor numa bodega ao lado.

Voltou para casa com as compras para o preparo do almoço e já anunciou que logo estariam de mudança para um local bem próximo. Foi uma alegria geral. As irmãs poderiam encontrar-se em todos os dias e matar a saudade do longo tempo em que ficaram separadas.

O sobrado, embora pequeno, tinha o tamanho adequado para acomodar os três. Uma grande sala na frente que, obviamente, ficaria vazia até que conseguissem adquirir móveis. A cozinha parecia até a de uma trattoria. Na mente de Thereza planos e mais planos entrelaçavam-se.

Moviam-na mil ideias logo que se instalaram em Curitiba. Parecia que, finalmente, tudo daria certo. Tinham suas economias. Marcelino abriu uma conta corrente em um banco. Exercera múltiplas funções após sofrer o assalto no Rio de Janeiro. Assalto que o fizera perder seu cargo em um grande navio e quase a própria vida.

Durante o período que passou em convalescença na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro aprendera tantos ofícios. Poderia, tranquilamente, manter uma família com seu trabalho. Thereza queria fazer algo também.

— Veja, Marcelino, num instante eu dou conta de fazer tudo que precisa para manter esta casa limpa e arrumada e ainda preparar as nossas refeições. Já costurei tudo o que precisava ser costurado. As blusas e agasalhos de tricô acumulam-se no armário. Já nem sei mais onde colocar tantas toalhas e toalhinhas de crochê. Creio que tenho tempo de folga suficiente para fazer todo tipo de massas e vender para estas famílias italianas que a cada dia crescem mais nesta cidade.

— Não, Thereza, não vamos precisar que você se envolva em ajudar a manter esta casa. Sou jovem e forte e há muito trabalho para se fazer nesta região.

Como Marcelino dera-se muito bem quando exerceu as funções de cocheiro no Rio de Janeiro foi procurar um fabricante de veículos de tração animal. Precisava que fabricassem um coche ou um trole especial para ele. Com uma capota que fosse fácil de colocar e remover. O clima de Curitiba era frio na maior parte do tempo. No verão era muito agradável trafegar por suas ruas recebendo a luz e o calor do sol e o tépido vento que soprava. Imaginava um belo trole com aquela capota removível. E com assentos guarnecidos com couro também nas partes laterais. Para ficar bem aconchegante. Depois de muitos dias a desenhar o que lhe ia na cabeça deu-se satisfeito por um modelo totalmente diferente dos até então conhecidos.

Pretendia com seu novo trole realizar o transporte de pessoas. A cidade crescera. Necessário era, muitas vezes, percorrer-se longas distâncias. O serviço de bondes era algo novo e não atendia a todas as regiões. Marcelino voltou a usar o seu velho fraque e a sua cartola de cocheiro. E pelas ruas de Curitiba corria com seus garbosos cavalos, a conduzir seus passageiros.

Na véspera de Natal Thereza tinha uma novidade para presentear seu marido. Logo um novo bebê nasceria. No mês de agosto seguinte o chorinho de uma linda menina, de cabelos castanhos como os dele foi ouvido no sobrado que ficava perto da estação de trem. Ele queria que ela tivesse o nome da mãe dele, Pietronella. Thereza olhava para aquele serzinho que tinha as faces tão coradas que pareciam rosas vermelhas e só a chamava “Minha Rosina”. O moço do cartório, ao fazer o registro de nascimento no grande livro preto, apressadamente escreveu Petronilla Rosina. Ao tomar a certidão em suas mãos, Marcelino não percebeu logo o erro. Tentou reverte de todos os meios. Mas o grande livro preto não podia ser rasurado. Para ele a filhinha seria Pietra, o mesmo apelido de sua mãe. Mas de tanto Thereza chama-la de sua neninha, Neninha ela ficou.

Com extremo cuidado e carinho cuidaram da sua menina. Que ela sobrevivesse. Que fosse saudável. Que desta vez Santo Antônio, o santo da devoção de Thereza dela cuidasse. Que mais tragédias não acontecessem com seus filhos. Estavam agora em terra firme. Moravam em uma região saudável.

A colônia italiana de Curitiba já era grande. Muitos italianos estavam bem estabelecidos. Alguns tinham até suas incipientes indústrias. E todos se davam as mãos.

Mas para alguém como Marcelino que nascera e vivera quase uma vida inteira junto ao mar esta vida em terra já estava causando arrepios. Em certos dias exagerava no vinho para que a saudade das águas do Adriático e de tantos outros mares não tomasse conta de seu eu amargurado.

Thereza entendia o que se passava com ele. Sabia que sua vocação, sua alma, seu coração era a de um marinheiro errante. E que apenas dentro de um navio singrando os oceanos Marcelino se sentiria bem.

E foi então que apareceu a oportunidade de trabalhar em uma companhia de navegação que operava no porto de Antonina. Thereza incentivou-o para que fosse atrás daquilo que mais amava fazer.

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