Et Pater Filium mudou radicalmente o rumo da legislatura
COLUNA DE DOMINGO O encerramento do atual mandato dos 10 vereadores de Canoinhas nos permite um balanço do que foi essa gestão. Beto Passos se reelegeu em 2020 tendo seis dos dez vereadores. Apesar do placar apertado, nadou de braçada e fez o que bem entendeu com a Câmara. Deu protagonismo aos seus aliados, notadamente a Osmar Oleskovicz, Willian Godoy e Wilmar Sudoski, todos do PSD, seu partido.
Eleito com apoio integral de Renato Pike, Maurício Zimmermann (PL) foi uma das surpresas da eleição que, assim como os colegas do PSD, pagou o preço pela proximidade com os réus quando a Et Pater Filium eclodiu em Canoinhas.
Até 29 de março de 2022, Juliana Maciel, então no PSDB, Tatiane Carvalho (MDB), Zenilda Lemos (então no MDB) e Marcos Homer (então no Podemos) eram tratados como birutas de aeroporto pelos colegas. Quando Juliana levantou suspeitas das “viagens à Lua” que eram feitas com caminhões contratados do laranja master Josiel Dembinski, foi ironizada pelos colegas.
Em abril de 2022, o JMais publicou uma reportagem elencando oito atitudes suspeitas do governo Passos. Fizemos isso antes de qualquer indício da Et Pater Filium. Algumas foram referendadas pela formação da Câmara anterior, do primeiro mandato do prefeito (do qual muitos dos vereadores dessa legislatura faziam parte). Outras, como a lista de vacinados que Passos se negava a entregar, tiveram combate direto do chamado “quarteto” de oposição, mas o silêncio dos governistas sepultou o projeto que previa a divulgação de dados. Ao fim e ao cabo, mesmo sob protesto dos quatro oposicionistas, Beto Passos teve na Câmara um despachante de luxo até ser preso. Um dia antes de sua prisão, Pike foi à Câmara, sentou à mesa diretora e defendeu um aluguel bem polpudo do prédio de um aliado para acomodar a Secretaria de Obras, isso depois de ter desalojado a pasta para construir o CEI Edson Mota. O restante da história termina com o Parque de Exposições transformado em um grande depósito de máquinas.
Veio a Et Pater Filium e o jogo virou. Os empoderados de Beto e Pike foram jogados aos leões. Zimmermann foi hostilizado por uma plateia raivosa na votação da abertura de CPI, enquanto os outros três, em choque, silenciaram e se resignaram. Só faltaram dizer: Esqueçam-me.
Verdade seja dita, o único a dizer que foi enganado foi Godoy, que até em sua despedida da Câmara disse que os canoinhenses não podem esquecer o que aconteceu. Sudoski balbuciou algo sobre “isso é grave”. Os outros, nem pra negar a parceria.
Por função do cargo que ocupava, presidente da Câmara, Godoy assumiu a prefeitura, enquanto o quarteto teve a conversa que o rachou: quem seria a ponta de lança do partido? Juliana se prontificou e Tatiane não gostou. Homer e Zenilda apoiaram Juliana e, ambos, se alternaram na função de vice nos dois governos de Juliana.
Com Juliana no poder, o jogo inverteu. A priori teríamos uma maioria opositora, mas os vereadores avaliaram muito bem a dose da crítica porque sabiam o quanto isso poderia se voltar contra eles. Osmar foi com tudo, apostando em estocar a prefeita com apoio de meia dúzia de professores, e pagou com o mandato, arrastando Godoy para sua desgraça. Sudoski e Mauricio decidiram não arriscar (reconheça-se que Sudoski já falava, antes da Et Pater Filium, que este seria seu último mandato).
A frágil frente que Juliana dispunha na Câmara – na real, somente Adilson Steidel, atabalhoado, a defendia – não ajudou, mas embora ela tenha solavancos e tenha sido criticada intensamente, ao fim e ao cabo, novamente, se viu um Legislativo engessado pela própria lei que acabou despachando para a prefeita.
Com posturas execráveis, reprováveis e, algumas, elogiáveis, a atual legislatura termina com uma grande mancha na sua biografia – como Passos e Pike fizeram o que fizeram debaixo dos seus narizes, sem levantar suspeita (as suspeitas foram levantadas pela oposição somente quando a operação já tinha estourado em Major Vieira e Bela Vista do Toldo)?
Os vereadores se defendem afirmando que nada era documentado, que para saber das maracutaias era preciso quebrar sigilos telefônico e bancário dos dois, o que os vereadores não podem, mas o Gaeco pode fazer. É justo. Porém, nada justifica apoiar o governo cegamente diante da missão assumida na posse de zelar pelas contas públicas e fiscalizar imparcialmente o governo.
Para finalizar, é preciso pontuar: a Câmara de Vereadores, independente da legislatura, faz parte de um ciclo vicioso e constante, do qual mudam os personagens, mas não muda o ritual. Funciona assim: tem os vereadores, premiados com um polpudo salário mensal de R$ 12 mil. Em volta desse círculo de 10 está a classe política com ou sem mandato, que ora ajuda, ora pede favores. E em torno desses dois círculos há a classe mais deplorável, os comensais, parasitas, que ficam no entorno desses dois círculos pedindo favores que vão de uma conta de luz paga a um cargo para o filho que não consegue (ou não quer) trabalhar em outra coisa. No entorno desses três círculos há a imensa maioria, formada por pessoas que acordam cedinho para cumprir a jornada de oito horas de trabalho puxado para garantir o sustento da família. Essa vasta maioria odeia política, o que favorece todos os outros círculos. É isso.