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maio

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Educação requer investimento público e compromisso social

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Como os professores e as demais autoridades escolares enxergam os estudantes?

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Sandra Eloisa Pisa Bazzanella*

Sandro Luiz Bazzanella**



OPINIÃO Dentre as inúmeras possibilidades de se refletir a educação, uma delas passa pela reflexão acerca de seu papel. Podemos convencionar aqui que, sucintamente, um dos papéis da educação é, sobretudo, contribuir na constituição de crianças, adolescentes e jovens para o alcance da emancipação, condição fundamental para a cidadania, e permitir que, após 12 anos na escola, os indivíduos alcancem  uma série de habilidades específicas de cada área do conhecimento, e se reconheçam como membros de uma sociedade, bem como parte responsável pelos rumos dela.

Nesta direção, inúmeras são as questões que podem ser abordadas a partir de tal temática, seja a importância da família, a influência do contexto social, entre outros. Aqui pensaremos na escola. A primeira questão a ser situada, portanto, incide sobre os professores. São os professores que apresentam e, até certo ponto, são responsáveis pelo desenvolvimento de certas habilidades específicas nos alunos. Como se constitui a formação de tais professores? Isto é, qual a qualidade de reflexão sócio-política, econômica e, educacional a que os professores Brasil afora estão envolvidos? Perguntamos isto, pois a abordagem pedagógica utilizada, ou a falta de uma reflexão contextualizada, impacta no modo como os saberes são apresentados aos alunos. Neste sentido, e por decorrência das questões acima expostas, questiona-se: que educação promove uma proposta educacional que desconsidera as contradições, os paradoxos inerentes à sociedade brasileira?  Qual a possibilidade de os estudantes criarem mais aversão do que gosto pelos estudos a partir de abordagens mal pensadas e mal planejadas?

Ainda é necessário questionar: como os professores e as demais autoridades escolares enxergam os estudantes? Isto pois o modo como interpretam algo diz respeito ao modo como lidam com isto. Como se desenvolve a formação dos professores no sentido de apresentar-lhes o fato de que os estudantes, então crianças ou adolescentes, serão membros efetivos de uma sociedade? Sobre sua profissão, os professores compreendem que exercem uma profissão importantíssima e, ainda que não sejam valorizados de acordo com a responsabilidade que possuem? A carga horária a que se submetem permite que estudem que planejem as aulas, as atividades e testes para a excelência do ensino?

Em relação aos estudantes, alguns dados necessitam ser apresentados. No ano de 2020, sobretudo em decorrência da suspensão das aulas presenciais por conta do enorme risco sanitário a que a comunidade escolar estaria submetido no ensino presencial, o ensino remoto foi adotado por escolas públicas e particulares Brasil afora. Segundo a Agência Brasil, dados do estudo “Cenário da Exclusão Escolar no Brasil – um Alerta Sobre os Impactos da Pandemia da Covid-19 na Educação”, lançado pelo Unicef em conjunto com o Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária)[1], demonstram que, em 2020, cerca de 5 milhões de crianças e adolescentes de 6 a 17 anos ficaram fora da escola. Em parte este número diz respeito à dificuldade de acesso à internet ou meios tecnológicos para acompanhar as aulas. Os estudantes, neste sentido, privados de bens para acessar a educação, mesmo que seja direito garantido constitucionalmente em sua dimensão pública e para todos, encontram-se sob o risco de perder significativa parte, se não a totalidade, dos estudos necessários para a compreensão de si mesmos, das relações sociais em que se encontram inseridos, do mundo e de suas possíveis oportunidades.

Em relação à educação superior, o impacto da pandemia também foi profundo, sobretudo nas modalidades presenciais em que os acadêmicos foram orientados  em função do isolamento social a aulas remotas. Também nesta modalidade de ensino parte significativa dos acadêmicos enfrentaram os limites tecnológicos a sua disposição, mas sobretudo o desemprego que se abateu sobre os jovens, limitando suas condições financeiras para que pudessem honrar mensalidades, custos do curso de graduação promovendo o trancamento de cursos e desistências.   Por outro lado, neste contexto pandêmico, as Instituições privadas  que vendem ensino a distância (EAD) no Brasil mantiveram suas atividades, bem como se ampliaram matriculas de novos acadêmicos.      Na contramão da oferta de educação para o maior número de pessoas, as universidades federais, nos últimos anos, vêm sofrendo cortes nos seus orçamentos.[2] Isto implica a precarização do ensino, na medida em que bolsas de permanência estudantil são cortadas, contas de serviços básicos como energia elétrica são atrasadas, e serviços mantidos pela universidade, como segurança ou alimentação, sofrem impactos negativos. Não apenas para os estudantes, mas para os futuros professores da educação básica que são formados nos cursos de licenciatura de tais universidades, a educação parece um bem submetido unicamente a condições financeiras pessoais, uma vez que a oferta de permanência estudantil por meio de programas de auxílio tem se demonstrado cada vez mais escassa.

Aqui nos interessa, sobretudo, a educação pública, uma vez que ela abrange o maior número de estudantes da educação básica, está presente em todos os estados na educação superior e é administrada com dinheiro público, isto é, que advém dos impostos pagos pela população brasileira. É um bem público a que todo cidadão tem o direito de acesso garantido em texto constitucional.

Neste sentido, algumas perguntas, novamente, devem ser feitas. É possível que um país que não investe em suas crianças e adolescentes na educação básica, que não cria as condições básicas de acesso à educação como no contexto da pandemia da Covid-19, proporcione as condições educacionais adequadas para a formação cidadã? É possível que crianças e adolescentes, fora do convívio escolar, ou sem uma formação minimamente adequada, compreendam-se como sujeitos sociais, como cidadãos, partes do tecido social e responsáveis pelos rumos de uma sociedade? Em relação à educação superior, é possível que pesquisa, ensino e extensão sejam adequadamente desenvolvidos por estudantes que sequer possuem segurança nos campus em que estudam? Se a educação pública superior não tem oferecido aos estudantes mais carentes condições reais de permanência, então a quem serve esta educação? Ela realmente serve à maioria dos brasileiros que a partir de suas limitações salariais  pagam seus impostos e contribuem para a manutenção das instituições? Ela realmente é pública, então, se não consegue atender a todos os interessados?

  Tais questionamentos devem ser feitos, pois nos parece evidente que um país que não oferece às crianças e adolescentes condições mínimas de acesso à educação básica, um país que não oferece a seus universitários condições mínimas de permanência, assina diariamente o compromisso com a formação única e exclusiva de cidadãos que não se veem como parte da sociedade brasileira. Assina diariamente o compromisso com a reprodução das relações de exploração, de expropriação do trabalho e da vida, uma vez que passa a tomar como principal meta da educação básica o condicionamento do estudante para ser um futuro trabalhador pago com salário de miséria, e não um membro ativo da comunidade que compreende as dinâmicas sociais em que está envolvido. Assina o compromisso de individualizar as relações, fazendo com que sejam antes permeadas pelos interesses individuais do que pela consciência e, ação social.

É necessário também perguntar se esta realidade perpassada pela primazia da dimensão individual advém de um erro ou de um projeto de nação. É necessário perguntar se estes aparentes “erros” não possuem a finalidade de conformar justamente os brasileiros submetidos a exploração de seu trabalho, a expropriação de seus bens comuns,  da vida, do próprio mundo. É necessário perguntar se a lógica meritocrática do empreendedor de si mesmo que é propagandeada diariamente não vai ao encontro da precarização da educação no sentido de gerar nos estudantes noções de concorrência que carregam a ilusão do sucesso profissional, mesmo que a formação que lhes tenha sido oferecida por vezes mal dá conta de ensinar-lhes as operações matemáticas básicas[3].

Parece-nos necessário e urgente questionar os rumos da educação brasileira, ao mesmo tempo em que questionamos suas bases.  Desde a formação dos professores, à garantia de condições de permanência nas universidades federais, é necessário questionar: quem é (des)educado com a educação ofertada no Brasil hoje? Quem serão, em 20 anos, os egressos da educação pública básica? Por que este modo de ensino, precarizado, é perpetuado? Por fim, é possível repensar a educação básica de modo que ela realmente seja um instrumento emancipador?



*Sandra Eloisa Pisa Bazzanella é estudante de Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina

[email protected]

**Sandro Luiz Bazzanella é professor de Filosofia

[email protected]


[1] https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2021-04/mais-de-5-milhoes-de-criancas-e-adolescentes-ficaram-sem-aulas-em-2020

[2] https://g1.globo.com/educacao/noticia/2021/05/12/ciencia-e-tecnologia-acabaram-em-11-anos-orcamento-do-mec-para-as-universidades-federais-cai-37percent.ghtml

[3] O Pisa (Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes) de 2018, aponta que 68,1% dos estudantes brasileiros de até quinze anos não possuem nível básico em matemática. Fonte: http://portal.inep.gov.br/artigo/-/asset_publisher/B4AQV9zFY7Bv/content/pisa-2018-revela-baixo-desempenho-escolar-em-leitura-matematica-e-ciencias-no-brasil/21206

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