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abril

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2024

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De volta a Viena

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Um duradouro beijo tentava amainar as angústias de uma saudade

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Os resultados da morte de Gustav não tardaram a envolver a família inteira. Netos e bisnetos de terras distantes deslocaram-se, em polvorosa, tentando chegar ao casarão incrustado nas montanhas do Tirol em tempo hábil para acompanhá-lo até a sua última morada e participar das demais solenidades fúnebres que teriam lugar na Igreja da aldeia.

Os quartos eram poucos para acomodar tantas pessoas. Alguns ficaram alojados nas casas dos criados que se estendiam montanha acima enquanto outros nas estalagens da aldeia vizinha. Rolf achou melhor juntar seus pertences e dormir na casa de Herman, cedendo seus aposentos para um dos tios que viera com a família.

Na manhã seguinte, enquanto o silêncio ainda a tudo dominava, sentia-se no ar a desolação a pairar. Rolf correu cedo até os aposentos que Gustav ocupara, deparando-se com a solidão e um leito vazio. Só então um choro convulso dele tomou conta. Tentava sufocá-lo com um lenço em sua boca e não conseguia. Sophie mais que ouvi-lo, sentiu-o a sós na escuridão de um quarto sem vida. Abraçou-o ternamente e choraram juntos a dor que os consumia.

— Vovó Sophie, desculpe-me se a fiz sofrer com o que me passava na alma após sentir-me desprezado por vocês. Eu só tinha a meu lado um velho inválido que queria me proteger e eu sentia que a chama de sua vida estava prestes a se apagar. Jamais imaginara que seria em tão breve tempo e de uma forma tão trágica.

— Rolf, meu filho amado, meu neto poeta, meu querido — falava Sophie entre soluços — Você sempre será bem-vindo nesta casa. Seremos sempre a sua família. Sei que você tem a sua vida agora longe daqui, mas estas portas jamais se fecharão para você.

— Perdão, vovó, eu a amo muito. Agora entendo que tudo passou de mais uma das tramas que Bernard teceu em toda a sua vida. Tenho que sair agora. Vou até o Herman para ver se ele me arranja uma charrete. Preciso ir até Fritzens a fim de passar um telegrama para a minha amada Sissi avisando-a que vou me demorar mais alguns dias por aqui e contar-lhe da morte de nosso Gustav.

Em seguida desceu aos estábulos onde Herman já se encontrava.

— Não, meu amigo, você não precisa ir até a estação de trem de Fritzens. Aqui na aldeia tem um posto de correio. Pode ir a cavalo mesmo. É bem fácil encontrá-lo. Um pequeno prédio de cor amarela com letreiro em azul. Bem perto da Igreja. O encarregado do posto que é também o carteiro vai todos os dias até a estação ferroviária levar e buscar as correspondências. Se você for rápido chegará lá antes que ele saia para entregar as cartas e pacotes que chegam diariamente para o pessoal da vila. Ele me disse que só não entrega nas fazendas e sítios porque por enquanto ainda é tudo com ele, sabe. Tanto o trem como o telégrafo são invenções modernas e muito recentes ainda.

Rolf não perdeu tempo. Voou com o rápido corcel que Herman ajaezara para ele. Avistou de longe o posto do correio logo que entrou na aldeia. Rapidamente rabiscou um telegrama para Sissi.

Ao ver a assinatura e o endereço do remetente, o carteiro foi logo perguntando:

— Moço, você é Rolf Dittrich? Chegou ontem, no trem procedente de Viena, esta carta para você.

Rolf deu um grito de alegria ao reconhecer a letra de Sissi. Avidamente tomou-a das mãos do carteiro e a beijou.

— Muito obrigado, senhor…

— Richard, Richard Kreiss, às suas ordens!

— Muito obrigado, senhor Richard Kreiss. O senhor acaba de iluminar a minha alma.

Sentou-se em um banco e ali mesmo abriu o envelope. A fina, artística e perfeita caligrafia de Sissi encantava-o. Olhava-a embevecidamente.

“Meu amado Rolf

A saudade devora minha alma. Não sentir sua presença e nem ouvir o som de seu violino nas horas de ensaio contínuo chega a desorienta-me.

Serei breve pois quero aproveitar este curto intervalo entre as aulas para correr até a Westbannhoff e colocar esta no correio.

O senhor Johannes Jantsch, nosso maestro chefe faleceu ontem e o grande concerto foi adiado apenas para o final do próximo mês.

Soubemos que teve um ataque do coração. Mas ele estava já em bem adiantada idade. Quase noventa anos, segundo os professores.

Mesmo ansiando por seu breve retorno, precisava dar-lhe esta notícia para que você possa, sem preocupações, usufruir por mais tempo da companhia de seus amados avós.

Augurando vida longa e saudável a todos os seus, despeço-me com um ardente beijo e muita saudade.

Amo-o demais, meu querido Rolf.

Sua

Sissi.

Viena, primavera de 1835”

Rolf colocou a carta dentro do envelope e lentamente a guardou em seu bolso. Estava com os olhos marejados de lágrimas. Pela saudade de sua Sissi, pelas palavras de amor e pela tristeza ao saber da morte do decano maestro. Solicitou ao senhor Richard outro formulário para inserir mais detalhes no telegrama. Acreditava estar em Viena dentro de uns dez dias, se muito.

Herman e seus avós perceberam um ar diferente em Rolf logo que retornara da vila. Não ousaram perguntar-lhe nada e ele também nada contou.

Em seu quarto na casa de Herman passava o dia em exaustivos ensaios. De onde só saía para fazer as refeições com seus avós e demais familiares no grande salão dos sonhos de sua infância.

As cerimônias religiosas após o sétimo dia do falecimento de Gustav foram realizadas na Igreja da vila. Depois dirigiram-se todos ao cemitério para mais uma homenagem ao velho patriarca que tanto bem fizera para toda aquela região.

No dia seguinte o garoto violinista embarcou no coche que o levaria até a estação de trem com destino a Viena.

A primavera estava em andamento no dia em que Rolf deixou o casarão de seus antepassados. No caminho para a cidade onde deveria tomar o trem para Viena, acomodou-se de frente para ele até vê-lo tornar-se a cada instante mais diminuto e depois sumir de sua vista na primeira curva da montanha. Coração apertado pelas emoções não conseguia reter as lágrimas. A certa altura não conseguiu mais conter o choro e sobre o ombro de Sophie, entre soluços desabafou as dores que o consumiam.

— Vovó Sophie, por favor esqueça as minhas atitudes e a minha face fria destes últimos tempos. Mesmo sabendo do seu amor, o medo de perder vocês para sempre me consumia. Senti-me um órfão abandonado. Imaginei que vocês sempre dariam razão a Bernard, pois ele é seu filho. Eu me sentia um nada. Agora que estou indo embora, a saudade já começa a corroer minhas entranhas. Mas eu voltarei vovó. E quero vê-los em Viena no dia em que Sissi se tornar minha esposa.

Logo que chegaram na estação ferroviária de Fritzens, Rolf correu ao posto do correio e enviou mais um telegrama para Sissi dizendo-lhe que na noite seguinte estaria com ela.

Sophie acompanhou o trem que, lentamente, a resfolegar, deixava a estação. No final da plataforma ficou na ponta dos pés a dar adeus com a palmas das mãos estendidas e as lágrimas a escorrer de seus olhos. Em seu íntimo imaginava nunca mais ver o seu menino. Prepara-lhe belas marmitas com os deliciosos pratos que ele tanto amava. E uma caixa especial com apfelstrudel. Mesmo sabendo que ele levava consigo uma grande importância em dinheiro que Gustav lhe dera, colocou uma marmita extra com mais algumas centenas de shillings. Foi a sua maneira de dizer a ele o quanto sentira pela desavença e quanto o amava.

Para mais ainda agradar o rapaz Franz correu ao guichê e adquiriu para ele uma acomodação extra no carro dormitório.

— Para você chegar bem descansado em Viena e não precisar de mais um dia para repor o corpo e logo poder participar dos ensaios da Academia de Música de Viena.

A viagem decorreu sem percalços. Na primeira parada para almoço Rolf pegou uma das marmitas e procurou um canto para fazer sua refeição. Pegara exatamente aquela que tinha o maço de notas de shillings. O susto foi grande. Em meio a elas um curto bilhete de Sophie.

Uma ajudinha para você viver com um pouco de conforto em sua nova casa. De sua vovó. Com amor!

Lágrimas de emoção umedeceram sua face. O trem encontrava-se em manobras. Não tinha como entrar no vagão a fim de pegar outra marmita. Como estavam ainda na primavera acreditava que as refeições preparadas pela avó não se deterioraram. Correu ao restaurante da estação para almoçar. No restante da viagem resolveu comer no carro-restaurante e reservar os pratos de Sophie para saborear com calma em sua nova morada.

Não havia escurecido ainda quando a composição ferroviária chegou na Westbanhof em Viena.

Demorou para desembarcar com sua agora volumosa bagagem. Não trazia apenas refeições para alguns dias, mas também outra mala cheia de lembranças que Gustav fizera questão de lhe dar. Um novo guarda-roupa, sapatos, lenços e presentes para sua amada.

Estava e pensar que agora não poderia seguir a pé até seu destino com toda aquela parafernália. Enquanto torcia para que tivesse sobrado uma charrete de aluguel para levá-lo até sua nova casa, uma voz que fez seu coração entrar em turbilhonamento clamava seu nome.

Não se importaram com a presença de Johannes, o cocheiro —que estava a carregar as bagagens de Rolf —e jogaram-se nos braços um do outro e um duradouro beijo tentava amainar as angústias de uma saudade.

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