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maio

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Confissões em alto-mar…

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E aquele dia inteiro a espera por ela parecia uma semana em sua mente

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O navio seguia em seu contínuo balançar, vencendo as ondas e enfrentando alguns ventos mais fortes, a todo o vapor, em busca de seu destino.

George seguia com seu coração em contínuo balançar a cada vez que via sua musa, na distância, a rodopiar suas coloridas saias de tafetá. A ardência do beijo queimava ainda suas entranhas quando o inesperado acontece na forma de um papelzinho enrodilhado que ela jogou em suas mãos, quando a seu lado passou a correr como um vento.

 Temos muito a conversar. Tenho muito a lhe contar. Aguarde-me amanhã, às oito horas da noite, no mesmo local junto à balaustrada do convés inferior. Terei folga de meu trabalho. Poderemos ficar juntos.

Os minutos tornaram-se horas. As horas pareciam-lhe dias. E aquele dia inteiro a espera por ela parecia uma semana em sua mente.

Vestiu a fatiota domingueira que levava em sua mochila. Barbeou-se para parecer um príncipe. Não parava de se olhar no espelho e ajustar uma enrodilhada franja teimosa de seu cabelo que insistia em cair sobre os olhos. Era jovem ainda e as espinhas teimavam em borrar seu rosto já cravejado de sardas. Era ele um retrato mesclado de Sinead e Liam, Cabelos ruivos e ondulados, queixo firme e levemente reto. Sobrancelhas arqueadas. Nariz quase aquilino, herança talvez das dominações romanas em eras antanhas.

Tenso, aguardava por ela. Tinha alguns anos a mais que ele. Percebera, em seu íntimo, que deveria usufruir daquele amor enquanto estivesse com ela. Que logo a perderia na imensidão azul do mar… Assim como chegara. Mas seu amor não tinha volta. Eis que ela chega. Linda. A sorrir. Sem as saias frufrus de todos os dias. Elegante em um longo vestido simples, igual aos das demais mulheres que vira em toda a sua vida.

Sorriram.

— Vamos conversar no convés superior, George. Lá tem espreguiçadeiras de lona em que poderemos nos sentar confortavelmente.

— Mas eu não tenho o direito de frequentar aquela área. Meu bilhete é de terceira classe.

— Não se preocupe, George. Você estará comigo. Os garçons já estão avisados de que levarei um convidado.

Embora preocupado em ser expulso da área exclusiva dos nobres e abonados da Europa, aceitou suas explicações.

O navio avançava em direção ao poente e às cálidas regiões meridionais. Quanto mais distantes da Inglaterra, mais longos e mais tépidos os dias ficavam. Àquela hora ainda podiam apreciar um mar que se envolvia em dourado à luz dos últimos raios do sol. Ficaram os dois, de mãos dadas, embevecidos a olhar aquele crepúsculo que aos poucos se desvanecia.

Os garçons, amigos dela, continuamente, deixavam na mesinha ao lado deles canapés e exóticas bebidas servidas em taças fulgurantes de cristal.

Quando o sol se deitou no poente, o véu da noite, pareceu trazer à tona o impulso que faltava para que ela começasse a traçar as primeiras linhas da longa história que prometera contar.

— Parece até uma tragédia escrita por William Shakespeare a que vou te contar, George. Meu nome verdadeiro é Meaghan. Sou irlandesa, como você. Aqui sou Brigitte, uma garota francesa. No trabalho que faço é o que eu sou. Uma francesa que dança o cancã a fim de divertir os magnatas do mundo em suas viagens a bordo dos navios que singram por estes mares azuis.

George nada falou. Apesar de adolescente, apesar de nunca ter conhecido as delícias de uma noite a dois, muito lera e muito aprendera sobre a vida. Era, realmente, um rapaz simples, mas muito à frente de seu tempo pelas leituras que lhe conferiram tanto conhecimento sobre a vida. Seguira, à risca, os conselhos tanto do Conde de Sworth, como dos artífices que em seu castelo mimavam-no como a um filho. Tentavam compensar a falta que Liam, seu pai fazia. Sabia das armadilhas do mundo. E muitas delas em forma de mulher. Mas agora nada mais lhe importava. Começaria a viver. E a vida estava ali, a seu lado. Na forma da mais linda mulher que vira em seu curto tempo de existência. Enquanto esperava a vez das pessoas da terceira classe entrarem no navio e detivera-se a admirar o mar e o mundo a seu redor vira lindas madames com vestidos estonteantes, garotas graciosas a sorrir mostrando suas faces rosadas e juvenis. Mas nada lhe tocara a alma como Brigitte tocara. E ela continuou a falar.

— O que me lembro da vida é um pedaço de minha infância em que comíamos o pão que era atirado nas ruas e a carne já estragada que os cães de rua desprezavam. Não sabia minha origem e nem como vim ao mundo. Apesar dos andrajos que vestia, minha mãe era muito, muito linda e tinha um ar altaneiro. Em um dia em que estávamos andando pelas ruas de Londres um senhor bem vestido deu-nos duas maçãs. Lindas maçãs vermelhas e suculentas. Minha mãe não me deixou, de imediato, dar uma dentada em uma delas. Ela era fina, tinha aprendido no castelo onde vivera desde que nasceu e onde trabalhava, todas as regras da boa educação. Agradeceu, com gentis e doces palavras ao senhor e tomamos o nosso caminho. Ele nos seguiu. Não percebemos de imediato. Como não tínhamos para onde ir porque dormíamos nas ruas, continuamos a andar, até que eu não aguentei mais, tropecei e caí. Minha mãe havia deixado eu comer uma das maçãs e a outra ela guardara, apesar de já estar há dois dias sem por sequer um naco de pão em sua boca.

Não conseguiu segurar-me no colo. Estava sem forças, e estatelamo-nos no chão. Foi então que aquele cavalheiro acercou-se uma vez mais e levou-nos a uma dessas casas de caridade onde se recebe um bom banho, uma sopa quente e um leito para esticarmos o corpo. No dia seguinte havia roupas novas e limpas à nossa espera. Disseram-nos que fora aquele senhor que as deixara e que pagara para ali nós ficarmos por mais algum tempo. Minha mãe parecia uma atriz de teatro quando se arrumou com o novo vestido. Reluzia de tão linda.

Fazia uma semana que estávamos ali quando aquele homem que nos auxiliara voltou ao lar de caridade. Olhou para mim e para minha mãe com olhos tristes. Parecia-me que era de piedade. Não demorou para eu saber a razão de seu olhar. Outra surpresa aguardava-nos. Um coche estava à nossa espera. Minha mãe nada entendia e não sabia o que dizer. Baixinho sussurrou-me:

— Esta voz não me é estranha. Eu já a ouvi em algum lugar. Só não me lembro onde.

Recostou-se, pensativa, no banco, a meu lado. O silêncio era apenas quebrado pelo ruído das patas dos cavalos sobre as pedras da calçada.

Foi um dia inteiro de viagem até chegarmos ao nosso destino. Ficamos embasbacadas com a esplêndida construção que se erguia à nossa frente. Não era um castelo. Era um lindo palacete. Rodeado de jardins. Imaginei que iríamos trabalhar ali. Mas qual foi a nossa surpresa quando ele nos levou aos melhores aposentos. Disse que após descansarmos um pouco deveríamos descer para o salão onde ele nos aguardaria. Mostrou-nos o quarto de banho e novos trajes estavam à nossa espera sobre as camas.

Quando descemos ele veio nos receber logo que estávamos no último degrau da grande escadaria. Deu o braço para que minha mãe nele se apoiasse e segurou firmemente a minha mão. Sobre a mesinha, ao lado de um poltrona, um cálice de xerez que estivera a sorver enquanto nos esperava. Ofereceu-me uma taça de groselha e para minha mãe um licor. Que ela recusou. Não se sentia em condições de tomar qualquer coisa alcoólica. Sentou-se na poltrona à nossa frente e meio sem jeito, meio gaguejando soltou o que estava há muito tempo guardado dentro de seu peito.

— Eileen, é o seu nome, não é mesmo? Não deve se lembrar de mim. Eu era um jovem sem juízo. Esta barba e estes cabelos precocemente já embranquecendo, estas cicatrizes em minha face, estes óculos, realmente, deixaram-me bem diferente daquele jovem que você conheceu, creio que, há uns doze anos.

Nisto minha mãe pôs s mãos sobre o peito e deu um grito.

— Howard, não pode ser você? O que houve com você que transformou tanto sua face? Eu sabia que sua voz não me era estranha. Só não conseguia colocá-la em seu rosto.

“Foi um duelo maluco por causa de uma mulher casada e outras brigas mais pelas tabernas da vida. Eu era realmente um desajustado. Não foi sem razão que meu tio, o Conde de Sworth, expulsou-me de seu castelo proibindo-me até de pisar na Irlanda. Mas não é sobre isto que quero falar agora.

Eileen, foi abominável o que fiz com você. Larguei-a grávida e sozinha após nossos enlevos de amor. Após conseguir que você fosse minha. O Conde de Sworth não soube logo de nosso tão curto romance. Expulsou-me por causa de outras maluquices minhas. Só fiquei sabendo que você fora mãe de duas lindas meninas no dia em que, casualmente, andando pelas ruas de Dublin, deparei-me com sua irmã Abiageal. Disse-me que você tinha sumido do castelo com uma das crianças e deixado a outra aos cuidados dela. Foi quando entendi ser pai de gêmeas. Tentei, de todas as formas encontrá-las. Abiageal não me disse para onde você teria ido e não me deixou sequer ver a outra menina que ficou com ela. Ameaçou contar para o conde que me encontrara em Dublin. Que eu sumisse de suas vistas e de suas vidas. Ela tinha razão. Eu tinha me comportado como um crápula. E como um crápula continuei a viver por muito tempo ainda. Até encontrar Mary Ann, a mulher com quem me casei. Claro que fiz de tudo para correr daquele casamento, mas ela era filha de um juiz e casei para não ir para a cadeia. No fim foi ela quem conseguiu fazer de mim um homem mais sério, mais caseiro, mais cumpridor de seus deveres. Consegui pôr em ordem este palacete que era herança de minha mãe. Tivemos dois filhos. Infelizmente Mary Ann faleceu logo após o nascimento do segundo filho. Teve uma hemorragia fatal. Os médicos desvelaram-se para fazê-la viver. Não conseguiram. O bebê foi a óbito também, logo em seguida. Os pais dela culparam-me e levaram com eles o meu mais velho que agora estuda em um colégio interno. ”

Meaghan foi interrompida por Alfred, seu amigo garçom que os convidou para se sentarem junto a uma mesa colocada, especialmente para eles, no convés superior, pois de imediato iria servir-lhes o jantar.

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