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Conheça a história centenária do Colégio Sagrado Coração de Jesus

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Em 15 de janeiro de 1921 as irmãs franciscanas iniciavam o trabalho educacional na cidade

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Em 1911, quando Canoinhas foi emancipada, aportava no Brasil um grupo de mulheres que faria diferença na história da cidade. A Congregação das Irmãs Franciscanas de Maria Auxiliadora se estabeleceria por aqui somente dez anos depois. Mais exatamente em 15 de janeiro de 1921, há 101 anos, quando então apresentaram à cidade sua grande façanha: o Colégio Sagrado Coração de Jesus.

Inspiradas no exemplo de São Francisco de Assis – que renunciou à herança da família para viver com e pelos pobres – a Ordem sofreu perseguições que as trouxeram a América do Sul, extremamente carente de tudo. Madre Bernarda Bütler, canonizada pelo Papa em 2008, a fundadora da Congregação, se estabeleceu na Colômbia e de lá distribuiu freiras por todo o Continente.

Antiga Cadeia Pública foi primeira sede da escola/Arquivo

Em 1921, as irmãs Maria Felícitas, Amanda e Maristela Benack chegaram a Canoinhas, ainda chamada de Santa Cruz de Canoinhas. Como o colégio não estava pronto, para não perder o início do ano letivo, as irmãs estabeleceram o Colégio no prédio que sediou também a prefeitura, Cadeia Pública e até um salão de bailes. O prédio, localizado onde hoje está a Loja Avante, era cheio de limitações. “As frestas da casa eram tão grandes que podíamos ver as galinhas ciscando no andar de baixo”, diz um trecho de um dos relatórios de uma das irmãs precursoras. A escola ocupou o espaço por poucos meses, porém.

Alunos desfilam em frente ao primeiro prédio/Arquivo

A formação do Colégio Sagrado Coração de Jesus, principal obra das irmãs em Canoinhas, se deu aos poucos, à medida que o dinheiro dava e em um novo terreno, onde o prédio está até hoje. Até 1928, funcionava somente o colégio das meninas. Com a chegada dos meninos, foi necessário ampliar o prédio. Em 1939, foi construída uma nova ala, ampliada dez anos depois. Em 1955, um terceiro pavilhão foi construído e em 1958-59 foram edificados a capela e o auditório.

Primeiro prédio no local onde o colégio está até hoje/Acervo de Fátima Santos

O prédio foi finalmente concluído 40 anos depois de sua fundação, em 1965. Para entender o porquê do empenho das irmãs em construir o colégio, é necessário entender o princípio básico das irmãs. Para evangelizar, as freiras entendem que, especialmente na carente América do Sul, era necessário educar.

Leia coluna de Adair Dittrich sobre o hino do centenário

TRAJETÓRIA

Irmã Cármen Welter (C) sendo homenageada pela Academia de Letras do Brasil – Canoinhas

Toda a história dos 100 anos da presença das irmãs franciscanas em Canoinhas está no livro 85 anos educando, organizado pela irmã Cármen Welter em 2006, que traz um extenso arquivo que, desde 1921, narra a trajetória das irmãs na cidade. Aos 97 anos, Cármen é uma fonte inesgotável de saber. “Recebíamos educação europeia. Firme, exigente, mas aprendíamos mesmo. Não se admitia mentira, cola. Por que mentir para si mesmo”, disse em entrevista publicada no jornal Correio do Norte em 2006.

SAUDADES

Irmã Ida Warken (foto), 86 anos, foi aluna, professora e diretora do Sagrado. Chegou a Canoinhas em 1957 e daqui só saiu para passar um período de seis anos na Colômbia. Estudou em Belo Horizonte, onde se aperfeiçoou para ministrar aulas. “Eu gostava muito de lecionar. Cuidei do Fernando Voigt (médico) no jardim de infância e dia desses fui consultar com ele”, contou emocionada ao jornal Correio do Norte em 2006. Sobre a fama de exigentes das freiras, Ida reconhece: “Éramos exigentes, mas carinhosas.”

Primeiro prédio, aos fundos, foi destinado aos meninos quando novo prédio foi construído destinado às meninas/Acervo de Fátima Santos

Vinte e sete irmãs lecionavam no Colégio quando Ida começou a trabalhar. Havia pelo menos 60 internas. “Dois salões eram usados como alojamentos”, contou. As meninas vinham de Papanduva, Major Vieira, Três Barras e Porto União. Eventualmente, vinham de cidades mais distantes. Pelo menos 20 dessas meninas, não tinham condições de pagar pelo alojamento. Dessa forma, trabalhavam na manutenção da casa como uma espécie de bolsistas.

O colégio em 1937/Acervo de Fátima Santos

Sobre a separação por sexo, irmã Ida contou que o Colégio seguia o costume da época. “Na igreja, durante as missas, também era assim. Homens para um lado, mulheres para outro”, recordou.

O colégio em foto de 1939, já em alvenaria/Acervo de Fátima Santos

O padrão Sagrado de ensino só é mantido até hoje porque quando o número de freiras foi diminuindo, os ex-alunos começaram a dar aulas.

Laureci Fuck/Divulgação

É o caso de Laureci de Fátima Fuck, que foi diretora do Sagrado, foi aluna, professora e orientadora do Colégio. “Sentimos a responsabilidade de repassar valores e transformar o conhecimento adquirido com o que atualmente vivenciamos, com novas tecnologias e interpretações que levam a um ensino de qualidade”, disse Laureci à mesma reportagem de 2006.

Das lembranças de Laureci como aluna, uma é mais marcante. “As Tardes de Formação foram inesquecíveis. Uma vez por mês as normalistas (aspirantes a professoras) aprendiam conhecimentos sobre a vida, valores, respeito e responsabilidade. O enfoque era o ser humano”, contou.

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Apenas em 1963 o Sagrado teve seu primeiro professor leigo. Em 1988 o Estado assumiu em definitivo o Colégio

Educação vem de família

Izabel Mattos Mota fez história no Colégio no qual o filho, Ederson, também fez carreira

Aos 98 anos duas características chamam a atenção de imediato em Izabel Mattos Mota. A candura do olhar e a lucidez pouco comum para a idade. Por estes adjetivos dá pra se imaginar o quão compensador foi ter sido seu aluno. Izabel nasceu na Serra das Mortes, interior de Canoinhas. Morou com uma irmã no centro de Canoinhas até os 16 anos, quando começou a lecionar em uma escola de Taunay. Lá chegou a enfrentar aluno armado, que vinha acompanhado de um cão raivoso para intimidar os colegas e professores, mas não reclama. “Nada resiste ao carinho. Tive alunos terríveis em comportamento, mas que me adoravam”, contou à reportagem do jornal Correio do Norte publicada em 2011.

Professora Izabel Mota/Divulgação

Em Três Barras, Izabel lecionou por 23 anos no Colégio General Osório.

O colégio em foto de 1939/Acervo de Fátima Santos

Em 1965, ao se aposentar, achava que jamais voltaria para a sala de aula. Enganou-se. Em 1970, o Governo reformou o ensino primário e criou o ginásio (5ª a 8ª série). Professores de Educação Física se tornaram raridade. O descanso de Izabel acabou quando aceitou lecionar por até 68 horas por semana (os sábados também contavam) no Almirante Barroso.

Alunas do internato em data incerta/Acervo de Fátima Santos

No mesmo ano, Izabel aceitou o convite para trabalhar no Sagrado. De lá só tem lembranças boas. A professora chega a se emocionar ao se lembrar do carinho que as irmãs tinham por ela. “Sentia-me reconhecida de verdade. Elas me colocavam no auge. Nunca deixaram de me dar atenção”, contou enxugando as lágrimas de emoção.

Jubileu de ouro da Irmã Maria Paula em maio de 1964/Acervo de Fátima Santos

Izabel só deixou o Sagrado porque as dores de reumatismo foram mais fortes que sua vontade de continuar. Mesmo assim, em 1978, ajudou a irmã Angélica Blot na secretaria do Colégio. “Eu ditava as notas e ela datilografava”, recordou.

Orgulho maior Izabel tem do carinho que alunos hoje adultos ainda demonstram por ela. “Aprendi com Germano Wagenfür (inspetor de ensino) que o melhor método (de ensino) é o carinho, o amor e a paciência. Dar carinho é a melhor forma de educar.”

HERANÇA

Ederson Mota, referência regional em educação falecido em agosto do ano passado, era filho de Izabel e lecionou no Sagrado durante boa parte de sua carreira. Foram 23 anos dedicados ao Colégio. “Acho que escolhi o Sagrado pelo fato de ter sido militar”, contou ao Correio do Norte em 2011. Na época das irmãs, nem todos os professores estavam dispostos a trabalhar no Sagrado, temerosos da fama de rigorosas das freiras. “O rigor existia, mas o que se houve falar hoje é lenda”, contava o professor.

Ederson Mota morreu com covid-19 em agosto de 2020/Arquivo da família

As freiras ensinavam pelo exemplo. A frase “Iluminar-se para iluminar” foi dita pela irmã Cármen, e foi lembrada por Ederson. “Quer dizer, você precisa buscar conhecimento para ensinar”, interpretava.

Acreditar que os alunos eram altamente disciplinados também é uma lenda. “Alunos rebeldes sempre existiram, o que falta hoje é o apoio ao professor, tanto dos pais quanto dos diretores. Há um paternalismo exagerado”, opinou o professor.

Naquela época dizer que o pai seria chamado era o terror para os alunos. “Bem diferente de hoje que se você ameaça chamar o pai, o aluno te desafia dizendo que o pai vai defendê-lo.”

Acervo de Fátima Santos

Tanto Ederson quanto Izabel lamentaram o fato de as freiras deixarem a direção do Colégio. Para isso, dois fatores contribuíram: A redução do número de freiras na congregação, sentida quando os leigos passaram a lecionar; e a interpretação do Concílio Vaticano, que orientava a optar pelos pobres. “Elas interpretavam que o Colégio privilegiava a classe média e não os pobres, mas existe melhor forma de combater a pobreza do que por meio da educação?”, questiona Ederson.

Fachada atual do Colégio/Fátima Santos

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Hoje cinco irmãs moram em uma casa ao lado do Colégio. Elas pretendem vender o Colégio para o Estado. Hoje o imóvel é alugado. A negociação, porém, se arrasta há anos enquanto o prédio degrada

AS PIONEIRAS

O professor Leonardo Estauski Tanaka, que estuda a presença franciscana em Canoinhas, elencou as cinco pioneiras que implementaram a congregação na cidade:

 

E segundo a Ata 01 da crônica, foram as fundadoras do colégio. Primeiro chegam Irmã Maria Fidelis Narder e Irmã Maria Gertrudes Gruber. No dia 5 chegou as outras três e depois chegou a Irmã Crescência e Irmã Isabel Von Arx.

Colégio Sagrado criou o modelo de educação canoinhense

Não seria exagero dizer que o Sagrado Coração de Jesus contribuiu decisivamente para a instituição do modelo canoinhense de educação, mesmo porque foi ele o segundo colégio oficial da cidade – pouco tempo antes havia sido inaugurado o Colégio Ana Cidade, hoje Almirante Barroso.

De acordo com o saudoso professor Ederson Mota, em entrevista concedida ao JMais em 2015, o modelo de educação criado pelas freiras é inerentemente humanista e influenciou todos os colégios que vieram a seguir. “Havia uma certa desenvoltura na área cultural. O Colégio preenchia a lacuna artística da cidade”, recorda. Mota lembrava que existiam divergências quanto ao modelo de ensino das freiras. Exemplo disso é um trabalho acadêmico desenvolvido na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no qual se defende a postura religiosa das freiras como fator predominante no sistema de ensino. “Isso não é verdade, porque estudantes de diversas religiões passaram pelo Sagrado e nunca foram discriminados”, afirmava.

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