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Brasília Kubitschek de Oliveira

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Um presidente, um arquiteto e uma cidade sui generis

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Há dois aspectos que engrandecem consideravelmente nossa bagagem cultural e ampliam nosso horizonte memorialístico, a saber: reler obras acadêmicas/literárias e viajar. E quando podemos juntar ambos, os resultados são altamente produtivos. Constatei esta premissa ao viajar para Brasília e, logo depois do retorno, me dedicar novamente à leitura do livro do historiador Ronaldo Costa Couto, o qual relata sobre a construção da capital e as inúmeras controvérsias que a rondaram.

Antes de conhecer a cidade, a leitura de “Brasília Kubitschek de Oliveira” tinha sido de caráter informativo e documental, isto é, absorver dados históricos e econômicos acerca do governo JK, seus planos de metas, e seu gigantesco projeto de mudança da capital brasileira para o interior do país, além do enaltecimento da genialidade do arquiteto Oscar Niemeyer e suas incomparáveis obras. Porém, após a experiência de caminhar pelas ruas brasilienses e observar os detalhes que foram precisamente arquitetados e que hibridizam com os encantos do cerrado, realmente entendi a constatação do autor: “Coisa esquisita: Brasília sempre desperta paixões, ninguém é neutro. Caso de amor ou desamor. Desde o primeiro ronco de trator e até antes. Nunca vi nada igual. Nem eu nem ninguém” (COUTO, 2002, p.370).

De fato, é impossível passar incólume por Brasília, onde a palavra mais adequada para descrever a primeira sensação, e todas as demais, é: estranhamento. No bom sentido. Aquilo que se olha, causa desconforto e questionamentos, depois, quando se atenta nos detalhes, gera um pensamento próximo aos palavrões indizíveis, mas que podem ser traduzidos assim: “Que deuses!”

Sim, a genialidade e a ousadia provocam endeusamento mas também repulsa. Tanto Juscelino Kubitschek quanto Oscar Niemeyer foram exaustivamente elogiados, entrementes severamente criticados. O primeiro talvez mais que o segundo, pois, além de alvo de desentendimentos, foi cassado e exilado.  Dono de um carisma surreal, ímpeto de vida descomunal, amor ao país e, sobretudo, ao que considerava desenvolvimentismo, JK tinha grandes planos para nossa nação, resumidos em seu famoso lema “50 anos em 5”. Ademais, desejava enfraquecer o complexo de colonizados se desprendendo do litoral e levando a modernização ao centro do país.

No entanto, a determinação de construir Brasília foi, muitas vezes, maior que o bom-senso, uma vez que os gastos se tornaram incomensuráveis, o que resultou em alta inflação nos anos vindouros e, por conseguinte, o enfraquecimento de sua popularidade e, pior, do sistema democrático. É inegável que a construção de Brasília proporcionou o povoamento do centro-oeste, mas também absorveu grande alíquota dos recursos públicos. Nessa medida, desde seus primórdios, causa os mais diversos sentimentos e variadas teorias:  

Coisa de louco? Obra faraônica, capital da roubalheira, matriz da crônica inflação brasileira ou projeto de afirmação e integração nacional? O que mudou no desenvolvimento do país depois da fundação da cidade? Afinal, o que é Brasília? Para JK, afirmação, desafio, instrumento de desenvolvimento, necessidade e saída política. Para Niemeyer, o sonho de um presidente que amava o seu país. Para Roberto Campos, bazar de ilusões e perfeito exemplo de mau gosto monumental. Para Gilberto Freyre, cidade não brasileira. Para a Unesco, patrimônio cultural da humanidade. Para os brasilienses de hoje, ainda um bom lugar para viver, trabalhar, criar família. A cidade é amada (COUTO, 2002, p.22).

A construção de uma cidade em apenas quarenta e dois meses, do cerrado bravo à inauguração, a despeito da difícil logística de transporte de materiais, escassez de mão-de-obra e um clima pouco agradável, é digna de reverência. Para complementar este projeto genuíno, os edifícios e monumentos curvilíneos desenhados por Niemeyer enaltecem a originalidade e a supremacia. Considero todas as obras magníficas – a Praça dos Três Poderes, o Palácio do Planalto, o Itamaraty, o Palácio da Alvorada, o Congresso Nacional, o Museu JK – mas a Catedral Metropolitana é simplesmente espetacular. Enche os olhos de quem a contempla, surpreende e instiga a decifrá-la. É ecumênica em sua essência, e um paradoxo do humano com o divino. Nas palavras de seu arquiteto vemos que:

A Catedral de Brasília é um dos prédios que mais me agradam na arquitetura da Nova Capital. É diferente de todas as catedrais já construídas. Com galeria de acesso em sombra e a nave colorida ela estabelece um jogo, um contraste de luz que a todos surpreende: cria com a nave transparente uma ligação visual inovadora entre ela e os espaços infinitos; tem na sua concepção arquitetural um movimento de ascensão que a caracteriza e não apresenta fachadas diferentes como as velhas catedrais. É simples. Pura, como obra de arte (COUTO, 2002, p.138).

Niemeyer, que nunca se enquadrou em padronizações, nos explica um dos motivos de seu estilo inigualável:

Não é o ângulo reto que me atrai nem a linha reta inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o universo, o universo curvo de Einstein (COUTO, 2002, p.140).

E o que me atrai nos desenhos brasilienses de Oscar Niemeyer é o caráter inefável que os constitui, o que atesta o superlativo de “Obras-primas” porque a arte é um eterno vir-a-ser, um ininterrupto desvelar de estranhamentos e de novos sentidos, assim como a sua Catedral, isto é, difícil de descrever, absurdamente bela e, principalmente, uma nova surpresa a cada mirada.

Ao conhecer a arquitetura de Brasília e reler a análise de Ronaldo Costa Couto, lembrei de um livro de Erico Verissimo acerca de sua viagem ao México, pois o seu espanto com esse país é o mesmo que eu tive ao me embrenhar na nossa capital, e a sua definição sintetiza o que sinto sobre a cidade idealizada por Juscelino Kubitschek e esculpida por Oscar Niemeyer.

Peço autorização ao meu querido escritor Erico Verissimo para usar suas palavras oriundas da narrativa “México” e direcioná-las à Brasília:

Quantos anos precisarei para digeri-la? Quantas vidas devia viver para compreendê-la? Mas um consolo me resta e basta. Não preciso de nem mais um minuto para amá-la.

(COUTO, Ronaldo Costa. Brasília Kubitschek de Oliveira. Rio de Janeiro: Record, 2002).

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