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A tragédia anunciada e o descaso com o meio ambiente

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A realidade que assistimos ocorre não no desconhecimento dos problemas, mas sim de uma criminosa ineficácia governamental

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Carlos Bocuhy*

Na maior parte do território brasileiro, não há área urbana de risco que não esteja mapeada, demonstrando que a realidade que assistimos ocorre não no desconhecimento dos problemas, mas sim de uma criminosa ineficácia governamental. É trágico assistir mais uma vez a perda de vidas humanas, em função dos deslizamentos e inundações. O pior é que esta realidade se repete de norte a sul do país.


Neste momento é compreensível que, como em todos os anos chuvosos em que tragédias se repetem, perguntemos sobre qual é o limite entre a fatalidade e a irresponsabilidade. Para responder, há vários aspectos a considerar. No verão de 2021-2022 temos a tempestade climática perfeita, com a conjunção de fenômenos como La Niña, a Zona de Convergência do Atlântico Sul, um corredor de umidade que potencializa o índice de chuvas continente adentro.


A constatação de que os eventos episódicos como estes serão potencializados pelas alterações climáticas é conhecida da ciência. No Brasil, já registramos um aumento da temperatura média, desde a revolução industrial, em 1,7°C conforme noticiou o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) ao Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC).


Para exemplificar do ponto de vista econômico, a atual escalada da intempestividade climática do ano de 1900 até 2021, segundo dados do CDP Worldwild, significou um custo ao Brasil, na reparação de danos por chuvas e secas, de cerca de US$ 22,7 bilhões. De acordo com a pesquisa, as chuvas ceifaram cerca de 2.893 vidas no período e deixaram meio milhão de desabrigados. Ocorre que a maior parte dos danos ocorreu entre 2011 e 2021, ou seja, na última década!


O segundo ponto a refletir é sobre como a sociedade irá enfrentar as mudanças climáticas e as crescentes vulnerabilidades decorrentes da má ocupação do território, da precariedade das moradias e da falta de obras de contenção e drenagem.


As mudanças climáticas não retiram as responsabilidades dos governos, só fazem reforçar a falta de ações e o descaso do poder público, a ganância do setor imobiliário e a gigantesca diferença social e de oportunidades no nosso país. Isso porque, do ponto de vista técnico, para a ocupação urbana de áreas instáveis ou inundáveis, a geotecnologia tem dado, até o momento, as respostas corretas.


O Brasil não tem feito sua lição de casa. O governo de Jair Bolsonaro vem sucateando o sistema de monitoramento meteorológico, o Inpe. De outro lado convivemos com a ilegalidade da ocupação urbana desordenada, motivada por exclusão social e especulação imobiliária criminosa. Some-se a isso a crise econômica que se instalou em função da incompetência dos últimos governos, levando ao aumento de ocupação das áreas de risco.
A realidade climática exige um novo e eficiente modelo de governança. Além de considerar os aspectos sociais e econômicos, há de se promover programas habitacionais que proporcionem segurança à população, além de intensificar a fiscalização para que as pessoas não venham a habitar as verdadeiras armadilhas que são as áreas de risco.


Quando o poder público faz vistas grossas para as situações de risco, passa uma sensação de falsa segurança para aqueles que ali habitam. Assim, não existe no cenário atual qualquer imprevisibilidade que justifique a inação. A ciência aponta o cenário e prediz a vulnerabilidade. A tragédia decorre da inação, de um estado de inércia e irresponsabilidade governamental.
O cenário vai piorar, diz o IPCC, mas, em um Estado democrático como o Brasil, quem irá decidir se os governos federal, estaduais e municipais irão piorar será a própria sociedade. Mesmo se não houver estadistas no comando das instituições, à altura de empreender de forma prioritária a proteção da sociedade, resta cobrar na justiça as garantias constitucionais de proteção à vida.


Este é o momento e o limite para que a sociedade organizada atente para o estado crescente das vulnerabilidades e dos riscos decorrentes do descaso governamental potencializados pelas mudanças climáticas — e para que o Ministério Público e a Defensoria Pública se apropriem dessas agendas fundamentais para o bom exercício e cumprimento de suas funções.

*Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental


Fonte: O Eco – https://oeco.org.br/author/carlos-bocuhy/

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