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A politização da educação sexual em Canoinhas

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Argumento de que função cabe aos pais é legítima, mas e se o problema está na própria família?

A POLÊMICA DA SEMANA

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COLUNA DE DOMINGO Não se falou em outra coisa nesta semana senão nos livros encontrados pela vereadora Tatiane Carvalho (MDB) na Mundoteca, projeto desenvolvido com recursos do Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), via Lei Rouanet, com patrocínio da empresa WestRock, apoio da Prefeitura de Canoinhas e Três Barras, e realização da FGM Produções, Girassol Incentiva, Ministério da Cultura e Governo Federal. As obras Aparelho Sexual e Cia e As melhores do analista de Bagé trazem desenhos e textos de cunho sexual.

Foi a vereadora colocar as páginas de um dos livros na tela para o horror se instalar na Câmara de Vereadores. O teto se abriu e o chão cedeu. Nem mesmo quando Beto Passos renunciou se viu tanto pavor nos rostos incrédulos dos nobres edis. As imagens foram consideradas tão fortes que o vídeo foi editado antes de ser disponibilizado no YouTube com as figuras embaçadas. Exagero pouco é bobagem. Nem as beatas as novelas de Dias Gomes teriam reação tão alvoroçada.

Adilson Steidel (PL) culpou o PT, apesar de o projeto ter sido criado no governo Bolsonaro. Willian Godoy (PSD) lembrou do que leu sobre um certo partido de extrema-direita que governou a Alemanha durante a 2ª Guerra Mundial e já passou recibo para incinerarem as obras. Mauricio Zimermmann (PL), que se resignou ao silêncio na célebre sessão que instituiu a CPI para investigar Beto e Pike por corrupção, teve um chilique. Como professor, Osmar Oleskovicz pediu ponderação, afinal, nem tudo na Mundoteca pode ser tão ruim assim. Sobre livros, por razões compreensíveis, o vereador pisa em ovos.

Livros têm faixas etárias e se há pecado em tudo isso está no fato de as obras estarem disponibilizados para qualquer pessoa, independente da idade. Resolver-se-ia facilmente a questão criando baias com placas simpáticas como “Para ler sozinho”, “Para ler com um adulto” ou “Para ler com o papai e a mamãe” ou, simples e secamente, “livros adultos”, “livros para adolescentes” e “livros infantis”. Jogar na lata de lixo, como fez a prefeita Juliana Maciel Hoppe (PL), dançando para a claque fundamentalista dançar, definitivamente não foi a melhor maneira de resolver a questão.

As melhores do analista de Bagé é uma obra cômica, de alta voltagem sexual, escrito para adultos. Ponto. Deveria ser colocado em prateleiras altas para evitar o acesso das crianças.

Aparelho Sexual e Cia é um livro escrito para adolescentes e não mostra nada de mais do que eles já não tenham visto nos celulares com os quais foram presentados por pais preocupados com o que mostram livros que eles nem leem, a não ser que sejam obrigados pelos professores. O livro traz desenho, o celular dá fácil acesso à pornografia pesada. Escrever mais que isso, só desenhando os danos e consequências.

Indico que pais preocupados com a terrível puberdade dos filhos os presenteiem com Aparelho Sexual e Cia ao passo que retirem deles os celulares. O livro explica dúvidas que pairam na cabeça de qualquer adolescente. Pairaram na minha, mas as explicações vieram tortamente por revistas pornográficas contrabandeadas por colegas mais velhos. Meus pais, como a vasta maioria, não tiveram a tal conversa comigo. Se você tem essa predisposição a educar seu filho sexualmente, parabéns, mas se não tem, o livro é ótimo para iniciá-lo no tema.

Achar que seu filho de 11 a 15 anos não pensa em sexo boa parte do dia é negar sua própria história. Pensam, e precisam ser orientados para evitar doenças sexualmente transmissíveis, gravidez indesejada, pedofilia e abordagens indevidas por parte dele e de outras pessoas, tudo o que livro descreve e desenha. Logo, não merece a lata do lixo.

Aliás, acho mais que legítimo que os pais se reservem o direito de educar seus filhos sexualmente. Mas não esqueçamos que familiares e conhecidos são responsáveis por 68% dos casos de violência sexual contra crianças de 0 a 9 anos no Brasil. Entre as vítimas de 10 a 19 anos, o crime é cometido por pessoas próximas em 58,4% dos casos. Entre 2015 e 2021, o país registrou mais de 200 mil casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes. O mais grave disso é que como a criança e adolescente confia sobretudo nos parentes, acaba normalizando uma violência sexual, da qual só vão se dar conta quando, e se, um dia tiverem educação sexual de verdade.

Mas o pior de tudo é a politização dessa história e a consequente hipocrisia que gera. Lamentavelmente, Juliana atravessou a rua para pisar na casca de banana jogada por seus opositores. Passou recibo de desinformada porque quem descobriu os livros foi sua arquirrival Tatiane Carvalho (MDB) e desagradou quem sabe que o alarme em torno dos livros não tem razão de ser.

De toda essa história, o único ponto positivo foi que os canoinhenses descobriram que o projeto Mundoteca existe. Quem sabe muitos resolvam visitá-la, nem que seja para bancar o censor.

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