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abril

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2024

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Toda Poesia de Paulo Leminski

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Compilação reúne sete livros do autor

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Se você gosta dos poemas de Paulo Leminski, ou tem vontade de conhecer sua obra, há uma recente compilação de sete livros – Quarenta clics em Curitiba, Caprichos & relaxos, Distraídos venceremos, La vie en close, O ex-estranho, Winterverno e Poemas esparsos – chamados de Toda Poesia.

No primeiro conjunto da antologia, publicado primordialmente em 1976 em formato de portfólio, isto é, combinando fotografias de Jack Pires e poemas do autor, Curitiba se desvela nas surpresas efêmeras e complexas do cotidiano, como vemos em “Ruas cheias de gente. Seis horas. Comida quente. Caçarolas” (LEMINSKI, 2018, p.17). São recortes poéticos, vanguardistas pela simplicidade de seus flagrantes que, mesmo sendo, aparentemente, banais, passam, muitas vezes, desapercebidos pelos olhos comuns, necessitando da sensibilidade do poeta para trazê-los à tona.

Caprichos e relaxos, que teve sua primeira impressão em 1983, reúne uma variedade de tipos de poesia, de haicais ao poema concreto, nos quais as temáticas também são diversas. São textos condensados, precisos e avassaladores. Alguns são sarcásticos, lúdicos e pueris, sempre apelando para a imagética, pois, embora breves, tem narrativa, e o leitor, por sua vez, consegue visualizar o enredo, como no exemplo abaixo:

Um dia desses quero ser

um grande poeta inglês

do século passado

dizer

ó céu ó mar ó clã ó destino

lutar na índia em 1866

e sumir num naufrágio clandestino

(LEMINSKI, 2018, p.31).

Ou, ainda, abordar a rotina doméstica que, mesmo sendo fortuita, é poética e nos instiga a criar a narrativa em nossas mentes:

minha mãe dizia

– ferve, água!

– frita, ovo!

– pinga, pia!

e tudo obedecia

(LEMINSKI, 2018, p.39).

É importante ressaltar que a dialética presente no nome, ou seja, “caprichos e relaxos” é uma síntese do a-estilo de Leminski. Isso mesmo, ele não se definia, não seguia uma linha de produção artística, não se enquadrava em escolas literárias e sentia-se confortável em transitar entre vários gêneros. Sendo, a seu bel-prazer, ora erudito, ora popular, viajando pelo Tropicalismo, Concretismo, Poesia Marginal, entre outros. Por isso, é um dos poetas que mais se aproxima do público, na medida em que não somos, também, o resultado de uma fórmula cujos elementos são uma sucessão e alternância de atos de capricho, e, outros, de relaxo?

Distraídos venceremos (1987), cujo título é um aforismo irônico, há questões sociais presentes, como a reificação dos seres humanos, isto é, a objetificação do ser. Além disso, há muitos poemas metalinguísticos, os quais tratam do processo criativo e do poder da palavra, como é notável no exemplo abaixo:

Desencontrários

Mandei a palavra rimar,

Ela não me obedeceu.

Falou em mar, em céu, em rosa,

Em grego, em silêncio, em prosa.

Parecia fora de si,

A sílaba silenciosa.

Mandei a frase sonhar,

E ela se foi num labirinto.

Fazer poesia, eu sinto, apenas isso.

Dar ordens a um exército,

Para conquistar um império extinto.

(LEMINSKI, 2018, p.190).

A palavra é explorada em todas as vertentes possíveis, com caráter intersemiótico, que se potencializa a cada interação, num jogo perpétuo de novas combinações e, por conseguinte, novos significados. Uma ironia requintada que nos faz rir enquanto temos uma epifania, como ocorre ao lermos esse poema:

Litogravura

Mão de estátua.

Templo. Coluna. Arco de triunfo.

Mil duzentos e cinquenta.

Qualquer pedra na Europa

é suspeita de ser

mais do que aparenta.

Felizes as pedras da minha terra

que nunca foram senão pedras.

Pedras, a lua esfria

e o sol esquenta.

(LEMINSKI, 2018, p.201).

Em “O ex-estranho”, que foi publicado postumamente em 1996, é abordado, como advertido pelo próprio autor no epílogo, o desconforto de não se sentir pertencente. Muito embora há questões contemporâneas mais gritantes como a dos párias, dos exilados, dos expatriados, dos refugiados e dos fugitivos, todos nós, seres humanos, somos “estrangeiros para nós mesmos”, como adverte a filósofa Julia Kristeva. Em algum momento, ou em díspares situações, nos sentimos apátridas, deslocados, desfocados, e isso nos conecta num paradoxo absurdo e verdadeiro: no desconforto do não-pertencimento nos sentimos pertencentes à espécie.

Há muitas outras temáticas presentes em “Toda poesia” que são dignas de menção. No entanto, deixarei que meus leitores sintam-se livres para as esmiuçar sem minha interferência analítica!

(LEMINSKI, Paulo. Toda Poesia. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2018).

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