Há um ano prefeita foi alertada sobre situação degradante do prédio da Fundação Cultural
COLUNA DE DOMINGO Até o final do século 20, ainda com a prefeitura sob comando de Orlando Krautler, havia um mínimo de respeito pela cultura canoinhense. A cidade tinha uma Casa da Cultura que funcionava em um prédio histórico, lindo, na rua Pastor George Weger. Quase ao lado, outra ampla casa abrigava o Museu Municipal, que não poderia ter administrador melhor do que o incrível Fernando Tokarski, grande historiador da cidade que, infelizmente, enfrenta problemas de saúde que o obrigam a reduzir significativamente o ritmo do intenso trabalho a que sempre se dedicou pela preservação do patrimônio cultural canoinhense.
Quando Leoberto Weinert assumiu, em 2005, uma das primeiras divulgações de sua assessoria de imprensa foi sobre os escombros do finado museu, fechado ainda durante o governo Krautler. Um emaranhado de peças históricas jogadas de qualquer jeito em uma sala da Fundação Cultural, o prédio da esquina do Itaú que já sediou a Câmara de Vereadores por décadas. A denúncia não suscitou uma ação adequada e dali pra frente só pra trás.
Weinert acomodou as peças do museu parte na própria Fundação e parte no Parque de Exposições Ouro Verde, hoje tragicamente transformado em Secretaria de Obras. A Casa da Cultura, que brilhou sob o comando de Dircélia Santos Lima nos tempos de José João Klempous, com inesquecíveis festivais de dança e teatro que movimentavam escolas, mais parcerias com a Universidade do Contestado com seu Arte no Calçadão, nunca mais foi a mesma. Ainda durante o governo Krautler, foi parar no prédio da prefeitura. Não era possível fazer “barulho” com instrumentos musicais porque perturbaria o funcionamento do Executivo.
Os governos que sucederam Weinert (Beto Faria e Beto Passos) mantiveram a miserável estrutura de Weinert: recursos escassos, que mal pagam os funcionários da Fundação, e investimento zero em preservação do patrimônio histórico ou melhoria da estrutura. Porém, os governos Weinert e Faria ao menos faziam manutenção do prédio, o que passou a ser deixado de lado por Passos. Nestes oito anos (quatro de Passos e dois de Juliana) passaram seis gestores pela Fundação. De 2007 a 2016 Viviane Bueno foi a única técnica de cultura frente a Fundação Cultural. Os que a sucederam não tinham formação na área.
Ajudada por Passos, Juliana Maciel Hoppe (PL), à frente do Executivo desde 2022, pode levar pra conta o título de prefeita que jogou uma das últimas pás de cal na cultura canoinhense. Em março do ano passado tirou a Casa da Cultura de um local minimamente apropriado e os amontoou no prédio da Fundação, junto com a estrutura administrativa e a biblioteca, que guarda tesouros como jornais editados em Canoinhas na década de 1910 e todo o acervo fotográfico de Egon Thiem. Neste quesito Juliana pode se orgulhar de seguir seu mentor, Jair Bolsonaro. Se for como ele, não age por não gostar de cultura, simplesmente porque não entende e não tem interesse em entender, relegando uma história centenária ao mofo e às traças literalmente. As imagens publicadas aqui no JMais mostram bem a situação de documentos históricos, o estrago que a chuva faz e o mais alarmante, a possibilidade de, a qualquer momento, cair o assoalho do segundo pavimento, comprometendo de vez a biblioteca.
A nota divulgada pela prefeitura quando instada mais uma vez admite o problema, mas não apresenta a solução: “Na cultura tivemos momentos importantes para o turismo e o desenvolvimento econômico da nossa cidade com as duas edições do Natal que trouxeram lazer gratuito para todas as famílias e movimentaram o comércio. Este mandato está apenas começando.” Percebam o desconhecimento do que é cultura. A despeito do aspecto religioso (e não cultural), o Natal é uma data sobretudo comercial, festejada no mundo todo. Garantir carrossel por R$ 100 mil em uma festa religiosa/comercial passa longe de cultura.
“Já realizamos reparos no telhado do prédio da Fundação Cultural, que também estava precário quando assumimos e está em andamento projeto da reforma do espaço que, infelizmente, por não ter recebido a devida manutenção, chegou a este estado (até porque a madeira de assoalho leva anos para apodrecer). Na reforma será contemplada a construção de uma cozinha.”
Observem que apesar de Juliana estar no terceiro ano como prefeita, a culpa é das gestões passadas. Haverá uma reforma, oba, mas essa promessa foi feita em março do ano passado, em resposta a um requerimento dos vereadores. Mais uma vez não há prazo pra isso acontecer, não tem nem um edital aberto para contratação de empreiteira. Se isso não é enrolação, desconheço o sentido do termo.
A prefeita está certa ao dizer que Saúde e estradas são a prioridade. Também tem razão ao dizer que várias gestões anteriores têm culpa no cartório. Agora, fico imaginando você, cidadão comum como eu, contratado com base em um bom currículo para trabalhar em uma empresa respondendo a seu chefe que não resolveu um problema intrínseco a sua função por culpa de quem passou pelo mesmo posto. “Vá cobrar de quem passou por aqui”, imagina.
Em nome da cultura canoinhense, ouso fazer sugestões em tópico que melhorariam a imagem de Juliana diante do que não faz pelo setor:
* reforma completa e urgente do prédio da Fundação Cultural;
* realocação da Casa da Cultura em local apropriado;
* Convênio com a Hemeroteca Catarinense para digitalização de jornais e documentos antigos arquivados de qualquer jeito, hoje, pelo Município
* Cobrar dos professores e gestor da Casa da Cultura, depois de pagá-los de modo decente, claro, que criem programas de extensão a comunidade. Confinar a cultura a quatro paredes é lamentável;
* Intervenção na Cervejaria Canoinhense, uma das mais antigas, senão a mais antiga, do Brasil. Creio que uma parceria seria bem-vinda pela família que parece não ter interesse em seguir com o negócio. Além de preservar uma legado que atravessa a história de Canoinhas, a prefeita estimula o turismo;
* Fomentar produções artísticas que rememorem a história da Guerra do Contestado que, apesar do aspecto violento, diz muito sobre nossa cultura;
* Promover um estudo da arquitetura do passado, quase 100% extinta, relembrando, por exemplo, com indicações claras, o que o prédio da Fundação Cultural já abrigou, a antiga prefeitura ao lado, o que já foi o prédio do Itaú, a antiga Casa da Cultura etc.;
* Resgatar a tradição da Festa da Manteiga, em Marcílio Dias.
Fico por aqui diante de tantas outras necessidades.
Juliana precisa agir, e rápido, para não ser marcada pela pecha da prefeita que acabou de vez com a cultura de Canoinhas.