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Morto aos 67 anos, Orlando Krautler foi primeiro prefeito de Canoinhas cassado depois da redemocratização

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Engenheiro civil atuou por oito anos à frente da prefeitura

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Morto neste sábado, 2, aos 67 anos, o ex-prefeito de Canoinhas, Orlando Krautler, ocupou a prefeitura por oito anos (1997-2004). Eleito e reeleito teve seus mandatos marcados por avanços e turbulências, a maior, sem dúvida, foi o primeiro processo de impeachment instaurado pela Câmara de Vereadores desde a redemocratização em 1985.

Eleito em 1996 com 20.114 votos ante 6.872 de Leoberto Weinert (PMDB), ao assumir a prefeitura em janeiro de 1997, Krautler demitiu, segundo o jornal Correio do Norte da época, 431 funcionários contratados por meio de teste seletivo, entre eles, 34 comissionados, restando somente 28, dando uma dimensão de como estava o quadro de comissionados à época (hoje gira em torno de 90). A economia aos cofres públicos à época teria sido de R$ 281 mil.

Krautler, em 1996, com a esposa Maragarete e os filhos Felipe e Larissa

Ele contratou uma auditoria para apurar a situação da prefeitura e definiu a Secretaria de Obras como “cemitério de dinheiro público”. Krautler convidou a população a visitar a Secretaria para ver de perto o que chamou de “desolador”. “Foram sete anos para eu conseguir um financiamento. Nós estávamos no SPC, a prefeitura não tinha crédito. A arrecadação na época eram R$ 10 milhões por ano (hoje gira em torno de R$ 200 milhões)”, contou Krautler ao JMais em entrevista concedida em 2022. Assista:

Em 1999, a base que dava sustentação a Krautler ruiu depois de uma briga entre ele e seu vice, Bernardino Fedalto. Krautler era do extinto PFL e Fedalto do PP. Para se vingar, Krautler demitiu todos os comissionados do antes aliado. A revanche veio com um processo de impeachment instaurado na Câmara de Vereadores por atos de improbidade administrativa com irregularidades que envolveriam a Fesmate (Festa Estadual da Erva-Mate) do ano anterior. O processo, liderado pelo PP e o PMDB (hoje MDB), concluiu pela culpa de Krautler, que perdeu o mandato em julho daquele ano.

Krautler, acompanhado de seus advogados, depõe na CPI da Fesmate

Krautler, contudo, conseguiu reverter o processo e voltou ao comando da prefeitura pouco depois. Conseguiu, ainda com o peso da CPI nas costas, se reeleger em 2000 com 41,67% dos votos. Ele tinha outros três adversários, mas nenhum se aproximou mais dele do que Leoberto Weinert (PMDB), com 38,99% dos votos. A diferença em números foi de 796 votos. Weinert seria eleito em 2004 e reeleito em 2008.

Ao contrário do primeiro mandato, Krautler assumiu mais quatro anos com menos apoio. O seu partido, o PFL, fez somente quatro vereadores. Krautler, em pronunciamento no rádio, disse que gostaria de manter diálogo com os 15 vereadores eleitos. A maioria dos vereadores eleitos era da coligação derrotada (PMDB e PSDB e PPS), contudo. Isso resultou em sessões com críticas ferrenhas ao prefeito.

O time de Weinert atribuiu a derrota a uma carta apócrifa distribuída na noite anterior à eleição na surdina na qual se fazia uma série de ilações negativas sobre o fato de ele ser maçom. Contra Krautler também foram distribuídos folhetos fazendo acusações contra ele e revelando um suposto contracheque de sua esposa, então funcionária comissionada da prefeitura.

“Tira-se grande lição das eleições municipais: cautela e caldo de
galinha faz bem em qualquer situação. Para o eleitor fica a dúvida: ou a pesquisa estava errada, ou o PFL virou a eleição de última hora. Não acredito que a tal carta da maçonaria tenha virado o jogo.
Acho, sim, que o PFL acordou nas últimas duas semanas. Trabalhou
mais, buscou mais votos, acertou o discurso e pronto, lá foi. O PMDB
que dava a eleição como ganha, relaxou e somente investiu em contrainformação. Não deu resultado. O PFL tinha mais mão-de-obra e o que se fazia em um dia levava-se três por parte do PMDB para ser
desfeito. Orlando Krautler, que é bom de oratória, fala bem e usa o
sentimental do povo, fechou com uma música do padre Zezinho. Carolas, crentes e sugestionáveis acolheram a mensagem e
deu no que deu”, avaliou a jornalista Bianca Neppel à época em análise publicada no jornal Correio do Norte. Krautler, de fato, era muito carismático e ganhou especial atenção da terceira idade. Adorava visitar os muitos grupos que se formaram na cidade durante a sua gestão.

Realmente, o segundo mandato foi mais complicado, com menos investimentos e muitas reclamações, principalmente devido às condições das estradas. Professores também enfrentaram o governo, promovendo pelo menos uma greve em busca de melhores condições e salários.

“Eu vivi nesses oito anos um período de transição, de uma época em que a administração pública era mais facilitada para uma época de transformações, para melhor, englobando todo o processo de implantação da Lei de Responsabilidade Fiscal. Esse período foi de adaptações, onde eu fui responsável por avanços e melhorias e a preparação do município para vivermos 100 por cento a partir do ano que vem (2005)”, disse em entrevista ao Correio do Norte em 2004, fazendo um balanço do governo. Leia a entrevista na íntegra abaixo:


Que balanço o senhor faz desses oito anos de mandato?

Lógico que algumas coisas foram prejudiciais, no sentido que nós priorizamos algumas coisas que talvez não fossem minha vontade, mas que precisavam ser feitas. Duas coisas são exemplos claros disso: nós recebemos a Prefeitura com uma dívida de quase metade de uma arrecadação anual, essa dívida não é de uma pessoa, é um processo que se acumula, mas a partir de maio de 2000 (implantação da Lei de Responsabilidade Fiscal) não tinha como fazer isso. Hoje, essa dívida já não mais existe. E aí fica aquela história do ‘se’. Se eu não tivesse pago a dívida quanta coisa eu teria feito… Mas isso não pode mais ser assim. Eu não estou reclamando de ter sido o prefeito desse processo, alguém tinha que fazer isso. O que importa é que dessa forma nós vamos entregar a Prefeitura como ela deveria ter sido sempre. O próximo prefeito terá plenas condições de implantar seus projetos, ele não irá se preocupar em economizar. Outra situação é o caso do funcionalismo público, onde nós não tínhamos previdência. Os funcionários públicos, quando se aposentavam eram pagos pelo tesouro do município, e isso é complicado, representava altos custos. Para resolver o problema, entramos no regime geral da Previdência Social, onde temos uma despesa mensal de R$ 300 mil, sendo R$ 80 mil pago pelos funcionários. Esse é um trabalho que precisava ser feito, porque chegaria um momento que não daria mais. Chegaria um momento que pagaríamos mais funcionários aposentados do que ativos. Necessariamente essas ações não precisavam ser tomadas, mas seria uma irresponsabilidade minha não fazer isso. No entanto, eu me considero feliz ao encerrar esses oito anos de governo, muito me honra ter sido escolhido pela população para ser o prefeito e tenho dados importantíssimos a comemorar como o de que eu mantive uma média de uma sala de aula inaugurada por mês durante minha gestão. São mais de 90 salas de aula entregues, colocando a educação como um norte para o desenvolvimento de Canoinhas. Nosso índice de mortalidade infantil está dentro do que a ONU recomenda que é de 16 mortes a cada 1 mil nascimentos. Canoinhas está entre 20 por cento dos municípios mais desenvolvidos do País. Criamos uma rede social até então não existente. Isso tem que ser considerado uma grande vitória, levando em consideração que Canoinhas tem uma das menores arrecadações per capita do Estado.  



CN: Como foi a participação do Estado nas suas gestões?

Krautler: Nesses oito anos, eu não recebi R$ 1 milhão do governo. A minha média não chegou a R$ 100 mil por ano. Algumas obras que eu vou deixar sem terminar, como por exemplo o Posto de Saúde do Campo d’Água Verde, é porque eu estou com um convênio pelo qual há quatro anos não recebo. 


CN: O senhor leva da Prefeitura o ônus de ter que responder pelas contas de 2000, ainda não aprovadas pelo Tribunal de Contas. O senhor teme isso?

Krautler: As contas são do gestor, eu sou o responsável. Nós pedimos uma reanálise, mas ainda não tem uma resposta se eles aceitaram nossos argumentos. Logicamente que não há nenhum prejuízo ao erário, não há má fé, dolo, simplesmente é um descumprimento a uma lei complementar. É a leitura da lei clara, sem exceções, e como é minha responsabilidade, eu vou responder pelo descumprimento com certeza.

CN: O senhor corre o risco de ter as contas desse ano desaprovadas pelo TC?

Krautler: Não, nós estamos bem encaminhados, já foi paga a folha de novembro, 13.º salário. O que está em dúvida são as despesas continuadas, que só podemos fechar no final do mandato, que não posso pagar adiantado, mas a situação, a princípio, está sob controle.


CN: Como está a situação tributária do município?

Krautler: Não é construtivo dizer que estamos na rabeira das coletas de impostos, mas também não podemos mascarar a realidade. Fatores como o de que 20 por cento de nossa população é responsável por 80 por cento de nossa riqueza são uma radiografia muito clara da situação. Logicamente que numa cidade que tem dificuldades de geração de riqueza, você não pode querer arrecadar mais que o extrato da tua cidade. Alguns problemas nacionais como a Lei Kandir (que zera os impostos com exportações), diminuem fatores que alavanquem impostos. Então, quando as pessoas falam que a Prefeitura não cobra (impostos), é a demonstração clara de desconhecimento da lei. Se eu não cobrar as dívidas da minha Prefeitura, eu vou pagar a dívida. Desde 1997, entramos com uma média de 1 mil ações na Justiça de cobrança de dívida ativa. Nós não estamos deixando de cobrar. Hoje, o volume dessa dívida chega a R$ 5 milhões (em oito anos), porque não conseguimos êxito na cobrança. Por outro lado, assim como em diversas cidades, pedimos ajuda da população para pavimentar quase 16 quilômetros, mas no nosso caso não deu certo, porque os próprios representantes do povo, que dizem que a gente não é competente para arrecadar impostos, entraram na justiça pedindo para não cobrarmos. Ninguém faz asfalto de graça, em diversas cidades é assim. Se você tem uma arrecadação pequena, sobra 6 por cento para investimentos, e como investir 6 por cento de R$ 25 milhões?


CN: A Prefeitura já pagou as dívidas por esses asfaltos?

Krautler: Sim, já pagamos. Em alguns casos tivemos financiamento do Badesc, que está terminando de ser pago, a Adolpho Bading já foi paga, a Avenida (Rubens Ribeiro da Silva), uma parte é financiamento, outra parte é do Governo Federal.

CN: O secretário de Obras, Francisco Neri, disse em um programa de rádio que “só Deus para resolver”, se referindo aos problemas de infraestrutura do município. Isso causa desconforto para a sua administração?

Krautler: Essa afirmação dele não foi feliz. Quem acompanhou o processo de desenvolvimento de nosso município há de convir que as coisas estão bem melhores do que estavam, claro que tudo feito com muitas dificuldades. Você acha que eu não quero fazer asfalto nas ruas, arrumar o que já tem, quem não quer? Quem acha que estamos aqui para roubar, isso não existe, se não houver uma parceria, não acontece. Em 1998 foi criada a pavimentação comunitária, muitos prefeitos vieram aqui para conhecer o nosso projeto. Em outras cidades deu certo, aqui não. Não existe outra maneira, cada governo municipal tem que cuidar da sua cidade, os governos estadual e federal têm suas dificuldades também.


CN: O senhor assinou um convênio com o Badesc no valor de R$ 2,85 milhões, mas ainda não iniciou as obras. Como fica essa situação?

Krautler: Eu prorroguei o financiamento com o Badesc até de 31 de julho do ano que vem, pelo que fui chamado de ‘burro’, por deixar ‘as coisas prontas para outro partido’. Podem falar o que quiserem, eu entendo que é assim que se administra. Tenho certeza que não serei citado no ano que vem, mas estou fazendo a minha parte. Se eu sou ‘burro’, entendo que é assim que tem que ser. Dessa forma, o novo prefeito vai ter a sua disposição, no ano que vem, R$ 2,85 milhões para fazer o término da pavimentação da rua Adão Tyszka, a da Henrique Sorg e da Otto Friedrich para fazer o anel com a Roberto Elke, além de mais um trecho da Bernardo Olsen, a última etapa da avenida (Rubens Ribeiro da Silva), a continuação das reformas do centro com a sinalização e instalação de semáforos e a construção do terminal urbano da praça Lauro Muller. Dessas obras, eu poderia ter feito pelo menos a praça e as mudanças no centro, porque eu já tinha projeto, mas aí foi feito um projeto de lei (Câmara dos Vereadores) dizendo que o prefeito não poderia mexer no centro e nem fazer nada na praça Lauro Müller. Você faz uma coisa para o município e recebe uma coisa dessas, é necessário amadurecer esse jogo político.


CN: O que a Câmara dos Vereadores alegou para embargar as obras?

Krautler: Que eles precisavam autorizá-las.



 CN: Quem foi seu braço direito e quem foi sua pedra no sapato à frente da Prefeitura?
Krautler: Meu ‘braço direito’ foram os secretários que me apoiaram, alguns durante todo o período, outros durante determinada parte do período e os funcionários da Prefeitura logicamente. A pedra no sapato é essa angústia que a gente vive por essa limitação, por você se sentir incapaz de mudar esse processo, não conseguir por exemplo, mostrar ao governo do Estado que uma cidade desse porte não pode ser tratada dessa maneira, com convênios que não representam nem R$ 100 mil por ano.


CN: O senhor, a exemplo de outros prefeitos de oposição, acredita ter sido relegado pelo governo. Como enfrentou três diferentes governos, com qual deles o senhor passou por maiores dificuldades?

Krautler: O tratamento foi sempre igual. Durante o governo Paulo Afonso (PMDB), eu não tive nada, salvo R$ 10 mil que recebi para fazer uma sala de aula. Aí veio o governo Amin (PP), tivemos a presença do deputado de Canoinhas, e não mudou nada. Todos os convênios que assinamos, não se concretizaram. Dizer que precisamos ter pessoas do lado do governo, não adianta de nada se as pessoas não tiverem uma clara ideia do que é representar o município e que valor o município tem. Nesse governo (Luis Henrique) a mesma coisa. Nós queremos o mínimo que temos direito, é essa a dificuldade, não depende de governo, porque na verdade nesses oito anos não mudou nada.


CN: Pela situação cômoda que o senhor afirma deixar a Prefeitura e por ser o prefeito eleito do PMDB, partido do governador, o senhor acha que Weinert tem tudo para fazer um ótimo governo?

Krautler: Tenho certeza que sim.



CN: O senhor pretende seguir com sua carreira política?

Krautler: Por enquanto não penso nisso. Estou iniciando exames para o mestrado, estou dando aulas de administração pública, talvez reabra meu escritório de engenharia, acho que posso prestar assessoria, enfim, não penso em ser candidato a deputado, mas não pretendo abandonar a política.

Na verdade, Krautler jamais assumiu cargo público desde então. Esta foi a última entrevista dada por ele ainda em um cargo político.

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