Carlos Walter é considerado um dos maiores geógrafos do Brasil e da América Latina, senão do mundo
Dr. Jairo Marchesan*
Dr. Marcos Aurélio Espíndola**
Dr. Luiz Fernando Scheibe***
Carlos Walter Porto-Gonçalves nasceu no Rio de Janeiro (RJ) em 21/7/1949, filho de um operário e de uma artesã costureira. Fez Graduação (1972), Mestrado (1985) e Doutorado em Geografia (1998) na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Presidiu a Associação dos Geógrafos do Brasil (AGB) de 1988 a 2000. Foi companheiro pessoal de luta política e ambiental do líder seringueiro Francisco Alves Mendes Filho, o Chico Mendes. Ao longo da sua carreira acadêmica, escreveu diversos livros, entre os quais, Os (des)caminhos do meio ambiente (1989), Amazônia, Amazônias (2001), Geo-grafias: movimientos sociales, nuevas territorialidades y sustentabilidade (2001), Geografando nos varadouros do mundo: da territorialidade seringalista (o seringal) à territorialidade seringueira (a Reserva Extrativista) (2003), A Globalização da Natureza e a Natureza da Globalização (2006), Os Pivôs da Discórdia e a Digna Raiva: uma análise dos conflitos por terra, água e território em Correntina (Bahia) (2019), com Samuel Brito das Chagas, além de dezenas de artigos científicos.
Carlos Walter é considerado um dos maiores geógrafos do Brasil e da América Latina, senão do mundo. Participou da Comissão da Pastoral da Terra (CPT), envolveu-se e contribuiu na defesa dos Movimentos Sociais, como o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e no Tribunal Permanente dos Povos (TPP), dentre outros, contribuindo consideravelmente para denunciar o ecocídio do bioma Cerrado, no qual cunhou o conceito de R-existência.
Recebeu importantes honrarias, tais como: Prêmio Chico Mendes (2004), Ciência e Tecnologia do Ministério do Meio Ambiente – Carbono Brasil (2004) e o Prêmio Casa de las Américas, em Cuba, por seu livro “A Globalização da Natureza e a Natureza da Globalização” (2008). Entre os anos de 2022 e 2023 atuou como Professor visitante do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Graças a isso, durante três semestres e meio foi possível convivermos (Marcos Aurélio Espíndola e Luiz Fernando Scheibe) intensamente com Carlos Walter, participando de suas aulas e palestras, testemunhando as maravilhosas descobertas, a densa admiração e o devotado agradecimento de seus alunos e suas alunas, que fizeram questão de acompanhá-lo em todas as disciplinas e atividades que, mesmo quando já debilitado por sua doença, fez questão de ministrar presencialmente. Carlos Walter possuía enorme capacidade intelectual, interpretativa, discursiva e analítica, de maneira sempre crítica.
Caracterizava-se, também, pela busca do significado ou da etimologia das palavras para explicar determinadas situações ou contextos, bem como, por criar novas palavras e expressões, para possibilitar e imprimir reflexões diferenciadas. Uma de suas falas preferidas era: “Tem gente que fala ‘nós vai’ e sabe para onde vai! E tem gente que fala ‘nós vamos’ e não sabe para onde vai!”. O Professor Carlos Walter faleceu no dia 6/9/2023, em Florianópolis (SC). Neste nosso mundo, quando morre um dito popstar, a grande mídia badala e faz espetáculo midiático, no entanto, lamentavelmente, quando da morte deste grande Professor e intelectual, escassa foi a divulgação e raros os comentários acerca de sua biografia, história e contribuições à docência e ciência. Infelizmente, é assim que atua a grande mídia: comprometida com o capital e seus interesses, exclusivamente econômicos, ignoram ou até desprezam um intelectual desta magnitude.
Seus colegas, amigos e inúmeros discípulos, do Brasil e de toda a América Latina, contudo, expressaram de muitas formas seu reconhecimento e suas homenagens, nas redes sociais, em eventos e em revistas acadêmicas, bem como através de sentidas e emocionantes celebrações – na Universidade Federal Fluminense (UFF), nas comunidades de Fundo de Pasto na Bahia e na Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre, entre muitas outras. Carlos Walter estudou e valorizava os saberes ancestrais e dos povos tradicionais, especialmente dos indígenas, quilombolas e trabalhadores rurais, cujas lutas o inspirou e o incentivou a acompanhar “in loco”.
Questionava a cooptação da ciência pela modernidade, e alertou com profundidade para os problemas socioambientais contemporâneos advindos do processo de colonialidade e da subjetividade capitalista que, de forma sistemática, tende a alienar agenciamentos coletivos. Carlos Walter colocou-se à disposição e caminhou junto com os movimentos sociais e com os intelectuais comprometidos com a maior parte da sociedade, ficando, portanto, do lado certo da história e da maioria da sociedade. É um alguém que faz e fará falta como intelectual desafiador, comprometido com a ciência, com o conhecimento crítico e com a educação, pela sua inquietude em analisar e posicionar-se perante as injustiças, e pela busca em compreender as causas e consequências do sistema capitalista.
Nesta direção, era um intelectual que defendeu ideias e ideais, o diálogo, a democracia e o respeito às minorias. Deixou um legado intelectual de ideias, reflexões, compreensões, inquietações e inspirações para a ciência brasileira, sobretudo a Geografia e a Ecologia Política, inclusive, a latino-americana.
Deixou, igualmente, uma herança de ações que podem inspirar novas relações da sociedade humana entre si e desta com o restante da natureza. Vivas a Carlos Walter Porto-Gonçalves!
*Dr. Jairo Marchesan é docente em Geografia. E-mail: [email protected]
**Dr. Marcos Aurélio Espíndola é historiador, doutor em Geografia, graduando do Curso de Licenciatura em Educação do Campo pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET-EduCampo /UFSC). E-mail: [email protected]
***Dr. Luiz Fernando Scheibe é professor titular emérito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: [email protected]
