Tanto médicos quanto prefeita se queixam de falta de diálogo
Os médicos que faziam procedimentos cirúrgicos no Hospital São Lucas, de Major Vieira, decidiram romper relações com o Município, que administra o Hospital, depois de divergências com a nova gestão, comandada pela prefeita Aline Ruthes (PSD). Eram três os médicos: os urologistas Juliano Brasil e César Duarte do Nascimento Junior e o anestesista Ricardo de Oliveira Dreweck.
A suspeita levantada pela prefeita é de que os médicos estariam faltando com o trabalho para o qual eram concursados e priorizando os procedimentos particulares. Ela nega, contudo, qualquer rompimento unilateral de sua parte.
Segundo a prefeita, Nascimento não era funcionário do Hospital e, portanto, não existia nenhum contrato de prestação de serviço, “mas ele estava na folha de pagamento do hospital”.
Já Juliano, segundo a prefeita, há muito tempo entrou por concurso para 20 horas semanais. “Ele pediu redução de carga horária para 10 horas. No final do ano passado ele pediu para voltar para 20 horas, só que com a doença do pai dele (o pai de Juliano teve um AVC), ele queria que reduzisse para apenas 10 horas de trabalho, mas continuasse recebendo por 20 horas e isso foi negado pelo jurídico da prefeitura e por isso ele pediu exoneração”.
Já o anestesista Ricardo está de férias e tem mais cinco ou seis meses de férias pra tirar. “Até agora ele não sinalizou pedindo exoneração”, afirma.
A prefeita diz que convocou uma reunião com todos os profissionais de saúde, mas os três médicos não compareceram. “Marquei uma reunião em específico com os médicos, mas novamente eles não compareceram. Então, essa situação de que eu proibi particulares no hospital é um pouco exagerada porque eu não conversei com eles e nem eles vieram me procurar”, afirma.
Com relação ao atendimento do SUS, “nós temos muitas pessoas no município que precisam de atendimento na área urológica que estão indo para Mafra e esse foi um questionamento que a gente fez até para o pessoal do hospital. Por que não existe fila no hospital? Porque as pessoas entram na fila do Sisreg (sistema de regulação do Estado) e são atendidas em Mafra enquanto nós tínhamos dois urologistas em Major Vieira.”
SAÍDA
Juliano Brasil reclamou da falta de compreensão de como funciona a parceria por parte da prefeita, nega que tenha consultas ou procedimentos urológicos represados e que estivesse usando recursos do SUS em procedimentos particulares. “Na verdade era o contrário: usávamos nosso material para fazer SUS. Então no fim do ano tiramos nosso material de lá. E daí realmente não tinha como fazer cirurgias urológicas”. Ele explica que a parceria de 19 anos, que iniciou quando ele passou no concurso para trabalhar no Hospital, começou com a disponibilidade de seus equipamentos para fazer procedimentos SUS mediante a possibilidade de ele operar pacientes particulares na mesma unidade. Além disso, o Hospital faturava com os internamentos particulares, começando pela estadia do paciente. “Não tem mais nem cirurgiões, nem anestesista, nem equipamento, nem equipe, já que a enfermagem, que era altamente treinada, também foi demitida”, explica o médico.
“É pena, porque acaba com uma história bacana de um hospital pequeno que se manteve operante em cirurgias durante todos esses anos, sem depender de dinheiro da prefeitura (apesar de municipal, mantinha-se sozinho, sem aportes do município que só era responsável pelos nossos salários de concursados). Fazíamos 500 cirurgias por ano, e agora, nada”, lamenta.
Sobre os procedimentos que seriam encaminhados a Mafra, Juliano afirma que não há fila em Major Vieira. “Estão todos operados e todos os que buscam consultas conseguem no máximo para 15 dias (como eu atendia consultas uma vez por semana, isso quer dizer que se não conseguisse na mesma, conseguia na próxima semana). Nunca ficou nenhum paciente do SUS sem operar”, afirma, lembrando que a prefeita pode estar confundindo emergências, que cabem via contrato ao Hospital São Vicente de Paulo, de Mafra, com consultas e procedimentos eletivos (que não são urgentes), estes sim, atribuição dele e de seus colegas.
Com relação a carga horária, Juliano diz que era concursado para 20 horas semanais e de fato reduziu para 10. “Já expliquei o motivo, mas era justamente pra não ficarem dizendo que eu estava fazendo privado em horário de SUS. No fim do ano, com a eleição da Aline, eu pedi pra voltar para 20 horas, porque não compensava para mim ficar metade do meu dia em Major Vieira e receber por metade disso só. Então se ela queria que nós fizéssemos só SUS, tudo bem. Mas seria na minha carga horária normal (20 h). Porém, esse pedido foi feito antes de o meu pai ter um AVC. Infelizmente, algumas semanas depois de eu ter feito este pedido, ele teve o AVC. A gente não marca na agenda a data em que o pai vai ter um AVC, né? Com a doença dele, realmente ficou inviável para mim fazer as 20 h. Mas eu não pedi em momento nenhum para aumentar pra 20 h e trabalhar só metade. Um pedido não tem nada a ver com o outro.”
Sobre reuniões, ele diz que de fato Aline marcou, mas à tarde, quando eles atendem em consultório particular. “Quem vai pagar meu prejuízo? Se ela quer conversar com a gente que marque para o horário de trabalho. Pedimos para ela remarcar para a manhã, até porque é o nosso horário de trabalho. A resposta dela foi: ‘o interesse é dos médicos. Se quiserem terão que vir a tarde. Não vou mudar.'”
Juliano finaliza agradecendo “muito a Major Vieira, que me acolheu desde o início da minha carreira. Foi uma história longa, bonita, marcada pelo crescimento profissional de todos, inclusive do hospital. Várias gestões passaram por lá e a convivência sempre foi amistosa. Porém, quando falta reconhecimento e sobra crítica mesmo depois de tantos anos de bons resultados, é hora de seguir em frente. Mas com a devida gratidão. Sou filho único, minha mãe faleceu há pouco tempo e meu pai teve um AVC. Eu pedi licença sem remuneração por 1 ano. Essa licença foi negada – o que é direito da gestora. De modo que não me restou outra opção senão o pedido de exoneração.”
O dr César Nascimento explica que era contratado como pessoa jurídica, ou seja, não tinha vínculo empregatício com a prefeitura. Como a nova gestão optou por não renovar o contrato, ele se desligou do Hospital.
Já Ricardo confirmou que pediu exoneração e está no aguardo do acerto.
Além dos três médicos, no final do ano passado o Hospital São Lucas também perdeu o obstetra Edson Colla, que se aposentou.
HOSPITAL
Por email, a superintendente do Hospital São Lucas, Joana Nascimento, respondeu a quatro questões enviadas pela reportagem:
1) Como funcionava a parceria entre o Hospital São Lucas e médicos que faziam procedimentos particulares na sede do Hospital? Quais eram as contrapartidas?
Os médicos Juliano Brasil e Ricardo Dreweck sendo funcionários concursados do município tinham por parte do executivo um termo de cessão para realizarem a carga horária no hospital, o que foi revogado. O médico César Nascimento contratualizado com o hospital até dezembro de 2024 não entrou em contato ou se apresentou a esta superintendência até a presente data. Os profissionais supracitados foram convidados pelo executivo para uma reunião, não compareceram. Pagamento por meio dos convênios particulares de despesas hospitalares com valores pré-fixados, independente dos gastos com pessoal, medicamento e materiais.
2) O que essa parceria significava em termos percentuais e/ou valores para o faturamento do hospital?
Em fase de auditoria, tendo em vista que o pagamento de equipes (enfermagem, farmácia, higienização, nutricionista, copeiras, entre outros), compra de medicamentos e insumos e demais despesas é oriundo das contas públicas da unidade hospitalar. Havendo assim o trabalho da equipe de contabilidade realizando em tempo o levantamento de receita e despesas.
3) A curto e longo prazos, que impactos o fim dessa parceria trará para o Hospital?
A demanda atendida pelos profissionais não impactaram positivamente a população major-vieirense, havendo o encaminhamento dos procedimentos SUS das respectivas especialidades à referência regional, Hospital de Mafra. Com o findar dos procedimentos particulares sendo realizados na unidade hospitalar, visamos abranger os atendimentos SUS, encaminhados conforme protocolo.
4) Como o hospital/município deve suprir a necessidade de se ter esses profissionais?
Contratação de profissionais de diversas especialidades para atendimento ambulatorial e cirúrgico, visando a diminuição da fila SUS municipal e regional.