Investigação aponta que 858 milionários tiveram acesso ao benefício
A investigação realizada pelo Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE-SC) que revelou inconsistências nos cadastros do programa estadual Universidade Gratuita, que oferece bolsas de estudos para estudantes, não para de surpreender. O levantamento apontou que 858 alunos possuem patrimônio de R$ 1 milhão ou mais, incluindo bens de alto valor, como carros de luxo, embarcações e participações em empresas. Dentre esses, doze alunos têm patrimônios superiores a R$ 10 milhões.
O TCE-SC verificou 18.383 inscrições que apresentaram dúvidas nos dados dos programas de bolsa de estudo Universidade Gratuita e Fundo Estadual de Apoio à Manutenção e ao Desenvolvimento da Educação Superior Catarinense (Fumdesc) para o ano de 2024. Esse total representa cerca de 54% das 34.254 inscrições registradas na Secretaria Estadual de Educação.
Dentre as inconsistências, 4.430 casos foram identificados com renda incompatível com os critérios dos programas, enquanto 15.281 apresentaram divergências em relação ao patrimônio declarado. A Secretaria de Educação, ao ser contatada, informou que está aguardando o recebimento dos dados para analisar quais inconsistências podem ser consideradas irregulares.
Entre os bens de alguns dos inscritos, foram encontrados um apartamento avaliado em R$ 30 milhões, uma Land Rover Defender de R$ 733.488, um Porsche 911 Carrera 4S custando R$ 603.556 e um Porsche Boxter de R$ 547.922. O relatório também aponta a existência de duas lanchas, avaliadas em R$ 155 mil e R$ 202 mil, além de seis jet skis com valores entre R$ 8 mil e R$ 132 mil. O documento ressalta que esses bens são de difícil acesso para a maior parte da população, devido ao seu alto custo. Esses dados foram divulgados pelo jornal Folha de S.Paulo a partir da análise do relatório.
O programa Universidade Gratuita oferece bolsas integrais para cursos de graduação em instituições sem fins lucrativos de assistência social e fundações ou autarquias municipais universitárias, exigindo que cada aluno retribua 20 horas de trabalho na sua área de formação a cada mês de estudo. O Fumdesc, por sua vez, proporciona acesso a instituições mantidas por pessoas jurídicas de direito privado, com bolsas parciais ou integrais.
Para se candidatar às bolsas, o limite de renda familiar é de quatro salários mínimos para a maioria dos cursos e de oito salários mínimos para medicina. Embora não haja uma limitação explícita em relação ao patrimônio, os bens devem ser declarados e são considerados no cálculo do índice de carência que determina quem recebe a bolsa.
A Secretaria de Educação informou que todas as 18 mil inscrições serão revisadas, priorizando os casos com maior discrepância. O governo do Estado solicitou à Polícia Civil que participe das investigações assim que os dados estiverem disponíveis para os encaminhamentos necessários dentro da esfera criminal.
O TCE-SC já comunicou formalmente a Secretaria de Educação e o Ministério Público estadual e está analisando a melhor forma de compartilhar os dados apurados de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), num prazo de 30 dias. Nesta semana, representantes dos três órgãos se reuniram para discutir os próximos passos da investigação e a criação de um comitê de transparência.
O relatório também mencionou estudantes envolvidos em quadros societários de empresas com capital social variando entre R$ 9 milhões e R$ 21 milhões, o que requer uma análise minuciosa caso a caso. O maior patrimônio familiar encontrado foi de R$ 855,7 milhões, pertencente a um aluno do curso de direito, cuja renda mensal bruta familiar declarada é de R$ 3.798,92. A média do patrimônio per capita desse grupo é de R$ 213.930.042,50.
Um dos casos mais discrepantes envolve um bolsista que declarou R$ 0, mas que, na realidade, possui um patrimônio de R$ 48,5 milhões. Outro caso registrado é de um aluno com patrimônio de R$ 47,6 milhões, dos quais R$ 47,4 milhões são referentes a participação em capital social, enquanto apenas R$ 3,3 milhões foram declarados. Esses dados, também, foram compilados pela Folha de S.Paulo.
MEDIDAS
O Pleno do TCE-SC aprovou, por unanimidade, uma série de recomendações para reforçar os critérios de controle dos programas. Entre as sugestões estão a criação de uma regra que impeça a declaração de renda inferior ao valor mínimo do Bolsa Família (atualmente R$ 600) e critérios para a exclusão de pedidos de bolsa de candidatos com renda que não condiz com o patrimônio familiar. Além disso, o TCE recomendou mudanças nas regras de pontuação para a concessão de bolsas, priorizando critérios como a inscrição no CadÚnico, candidatos com filhos de 0 a 14 anos e alunos que cursaram o ensino médio em escolas públicas.
CPI

O deputado Fabiano da Luz (PT) defendeu que os parlamentares precisam debater as fraudes do programa Universidade Gratuita e que a responsabilidade do governo deve ser investigada. Em discurso na tribuna na terça-feira, dia 1º, ele citou que o Legislativo precisa abrir uma investigação, referindo-se à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).
Para o parlamentar, o Estado utilizou uma estratégia de apenas culpar os alunos, mas não justificou a omissão e falta de fiscalização. Segundo o Tribunal de Contas do Estado, as irregularidades podem custar mais de R$ 320 milhões para os cofres públicos. Na investigação do órgão, 832 bolsistas declararam patrimônio superior a R$ 1 milhão, sendo que 210 têm entre R$ 2 milhões a R$ 10 milhões.
“O mínimo que a gente tem que fazer é investigar esse programa e quem for culpado, que pague, seja estudante, seja instituição ou governo. O que não pode é essa Casa ficar, simplesmente, quieta, de olhos fechados, deixando tudo acontecer, fazendo de conta que não temos nenhuma força de ação. O mínimo é abrir uma investigação”, destacou o parlamentar, se referindo a uma CPI.
De acordo com ele, o governo, no mínimo, se omitiu diante das fraudes, já que criou um “programa de forma acelerada, sem debate e sem planejamento”, além de ter sido alertado pelo próprio órgão de fiscalização.
“Esse ponto ilustra o risco alertado pelo Tribunal de Contas já em 2023 quando da discussão sobre o desenho da nova política pública, no sentido do risco da distribuição de renda invertida, com a destinação de recursos públicos para o topo da pirâmide social brasileira”, destaca relatório do Tribunal de Contas, que identificou irregularidades em cerca de 18 mil bolsistas, mais da metade dos contemplados.
Em seu voto no relatório, o conselheiro vice-presidente do TCE/SC, José Nei Ascari, destacou que as irregularidades não se restringem apenas aos alunos e que “há falhas no próprio processo de concessão e de fiscalização, atribuídas tanto às instituições educacionais quanto às estruturas do governo.”
“Enquanto isso, tem aluno que precisa e está desesperado mandando mensagem para a gente porque fez a matrícula e agora não tem bolsa. O governo precisa fazer um programa que realmente favoreça as pessoas, principalmente as que mais precisam”, destaca Fabiano.