sexta-feira, 26

de

abril

de

2024

ACESSE NO 

Cemitério do Paquetá

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“Confesso que mesmo sendo um padre tive medo naquele momento”

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João Damaceno Filho*

 

 

 

Relatos do padre Joaquim Irineu sobre acontecimentos no entorno do cemitério do Paquetá no ano de 1912. As palavras a seguir são do padre Joaquim Irineu:

 

 

 

 

Logo após a missa de domingo, uma senhora me procurou, sua voz aparentava não ter mais do que 30 anos. Eu não pude ver seu rosto, pois estava no confessionário, lembro que esse dia uma tontura repentina tomou conta de mim, parecia até que ia desmaiar. A mulher estava ofegante e seu falar era visível de enorme tristeza e ressentimento, mas sua história não era propriamente de sua pessoa, ela começou com uma história de terror confuso, tentei interromper a sua fala, mas ela dizia:

 

 

 

 

– Em nome de Deus ouça padre!!

 

 

 

 

Estava triste, dava pequenas pausas em sua fala, só depois de alguns minutos ela retomou o controle e começou sua história. Disse que eu tinha que ir atrás do cemitério do Paquetá, dizia que lá se encontrava uma criança que precisava de ajuda, tentei procurar, mas detalhes daquela fala estranha, mas ela não parava de dizer.

 

 

 

 

– Em nome de Deus ouça padre!!

 

 

 

Procurei não mais interromper a mulher, então ela falou, falou e falou, mas de repente pairou um silêncio, eu falei.

 

 

 

 

– Moça! Moça, ainda está aí?

 

 

 

 

E ela não estava mais, era muito estranho eu nunca tinha passado por tal situação, confesso que mesmo sendo um padre tive medo naquele momento, como aquela mulher tinha sumido daquele jeito, orei muito naquele domingo.

 

 

 

 

A tarde caiu eu estava sozinho na paróquia e não podia deixar de pensar na fala da estranha mulher, voltei a orar, mas algo me dizia que eu teria que ir até o local mencionado por ela, e foi o que fiz. Olhei pela janela já estava anoitecendo e uma garoa começava a cair, era inverno então me preparei, coloquei uma japona, peguei meu guarda-chuva e fui em direção ao cemitério mesmo achando aquilo uma loucura.

 

 

 

No caminho tive a impressão de estar sendo observado, olhava pra trás e nada, era incrível. Depois de atravessar muitas encruzilhadas, passar por vários quarteirões cheguei em frente ao cemitério, era de arrepiar. Aquele enorme portão de ferro, aquele imenso muro branco eram de tirar o fôlego. A garoa atrapalhava minha visão, minha japona estava bem molhada, mesmo com o guarda-chuva estava ficando tudo molhado.

 

 

 

 

 

Fiquei por alguns minutos em frente ao cemitério, foi aí que lembrei que não era no cemitério que a mulher tinha visto a criança e sim atrás dele. Olhei a lateral em direção ao fundo e tive medo, estava muito escuro, com certeza não seria prudente ir até lá, pois poderia ser violentado ou assaltado. Eu estava prestes a ir embora, mas algo muito estranho aconteceu, um choro, um choro muito forte de criança vinha do fundo do cemitério. Era o choro mais horripilante que já tinha ouvido em toda minha vida, se confirmava a história da estranha mulher. Fiquei apavorado não podia parar de pensar na estranha senhora do confessionário, mas mesmo assim tomei coragem e fui ao fundo do cemitério.

 

 

 

 

A cada passo que eu dava mais parecia que estava sendo seguido, parecia que estava sendo observado, me apavorei naquele momento. Enfim cheguei ao fundo do cemitério o choro estava cada vez mais alto, cada vez mais forte, conseguia ouvir o choro da criança, mas não conseguia ver criança alguma eu pensava:

 

 

 

 

– Meu Deus, como isso pode estar acontecendo!

 

 

 

O mal-estar tomou conta de mim, uma tontura, minhas vistas escureceram, pensei que fosse desmaiar naquele momento. Mantive-me forte e voltei para rua da frente e mesmo assim ainda ouvi o choro da criança, mas não tinha criança alguma na rua atrás do cemitério, não era delírio, era real. O mais impressionante era que em todo esse tempo não pude ver uma alma sequer na rua, não tinha ninguém na rua, a rua estava vazia, era apenas eu, a fria garoa e o medo, pensei em ir embora. Mas não podia fazê-lo, tinha que descobrir o que estava acontecendo, o que significava aquilo tudo, respirei fundo e novamente voltei ao fundo do cemitério, e sempre com a terrível impressão de estar sendo seguido.

 

 

 

 

 

Mas dessa vez pude ver um pequeno cesto de palha bem junto ao muro do cemitério, e era de lá que vinha o choro, com certeza era no cesto que estava a criança. Aproximei-me, estava com muito medo, algo me dizia que viriam fortes emoções, e foi o que aconteceu. Ao ficar em frente ao cesto tive uma das visões mais terríveis de toda minha vida, era sim uma criança, mas uma criança deformada, seus olhos eram negros, seu corpo estava sem pelo nenhum. Notei uma cor cinzenta em sua pele, e o mais impressionante eram dois dentes enormes o deixando como uma face que se parecia de um javali, uma imagem aterrorizante. Mas mesmo diante a tanto horror o semblante da criança parecia angelical com o tempo o medo saiu do meu corpo e a compaixão tomou conta do meu ser.

 

 

 

 

Por mais que fosse enorme a deformidade daquela criança o seu choro parecia pedir ajuda, clamava por socorro. Fiquei sem ação, estava no meio da rua, atrás do cemitério em frente a um cesto com uma criança deformada dentro dele, o que eu poderia fazer naquele momento. Foi aí que vi nitidamente uma mulher vindo em minha direção, eu tinha certeza que era algo paranormal, pedi proteção a Deus e fiquei firme. A mulher parou, seus negros cabelos longos tampavam seu rosto, ela estava a uns 10 metros de mim, sem pronunciar uma só palavra. Olhou em meus olhos e virou de costas andando em direção a um casebre que estava ao lado do cemitério, fiquei parado vendo a mulher se distanciar, seu andar era lento e fora de compasso.

 

 

 

 

Tudo parou naquele momento, o choro da criança cessou, a chuva parou, a mulher olhou pra trás fazendo um gesto com as mãos, percebi que queria que eu a seguisse. Eu estava morrendo de medo, mas se estava passando aquela situação era vontade de Deus, então tinha que fazer, com certeza Deus sabia que eu era capaz de cumprir sua vontade. Mantive uma distância de uns 5 metros da mulher, mas segui seus passos.

 

 

 

Ela entrou por um longo corredor ao lado de um casebre de madeira, ficava claro que tudo aquilo estava abandonado, eu pensava:

 

 

 

– Meu Deus, o que estou fazendo?

 

 

 

A mulher não dizia nada, apenas andava para o fundo do enorme corredor, até que de repente ela se agachou e apontou para uma espécie de compartimento acoplado ao piso. Nesse momento uma espécie de sirene tocou, o barulho era ensurdecedor, fechei meus olhos e tapei os ouvidos, mas quando o barulho infernal passou a mulher misteriosamente tinha sumido, se tratava de algo sobrenatural. Então fui ao lugar que ela apontou, percebi que havia uma pequena tampa de cimento, removi a tampa com cuidado e pude ver uma espécie de baú que tinha por volta de uns 90 centímetros. Peguei o baú coloquei em cima de um banco de madeira e ao abrir mais uma vez um enorme pavor, era o esqueleto de uma criancinha, mas não era o esqueleto de uma criancinha comum. Era o esqueleto daquela mesma criança do fundo do cemitério, eram os mesmos dentes enormes no crânio.

 

 

 

Naquele momento de grande agonia orei a Deus, orei com toda minha força, só assim pude entender, pude realmente compreender tudo o que estava acontecendo. Era o espírito da mãe da criança, por algum motivo ela queria que os ossos de seu filho fossem enterrados dignamente, seu olhar de tristeza também tinha mostrado que de algum modo ela, a mãe, tinha culpa de tudo aquilo.

 

 

 

Peguei o pequeno baú e fui pra fora do velho casebre, eu estava ao lado do cemitério já sabia o que tinha que fazer, fui pra frente do cemitério. Não entendia porque eu era o escolhido para tal tarefa, mesmo com medo abri o grande portão, fiquei receoso de ser interpelado por algum vigia noturno. Mas pra minha sorte não tinha ninguém no cemitério, era domingo à noite, nenhum louco ousaria ir a um cemitério domingo à noite.

 

 

 

 

Aproximei-me de uma árvore, uma grande árvore no centro do cemitério, com uma pá improvisada fiz uma pequena cova rasa e com dignidade e respeito depositei os ossinhos da criança. Quando me levantei pude ver a mesma mulher com um sorriso no rosto, e novamente ela se virou e desapareceu, vi que tinha cumprido minha missão. Dirigi-me para fora do cemitério, abri o grande portão e saí, mas antes de fechar o portão pude ver o espírito do garotinho e a seu lado um espírito de luz.

 

 

 

 

 

A paz tomou conta de mim, olhei pro céu e agradeci:

 

 

 

– Obrigado meu Deus!

 

 

 

*João Damaceno mora em Santos, no litoral de São Paulo, é mecânico industrial e escritor

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