Entre os homenageados, o imortal Fernando Tokarski
A Academia de Letras do Brasil, subseção de Canoinhas (ALB), promoveu uma sessão solene para celebrar os 11 anos de fundação da entidade. O evento aconteceu neste sábado, 3, na Joy Festas e Eventos.
Durante a cerimônia, o imortal Fernando Tokarski, escritor, professor, pesquisador e historiador recém-falecido foi homenageado. O filho de Fernando, João Tokarski, recebeu o fardão do pai em nome da família. Todos os membros da Academia falaram sobre as virtudes e as contribuições dadas pelo escritor para a história regional.
Receberam comendas da ALB Canoinhas, duas personalidades locais. A professora Maria de Lourdes Brehmer e o administrador de empresas Romeo Vier.
A acadêmica Jéssica Hoppe leu texto escrito pelo também imortal Matheus Prust em homenagem a Maria de Lourdes. Já a acadêmica Rosane Godoi fez a homenagem a Vier. A sessão foi presidida pela presidente da ALB Canoinhas, a escritora Adair Dittrich. Abaixo leia os dois textos:
Outorga da Comenda Ouro Verde à Confreira Maria de Lourdes Reisdoerfer Brehmer
Por Matheus Theodorovitz Prust – Acadêmico da Cadeira 22

Há na história das cidades do nosso interior algo de épico e íntimo ao mesmo tempo — uma construção feita não de datas em livros, mas de vozes, de mãos, de exemplos. Canoinhas, com seus campos, pinheirais e silêncios carregados de memória, tem na figura de Maria de Lourdes Reisdoerfer Brehmer uma dessas presenças que excedem a noção comum de cidadania. A Professora Maria de Lourdes — assim chamada com ternura e reverência — é, para nós, confreira de letras, cidadã honorária por direito e por afeto, mas, sobretudo, é uma força vital de
nossa cultura. Hoje, ao receber a Comenda Ouro Verde, símbolo maior de mérito na vida cultural, artística e social de Canoinhas, celebramos mais que uma trajetória: celebramos uma obra de vida.
É difícil capturar em palavras tudo o que Maria de Lourdes representa. Ela é mulher de fé, de música, de escola, de comunidade. Veio da terra do Timbó, filha dos imigrantes que fizeram da música um modo de manterem suas tradições mesmo nas distâncias do mundo. Começou cedo, entre harmônios, violinos e coros escolares.
Ainda adolescente, já sentia no peito o chamado duplo — para o ensino e para o canto. Foi discípula das Irmãs Franciscanas, aprendeu o rigor e a beleza da arte musical como quem aprende a respirar. E nunca mais deixou de ensinar.
Professora por vocação e convicção, Maria de Lourdes moldou gerações inteiras com sua batuta firme e seu coração largo. Regeu coros, ergueu vozes, afinou destinos. Foi maestrina de crianças, jovens, senhoras e senhores, mas sobretudo é mestra de humanidade. O centenário Coral Santa Cecília, que hoje é patrimônio imaterial do município, tem nela uma pedra fundamental — ela que o serviu com dedicação incansável desde os anos 1980, mas cuja atuação data ainda da década anterior.
Seu trabalho com os corais escolares, litúrgicos, municipais e comunitários deixou marcas que ecoam como harmonias no tempo.
E não foi só nos palcos que sua presença brilhou. Como gestora educacional, dirigiu escolas, coordenou regiões, implantou programas pioneiros como o “Educação no Campo Rural” e o “Leia Canoinhas”. Criou o “Coral Anjos da Paz”, que reuniu centenas de crianças da rede pública, e trouxe para a cidade cursos de violino, violoncelo, flauta
doce e canto coral — sementes de um futuro musical mais justo e amplo.
É autora de arranjos, compositora de hinos, organizadora de oficinas, criadora de projetos e, acima de tudo, cultivadora de sonhos. Cada nota entoada por aqueles que ensinou é um testemunho da sua missão. Seus alunos são hoje professores, músicos, pais e mães que aprenderam que cantar juntos é resistir, é pertencer, é construir
comunidade.
É possível sumarizar os seus feitos em poucas palavras? Foi professora da educação básica e do ensino superior; formou-se em Letras pela FAFI e em Artes pela UDESC, onde venceu concurso de criação do logotipo institucional, que até hoje é “a cara” da universidade do estado; ilustrou o livro Ipomeia, de Mário Tessari; fundou e regeu o
Coral Coliarte em Joaçaba e Herval d’Oeste; regeu o Coral Bento Mossurunga de Porto União; é regente do Coral Santa Cecília de Canoinhas há cerca de 50 anos; cofundadora e primeira secretária da APAE de Canoinhas, que se encaminha para o seu primeiro cinquentenário; idealizadora e regente do coro natalino Anjos da Paz;
atuou como diretora de escola e como Coordenadora Regional de Educação; foi Secretária Municipal de Educação de Canoinhas; criou e implantou os programas Educação do Campo e Leia Canoinhas; promoveu a introdução do ensino de canto e instrumentos musicais na rede pública; lecionou em escolas como Colégio São José e Escola Antonieta de Barros em Herval d’Oeste, Escola São Roque em Treze Tílias, Colégio Sagrado Coração de Jesus, Colégio Estadual Santa Cruz e FUNPLOC em Canoinhas; lecionou ainda no ensino superior na UNC de Mafra e Rio Negrinho; e, em todos esses espaços, foi ponte entre cultura, educação e humanidade. Especialmente, foi coidealizadora das grandes “Oficinas de Música da Região do Contestado”, impactando centenas de vidas. Recebeu a Medalha Irmã Carolina Gross, como
reconhecimento de sua carreira musical, é Cidadã Honorária de Canoinhas e membro basilar da ALB-Canoinhas.
Mas, mais que os feitos — que já seriam suficientes para encher livros — é sua grandeza de espírito que nos comove. A Professora Maria é incansável. É a primeira a chegar, a última a sair. É a que deita a cabeça no travesseiro apenas para poder sonhar e idealizar um futuro melhor. É quem se prostra de joelhos para pedir interseção por todos nós. É a que abraça com firmeza, que fala com clareza, que
escuta com a alma… É quem recita poesias como ninguém. Não há solenidade em Canoinhas que não traga um pouco de sua voz. Não há criança nascida nesta terra nos últimos 50 anos que não tenha sido, direta ou indiretamente, tocada por sua música, seu ensino e seu carinho. É filha, irmã, esposa, mãe e avó que tem na família
o pilar de sua existência. É quem faz para os outros, e não para si; é quem inspira pela sua essência.
Por tudo isso (e por muito mais que as palavras jamais alcançarão), é com emoção que a Academia de Letras do Brasil – Seccional Canoinhas se curva em honra a essa mulher inexcedível. Maria de Lourdes Brehmer não apenas representa o espírito da Comenda Ouro Verde — ela a justifica, a engrandece, a eterniza. Receba, querida confreira – no 3 de maio, dia da Santa Cruz de Canoinhas – o nosso reconhecimento, o nosso carinho e, acima de tudo, a nossa gratidão. “Canoinhas é mais bonita, mais sábia, mais humana e mais afinada porque você
escolheu chamá-la de lar.”
Com carinho, seu aluno Matheus e toda a comunidade da Academia de Letras.
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Outorga da Comenda Ouro Verde à Romeo Vier
Por Rosane Godoi

Numa noite fria, após terminada minha jornada de trabalho até às 22h, fomos lanchar no Fricotes. O restaurante estava vazio àquela hora. Somente uma mesa com três homens conversando animadamente. Um deles um senhor alto, de voz potente e cabelos e bigode muito ruivos. Falava animadamente sobre a Alemanha, a Suíça, caminhos da Europa por onde havia passado. Desfilava ali todo os seu conhecimento sobre a cultura e história do velho continente, sempre atrelando exemplos que poderíamos por em prática em nosso meio. Juro que, se pudesse, teria me sentado junto com eles para ouvir aquelas histórias e compartilhar as minhas e mais, sonhar junto com eles o sonho de fazer do Brasil um país de primeiro mundo.
Não sabia quem era aquele homem, nem sei se um dia fomos apresentados. Só sei que nas reuniões e nesses eventos da vida nos conhecemos e nos aproximamos. Descobri que sua história se funde à minha e nossas origens remontam à velha Alemanha e ao Tewald no Brasil que, para quem não sabe, té significa chá em alemão, chá vem da erva-mate, walt significa matagal, logo Teawalt é um matagal de erva, ou um Erval. Daí o nome da hoje Santa Maria do Erval, região onde nossos descendentes, oriundos de Beinbern, região de Hunzrück, na Alemanha, fixaram moradia ao fugirem da fome e da perseguição no velho continente. Aportaram, então, no Brasil famílias e imigrantes, a região destinada a eles era inóspita de difícil acesso devido às altas e íngremes montanhas. Enfrentaram o frio, a fome, os animais selvagens, o Tifo, a Tuberculose, confronto com tribos de índios e outras epidemias. Foram jogadas a própria sorte sem nenhuma assistência governamental. Sobreviveram porque tinham muita fé. A fé Cristã.
Por que estou falando sobre essa parte da história? Porque a verve do homem que hoje se torna o Comendador Romeo Vier vem daí. Porque ninguém se faz do nada se não tiver uma estrutura firme e sólida. Assim se forja o homem, vencendo as dificuldades.
Romeo Vier, o segundo mais velho de uma de uma família de 13 filhos, Nelson Vier e Rainilda Luisa Vier, nasceu em 17/02/1951 na comunidade de Padre Eterno na então vila de Santa Maria do Herval, Rio Grande do Sul, onde permaneceu até setembro deste mesmo ano quando migrou para Porto Vitória, então distrito de União da Vitória (PR).
Aos sete anos precisava estudar e não havia escola, Igreja, comércio, etc. O transporte era a cavalo, carro de boi, bicicleta ou a remo no rio Iguaçu abaixo, sobre jangada, canoa, às vezes de lancha.
A comunidade contava com 15 famílias num raio de cinco quilômetros. Reuniram-se então os pais e construíram uma Escola na comunidade de Rio dos Banhados, município de União da Vitória. A pessoa com o maior grau de instrução tinha o terceiro ano primário.
Para fazer o ginásio, as condições eram piores, pois morava a 19 quilômetros do centro de União da Vitória e não havia sistema de transporte como hoje, mas venceu trabalhando na agricultura e pecuária.
A diversão era a caçada de pássaros, tatu, paca, cutia… o pão era feito no forno a lenha, de tijolos, duas vezes por semana. E cada vez eram seis ou mais pães de forma, formas estas feito da latas de querosene de 20 litros, da marca Jacaré, e quando se tirava da forma aparecia a marca do jacaré em baixo relevo no fundo do pão. Assim era a vida. Enfrentavam todo tipo de adversidade, desde os leões baios, típicos da região, a animais peçonhentos como cobras que se escondiam no paiol, nos galinheiros e até mesmo nos colchões de palha.
Foram crescendo, e a preocupação dos pais foi aumentando face o nível cultural e tradição da comunidade que os rodeava. Naquela época, 1955 em diante, na comunidade de Porto Vitória, havia também pessoas e catequistas melhor preparadas para o ensino religioso. Esta comunidade ficava a dez quilômetros de casa, tinha de atravessar o rio Iguaçu de canoa e andar mais sete quilômetros a pé. No início iam acompanhados pelo pai para conhecer as pessoas e o caminho, logo teriam que ir sozinhos. Seu tio, Bertoldo Vier, era presidente da Igreja e do Clube recreativo, Salão de Mola, e Bolão, Maestro da Banda Flor da Serra, onde se reuniam todos os domingos para se confraternizarem e se divertirem. Na parte da manhã, tinham aula de catequese, de canto, canto coral, grupos de jovens, cada um dentro de sua idade e a cada 15 dia vinha o Pe. Francisco Xavier (colega de Seminário do Pe. Eduardo Zumermater, vigário de Taió) para celebrar a Santa Missa.
Onde moravam, o português estava se tornando bem acaboclado, tipo “palha de milho = paia de mio”, “Você = Vós micê”, “Família = famia” etc. O pai e a mãe falavam pouco português, mas seus irmãos, que eram formados, os alertaram pela necessidade de uma suplementação de conversação, e o idioma alemão estava sendo esquecido, pois praticamente 80% da comunidade onde morava e estudava era de origem ucraniana, polonesa, com influência e predominância cabocla, o que dificultava até a comunicação, pois até aos sete anos falavam somente o alemão em casa.
Foi então que, numa festa de aniversário, ouviu uma conversa, alguém falou que o Seminário seria uma grande oportunidade para se estudar. Dois dias depois embarcava para o Seminário em Taió. A este período atribui grande parte de sua formação. Porém, lá descobriu não ter vocação para o celibato e a vida monástica. E acabou retornando à casa dos pais.
Mais tarde a família muda para União da Vitória onde trabalhou em diversas empresas e fez o científico. Mas ele queria mais, fez vestibular para o Curso de Geografia, pois era um estudioso da área, mas já em 1972 descobriu que o magistério era uma profissão pouco valorizada. Romeo queria mais, queria ir além e apesar de estar em uma faculdade pública, sem custos, descobriu que em Canoinhas fora aprovado o curso de Administração de Empresas da então Funploc, hoje Universidade do Contestado, mas ficava a 85km de casa e a faculdade era particular. Então, reuniram-se em oito calouros, compraram uma Kombi 1968 e enfrentaram a estrada de chão até Canoinhas, porém acabou mudando para Canoinhas de onde nunca mais saiu, para nossa sorte. Formou-se administrador na primeira turma da Funploc juntamente com a nossa querida comendadora Cecy Allage.
Romeo é casado com Tarcícia Mers, pai de Luciana e Leandro. É um cidadão canoinhense, embora sem ter nascido aqui. Aqui trabalhou no Fricasa Alimentos, mas fala com orgulho e carinho das Empresas Fuck. Depois abriu sua própria empresa, a Vier Comércio e Automação.
Romeo Vier é um estudioso da história, da imigração e do desenvolvimento do Brasil. Com sua visão perspicaz de mundo logo se tornou um líder da comunidade e participou e participa de muitas Associações de classe, entidades empresariais, comunitárias, religiosas, Coral Santa Cecília… a maioria delas voluntariamente.
Este é o homem que aprendi a gostar (de verdade) e respeitar, descobri até mesmo um parentesco um pouco distante. Este é um homem que tem uma história, e ele tem muitas, muitas histórias para contar, eu poderia ficar aqui a noite inteira falando. Aliás, Romeo é uma das pessoas com quem eu mais gosto de conversar porque a gente aprende, a gente cresce. É de pessoas assim que é feita uma cidade, um país. E nós, através da Comenda Ouro Verde, temos o dever de reconhecer, enaltecer e imortalizar essas pessoas que fizeram e continuam fazendo a nossa história. Ao, literalmente grande Romeo Vier, por sua trajetória e exemplo de vida como homem correto, pai exemplar e cidadão que não se nega a lutar pelo engrandecimento da nossa cidade, o meu respeito, a minha admiração e a minha gratidão.