Em 2023, Santa Catarina produziu cerca de 130 mil toneladas de erva-mate, movimentando R$ 176 milhões
À primeira vista, é apenas uma floresta. Mas um olhar com mais atenção revela que, à sombra de árvores como araucária, imbuia, canela, guamirim e guaraperê, tem produção de erva-mate. Assim é a agrofloresta de 12 hectares que Eurico Rocha conduz em Ponte Serrada, no Oeste Catarinense, em meio à mata nativa, seguindo a tradição iniciada pelo avô.
“Além desses 12 hectares, tenho uma área de reserva com plantas de erva-mate que não mexo – mantenho preservada, como um banco de sementes. Nunca tive problemas com pragas e doenças e acredito que seja por conta dessa preservação”, relata. O manejo é simples e Eurico não usa insumos químicos – apenas esterco suíno para adubação. Com os resultados da análise de solo, faz a correção da acidez.
A colheita acontece a cada dois anos e meio. Na área com plantas mais adensadas, Eurico colhe cerca de 15t/ha, e nas outras áreas, a produtividade é de cerca de 7t/ha. “Mas o retorno maior é a preservação: olho para a minha área de floresta e é um verde só. Cada um tem que fazer a sua parte: precisamos de mais agroflorestas”, diz o produtor, que também trabalha com apicultura e planeja destinar parte da propriedade para criar uma reserva de proteção permanente.
NA SOMBRA DA MATA
As agroflorestas nativas como a de Eurico, somadas às que foram implantadas pelos agricultores, respondem por cerca de um terço da produção de erva-mate catarinense. O Estado conta com mais de 16 mil hectares de cultivo, do Planalto ao Extremo Oeste, o que equivale a 20% dos plantios no Brasil.
Em 2023, Santa Catarina produziu cerca de 130 mil toneladas de erva-mate, movimentando R$ 176 milhões. A planta, além de dar sabor ao chimarrão, a chás e sucos, é ingrediente de uma gama cada vez maior de produtos e compõe a renda de milhares de famílias – para muitas delas, é a principal fonte de sustento.
“A erva-mate é uma planta nativa que se adapta muito bem às condições de clima e solo da nossa região. Em sistemas agroflorestais, tem a capacidade de trazer bons rendimentos e ao mesmo tempo fazer conservação de solo e água”, destaca Paulo Alfonso Floss, pesquisador da Epagri.
PLANALTO NORTE
A maior potência das agroflorestas catarinenses de erva-mate é o Planalto Norte, que também responde pela maior fatia da produção do Estado. Nessa região, a planta é cultivada em áreas chamadas de caívas: à sombra de árvores nativas, como a araucária, sem a presença de espécies exóticas ou uso de agrotóxicos. O resultado dessa combinação é uma erva-mate mais doce e menos amarga, com folhas mais verdes e maior teor de cafeína.
As características de clima, solo e da cultura dessa região tornaram a erva-mate do Planalto Norte Catarinense um produto único. Em 2022, ela foi reconhecida por essa singularidade e conquistou a Indicação Geográfica (IG) na categoria Denominação de Origem (DO), em um processo que teve apoio da Epagri.
O registro, concedido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), abrange 12 cidades e, parcialmente, outros oito municípios. A certificação tem potencial para impactar positivamente toda a economia do Planalto Norte, porque traz valor agregado aos produtos, aumentando a renda dos produtores rurais e impulsionando setores como o turismo.
Erva-mate do Planalto Norte Catarinense é mais doce e menos amarga, tem folhas mais verdes e maior teor de cafeína/Divulgação
TRADIÇÃO E TECNOLOGIA
A Epagri trabalha para desenvolver e estimular a cadeia produtiva da erva-mate desde a década de 1980. As pesquisas são realizadas na Estação Experimental de Canoinhas e no Centro de Pesquisa para Agricultura Familiar (Cepaf), em Chapecó, que se dedicam à produção de sementes e mudas, ao melhoramento genético e ao manejo produtivo.
Essas décadas de trabalho já resultaram em uma série de entregas para os produtores, como o primeiro pacote tecnológico para a erva-mate no Brasil. Em parceria com a Embrapa Florestas, a Epagri também lançou o primeiro cultivar de erva-mate do País: SCSBRS Caa rari. Atualmente, a Empresa desenvolve pesquisas com diversos materiais genéticos, tanto para plantio em pleno sol quanto à meia sombra. “No próximo ano, vamos lançar, em parceria com a Embrapa, uma variedade de erva-mate para plantio em pleno sol e com sabor diferenciado”, revela o pesquisador Paulo Floss.
Em parceria com a Embrapa, a Epagri está desenvolvendo uma variedade de erva-mate que será lançada em 2026 / Divulgação
O trabalho da Epagri também tem contribuído para sombrear novas áreas de produção de erva-mate no Estado. “Muitos produtores que tinham plantios a pleno sol estão, gradativamente, adotando o sombreamento. Embora precise de mais tempo entre as colheitas, a erva-mate sombreada tem mais qualidade, sabor agradável e é preferida pela indústria”, diz Paulo.
Nesses casos, a Epagri orienta o plantio de 50 a 100 araucárias por hectare. “O sombreamento deve ser de, no máximo, 30%, para não provocar queda de produção”, explica.
CONHECIMENTO TÉCNICO
Em 2024, a Epagri atendeu 955 pessoas sobre a produção de erva-mate e 430 pessoas sobre produção agroflorestal. Um trabalho de destaque foi a capacitação de produtores de Passos Maia, Ponte Serrada e Vargeão, que é um polo produtivo no Oeste Catarinense. O trabalho, que ainda está em andamento, envolveu um Seminário Regional, uma viagem técnica e um curso de formação continuada.
Nas capacitações, os produtores conhecem tecnologias que aumentam a produtividade / Divulgação
“É possível sair de um patamar de baixas produtividades e alcançar patamares competitivos com algumas técnicas simples de tratos culturais, adubação e poda correta. Tudo isso está sendo trabalhado nas capacitações. Alguns produtores que acompanhamos relatam que a aplicação das tecnologias já começa a dar os primeiros resultados”, diz Leila Tirelli da Motta, extensionista da Epagri em Vargeão.
Um dos beneficiados é o produtor Eurico, que mantém a agrofloresta em Ponte Serrada. Aos 56 anos, ele já tem mais de 20 certificados de cursos da Epagri. “Comecei a participar muito cedo, incentivado pelo meu pai, que já recebia assistência técnica na propriedade”, lembra.
“Cada um tem que fazer a sua parte: precisamos de mais agroflorestas”, diz o produtor Eurico Rocha / Divulgação
Mas muito além do conhecimento técnico, Eurico atribui sua visão de mundo e o forte trabalho na área ambiental ao aprendizado que acumulou em mais de 40 anos de parceria com a Empresa. “Eu vejo, hoje, que esses cursos vão muito além da questão técnica. Eles abrem a mente do agricultor. Eu sou muito grato, porque me tornei empreendedor graças a esses cursos, que me tiraram da propriedade e me levaram para outros lugares”, diz Eurico, que hoje também trabalha como consultor ambiental.