terça-feira, 16

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abril

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2024

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Uma noite de amor em alto-mar

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George estava envolto em uma aura de paixão ilimitada

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Quando George a viu nua debruçada sobre os travesseiros passou a beijar, freneticamente, todo o seu corpo. Suavemente tentou tocar a horrível cicatriz em seu ventre. De imediato ela afastou suas mãos cobrindo aquela imagem com o lençol. Sempre escondera de todos esta horrível lembrança que marcara sua vida. E agora o rapaz por quem estava perdidamente apaixonada olhava fixamente para ela. Não conseguia discernir se com curiosidade ou com ternura.

George afastou o lençol. Com suavidade passou as mãos pelas cicatrizes e com a maior ternura começou a beijá-las.

— Meaghan, minha amada, de agora em diante esta imagem não trará mais para você a lembrança de um terrível dia que deverá ir se apagando na memória dos tempos. – Enquanto falava tornava a acariciar e a beijar o ventre dela. — A partir de agora, meu amor, apenas este momento você recordará quando, nua, olhar-se no espelho.

Era uma nova experiência na vida de George. Muito diferente do que lhe haviam falado. Porque estava envolto em uma aura de paixão ilimitada. Jurava que de seus braços ela jamais se desvencilharia.

— Muito ainda preciso lhe contar, meu amado. Como eu disse, se você quiser me ouvir.

Recostados sobre a pilha de travesseiros ficaram os dois por algum tempo em silêncio.

— O que a levou, enfim, a participar desta Companhia de Danças?

— Quando os médicos me deram alta do hospital, longe estava eu ainda de uma total recuperação. Não tinha forças nem para pegar uma colher para tomar um prato de sopa. Minha mãe dava-me de comer na boca como na época em que eu era bebê. Por algum tempo o dinheiro que os empregados do palacete nos deram ajudou à nossa manutenção. Depois fomos vendendo as joias que recebêramos de presente de Howard.

Segui com minha mãe pelos caminhos que a vida nos mostrava. Trabalhando nas casas de pessoas abonadas. Minha mãe sabia fazer de tudo. Mas não deu tempo de me ensinar. As tragédias consumiram sua vida. Não sei como sobrevivi nos primeiros tempos sem ela.

Steven não era um homem feito. Era um rapaz franzino. Até hoje não entendo como sua brutalidade e sua força acabaram comigo. Talvez pelo soco que deu em minha cabeça. Passei muito tempo ruminando uma vingança.

Apesar dos conselhos de um dócil pastor em cuja igreja entrei, por acaso, certo dia, para escapar de uma tempestade, ainda guardo dentro de mim esta angústia e este rancor.

Estava eu de volta a Londres, sozinha, gastando os últimos pence que me restavam dos trabalhos que minha mãe realizara quando, ao passar por uma rua vi o anúncio de um cabaré bem no estilo daqueles de Paris. Na porta, quadros com as moças de saias coloridas que voavam até para cima de suas cabeças. Embaixo, um aviso de que estavam fazendo testes para novas bailarinas. Parecia-me um sino a ecoar em minha cabeça.

Um dia Steven entrará neste cabaré. Ele não perde por esperar. Lembro-me muito bem dele. De seus amigos, um pouco. Mas se tornar a vê-los… certamente os reconhecerei… E todos pagarão pelo que fizeram para mim e para minha mãe. Não sei ainda como. Aos poucos irei arquitetar meus planos…

Foi o que passei a ruminar. Ousei apresentar-me. Fui aceita. Era quase uma menina. Logo percebi que não era apenas para dançar o cancã que atraíam as moças. Os serviços continuavam em cômodos que ficavam atrás dos camarins. O que eu tinha a perder? Jamais encontraria um homem que me aceitasse para com ele viver pelo resto de nossas vidas. Como explicar a maneira com que na inconsciência e brutalmente eu fora quase assassinada? Poucas pessoas acreditariam na minha história. Sabe, as mulheres sempre são culpadas. Não importa a idade em que foram estupradas. A nossa sociedade machista não aceita. A culpa é sempre das mulheres que seduzem, com sua malícia, os pobres homens que caem em tentação.

— Mas você me seduziu — falou George, dando-lhe um demorado beijo.

— Mas quem foi que me cingiu pela cintura quando eu passei a seu lado? Quem foi que deu o primeiro abraço? E o primeiro beijo? Até achei que você já tivesse passado noites e mais noites com muitas mulheres em sua vida…

Novamente a resposta de George foi outro beijo estonteante que a deixou em êxtase.

— Deixe-me continuar, George. Pela primeira vez na vida eu consigo pôr para fora toda esta angústia que sempre me invade.

“Foi assim que sobrevivi desde então. Pelos palcos a dançar o cancã. Pelos salões, uma atriz. Nas camas, ao lado de homens que só buscam a orgia. No começo era trágico. Depois acostumei-me a aceitar esta vida. Era a única que me restava. Como eu já lhe disse. Jamais um homem me aceitaria como esposa depois que conhecesse a minha história. Anos mais tarde a nossa Companhia de Dança foi contratada para divertir os homens nas viagens marítimas. Então tenho corrido os mares do mundo distribuindo prazeres transitórios a uma plêiade de homens desvairados. Mais desvairados do que nós que somos os instrumentos de seus desvarios.”

— Mas comigo é diferente Meaghan. Comigo será diferente. Apaixonei-me por você no momento em que a vi passar por mim dentro deste navio.

— Não George, a sua paixão continua sendo por minha irmã que ficou lá no Castelo de Sworth. O que você viu em mim foi um espelho a mostrar a imagem dela refletida…

— Mas eu poderia ter ficado lá, com ela. E não fiquei.

— Porque lá sua vida seria impossível com ela. A sociedade não aceitaria. Você é muito mais jovem.

— Mas você desembarcará comigo quando chegarmos ao Rio de Janeiro. Para vivermos a nossa vida, juntos, para sempre.

— George, vamos conversar sobre outras coisas. Veja, logo amanhecerá.

Envolveram-se em múltiplos abraços, em intermináveis beijos, em demorados sussurros de amor.

— Promete-me que encontrará uma forma de passarmos outras noites iguais a esta, Meaghan? — Implorou George.

— Somos doze companheiras de trabalho, meu amor. Somente daqui a doze dias.

— Morrerei nesta angústia… — Murmurava George. — Deve haver um jeito de nos encontrarmos a sós em algum canto, enquanto isto.

— Verei com as meninas e se der certo, avisarei.

A madrugada despedia-se. Os primeiros raios do sol penetravam através da vigia. Era chegada a hora das colegas de Meaghan retornarem à cabine.

George passava horas a sonhar com um novo encontro, com uma nova noite com ela em seus braços. Sabia que deveria se contentar em apenas vê-la passar pelo convés a deslizar com suas coloridas saias de frufrus. Ansioso aguardava por seu olhar, seu sorriso. Nem sempre era possível, no entanto. Por muitas vezes, quase a voar, passava por ele deixando o ar impregnado com seu perfume.

Mil planos ele tecia em torno do que, juntos, poderiam viver no Brasil. Em sua ingenuidade jamais imaginaria os vínculos que a prendiam a seu empregador. Empregador, para não citar os mais variados nomes que se davam aos que usufruíam a vida explorando as mulheres que além de bailarinas de cancã, eram obrigadas a agradar a freguesia masculina em camarins situados atrás dos palcos…

Nos dias de sua solidão começou a escrever uma longa carta destinada ao Conde de Sworth. Não a endereçaria diretamente para ele, mas para o senhor Aindreas, seu amigo e mestre serralheiro. Acrescentaria um bilhete pedindo-lhe o grande favor de entregar o envelope ao Conde.

Passou horas a redigir uma longa missiva. Nela relatava seu encontro com Meaghan e todas as desventuras passadas por ela e sua mãe Eileen. Mencionou as cartas que mãe e filha enviavam para Abiageal pedindo notícias da irmã gêmea de Meaghan que nem o nome sabiam. E como jamais uma resposta às suas mãos chegara enviava esta agora ao senhor Conde, suplicando-lhe que intercedesse junto a ela e a Sheylla para que dessem, ao menos, um sinal de vida para a pobre Meaghan. Implorava também a Sheylla, em nome da grande amizade e dos folguedos e artes que compartilharam desde a mais tenra infância.

Contou também que Eileen e Meaghan foram enxotadas do palacete que pertencia a Howard e que era herança de sua mãe, irmã do Conde. Nenhum penny sequer receberam. George acreditava que tanto Eileen, sua viúva, como Meaghan e Sheylla, suas filhas, deveriam ter tido o direito a parte dos bens que Howard deixara. Solicitava ao Conde de Sworth que enviasse alguém de sua confiança para descobrir a verdade e assim as duas moças ainda poderiam usufruir do que lhes era de direito.

Terminava a longa missiva prometendo enviar seu endereço no Brasil logo que naquela terra se estabelecesse.

Depois de ler e reler inúmeras vezes, lacrou o envelope. Perguntou a um dos marinheiros como ele deveria proceder para enviar aquele grosso pacote, com documentos importantes, com a maior brevidade possível ao seu destinatário na Irlanda. Foi encaminhado ao imediato de bordo. Que o recebeu com muita simpatia.

— Sim, meu rapaz. Não é preciso chegar ao Brasil e colocar este envelope no Correio. Coloque-o aqui mesmo, na caixa destinada às postagens que no dia seguinte de nosso retorno a Southampton ela seguirá com destino a Dublin. Temos os selos aqui. É só adquiri-los, colar no envelope que a carimbaremos. Pode ter a certeza de que chegará em seu destino. Só quando, não sabemos. O navio permanecerá uns dias no porto do Rio de Janeiro, seguindo, em seguida, até o porto de Santos para só então retornar para a Inglaterra. Pode confiar. Isto é um serviço postal do Real Correio Britânico.

George lacrou o envelope. Colou os selos e colocou-o na caixa de postagem com as insígnias do serviço postal inglês.

Agora era ter paciência e aguardar.

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