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O progresso só pode ser pensado em escalas mundiais

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Sempre fui fascinada por Filosofia, ao ponto de me valer das premissas filosóficas de Henri Bergson, Martin Heidegger, Paul Ricoeur, Harald Weinrich, Friedrich Nietzsche e Jacques Le Goff sobre esquecimento e memória para embasar minha dissertação de Mestrado e tese de Doutorado. Há tempos desejava me embrenhar nos escritos de Zygmunt Bauman, cujos termos cunhados “Modernidade líquida” e “Amor líquido”, são muito citados, mas acredito que ainda pouco lidos pela maioria dos que os mencionam e referenciam.

 

 

 

 

Em “Tempos líquidos”, o autor polonês analisa o comportamento humano na contemporaneidade, dando destaque ao medo, o qual afeta todas as interações humanas e é motriz para a dinâmica capitalista, bem como origem para diversas enfermidades físicas e, mormente, psicológicas.

 

 

 

Uma vez que a indústria do medo, que vende cadeados, alarmes, grades, seguranças, seguros, entre outros, tem lucros exorbitantes com esse comércio, implantar a insegurança na população é muito profícuo:

 

 

 

 

[…] tem sido amplamente documentados os lucros que os produtores e comerciantes norte-americanos de “produtos e dispositivos de autodefesa” obtêm com os medos da população, os quais, por sua vez, são alimentados e exagerados pela própria ubiquidade e alta visibilidade desses mesmos dispositivos e produtos. Da mesma forma, deve-se repetir que a matéria-prima e o principal resultado da guerra travada contra os terroristas acusados de semear o medo têm sido, até agora, o próprio medo (BAUMAN, 2007, p.29).

 

 

 

 

Ou seja, num círculo vicioso ininterrupto, as autoridades querem combater a violência com o próprio ato destruidor, ou exterminar o medo com a propagação desse mesmo sentimento. Esse raciocínio de Zigmunt Bauman ecoa um sábio ditado popular, o qual é atribuído a Albert Einstein “Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”. O mal do presente século parece ser esse tipo de desequilíbrio.

 

 

 

 

A vida líquida que levamos, em que mal conseguimos seguir o fluxo das novidades impostas, acarreta num olvido forçado de objetos, notícias, fatos, pessoas, informações, o que, na minha opinião, é o mais nefasto tipo de liquidez pois, por não ser direta, trabalha nas entrelinhas do cotidiano, corroendo toda nossa carga memorialística e nossos maiores tesouros culturais. Tudo parece estar programado para se tornar obsoleto o mais rápido possível, como podemos ver no excerto abaixo:

 

 

 

O progresso se transformou numa espécie de dança das cadeiras interminável e ininterrupta, na qual um momento de desatenção resulta na derrota irreversível e na exclusão irrevogável. Em vez de grandes expectativas e sonhos agradáveis, o “progresso” evoca uma insônia cheia de pesadelos de “ser deixado para trás” – de perder o trem ou cair da janela de um veículo em rápida aceleração (BAUMAN, 2007, p.17).

 

 

 

 

Outro fator importante abordado é que, com a famigerada globalização, que conecta tudo e todos, o progresso só pode ser pensado em escalas mundiais, isto é, não é adequado, tampouco produtivo, uma nação se fechar e garantir o bem-estar somente de sua população, pois, cedo ou tarde, será afetada pela fome e seus desdobramentos – violência, doenças, etc, – de países vizinhos:

 

 

 

 

 

A democracia e a liberdade não podem estar plena e verdadeiramente seguras num único país, ou mesmo num grupo de países; sua defesa num mundo saturado de injustiça e habitado por bilhões de pessoas a quem se negou a dignidade humana vai corromper inevitavelmente os próprios valores que os indivíduos deveriam defender. O futuro da democracia e da liberdade só pode se tornar seguro numa escala planetária – ou talvez nem assim (BAUMAN, 2007, p.32).

 

 

 

 

 

Assim, os efeitos da globalização são paradoxais, na medida em que, ao mesmo tempo em que nos sentidos interligados com todos, a facilidade de acesso nos impregna o medo e nos afasta.

 

 

 

Uma maneira de desacelerar o processo de liquidez é valorizar o Patrimônio Cultural, bem como, para atenuar a propagação do medo, é enfraquecer o discurso de superioridade de cidadãos e nações que acreditam ser o armamento bélico a solução dos problemas sociais.

 

 

 

 

É apropriado finalizar a discussão dos preceitos de Bauman citando Malala Yousafzai, a qual, apesar de sofrer na pele a mais ferrenha forma de segregação feminina, sendo perseguida e baleada por fanáticos, afirma que: “Com armas, você pode matar terroristas. Com educação, você pode acabar com o terrorismo”.

 

 

 

(BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos. Rio de Janeiro: Zahar, 2007).
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