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abril

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Seu Morvande, o comentarista

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Meio sádico, sentia satisfação quando um sicrano apostara uma nota preta e por um triz a aposta bateu na trave

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Fernando Tokarski*

Mal o sol descambava se afogando nas águas do Iguaçu, seu Morvande chegava na casa do genro Percival Pereira. Entrado em anos, arrastava a perna esquerda e ao arrastar o portão, o rangido denunciava a sua presença.

Assim mancando caminhava com sonolência, mas tinha atitudes resolvidas. Não se acanhava em dizer que os anos tinham passado nas lutas com a madeira na serraria que hoje é só lembrança na memória e em poucas fotografias em preto e branco.

Agora seu Morvande perambulava pela cidade, escolhendo as ruas mais planas e as menos esburacadas. A perna estropiada era um estorvo. Na merecida vadiagem da velhice, acrescentava uns pilas à minguada aposentadoria oferecendo apostas de jogo do bicho aos clientes de carteirinha. Era fiel na peregrinação e até em instalações públicas ia fazer a fezinha aos barnabés.

Em cada estabelecimento visitado gastava horas contando os resultados da jogatina do dia anterior. Deu coelho, deu tigre, deu borboleta, deu isso, deu aquilo, fulano deixou de ganhar por um numerozinho, assim por diante. Meio sádico, sentia satisfação quando um sicrano apostara uma nota preta e por um triz a aposta bateu na trave.

Ah! Seu Morvande estava entrando pelo portão da casa do genro Percival, conhecido em Canoinhas por Perci, brincalhão e fagueiro. Depois de um longo chimarrão e reiteradas divagações acerca do jogo do bicho e do cotidiano local, ao lado do genro e dos netos seu Morvande pregava a bunda no sofá, perfilado para assistir o Jornal Nacional, seu programa favorito na tevê. Então Perci sabia que o suplício estava por iniciar.

Logo que William Bonner dava boa noite e as primeiras notícias, geralmente secundárias e desinteressantes, seu Morvande ficava com os olhos atentos à tela e mal respirava. Em seguida, quando o noticiarista apresentava uma bombástica informação, geralmente relacionada a mais um escândalo da política nacional. Era o que faltava!

Seu Morvande disparava a deitar falação, opinando como uma metralhadora verbal, elogiando uns, xingando o governo que sempre parece estar no lado avesso. Nesse momento Seu Morvande se revelava erudito conhecedor de macroeconomia, de política, de usos e costumes, de tendências mundiais e até de astronáutica. Perci tinha sucessivos chiliques!

As notícias da tevê se sucediam e seu Morvande se esbaldava em análises como um especialista nas questões nacionais e internacionais. Perci não conseguia acompanhar o que Bonner falava, tal a verborragia do sogrinho. Os netos não ligavam, pois estavam enfronhados em seus aparelhos celulares.

Entretanto, quando o apresentador global anunciava o intervalo comercial, seu Morvande cruzava os braços e como uma estátua surda, cega e muda, ficava extasiado com as publicidades de sabonetes fedorentos, de cervejas aguadas, de carnes processadas e de bancos usurários. Não dizia um A!

Quando as notícias voltavam, seu Morvande retomava suas análises, esmiuçando cada notícia como estribado comentarista, até relacionando as malandragens de Brasília com as contingências citadinas. Perci sentia vontade de ir à goela do seu Morvande!

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