De um lado, uma esquerda iliberal e de outro um populismo de direita irresponsável e fascista
Dr. Wellington Lima Amorim *
1 – O DIA DE NOSSA INDEPENDÊNCIA – 7 DE SETEMBRO 2021
Estou a 300 km de Porto Alegre e 90 km de Florianópolis. A vista é maravilhosa da Praia do Rosa que fica 10 km de Garopaba (SC), outro paraíso do litoral brasileiro. O dia segue escorregadio, preguiçoso e cinza, com clima ameno e um leve vento frio. É neste cenário perfeitamente inglês e melancólico que me recolho para refletir e indagar a respeito de um conceito central, porém falido: O que é isto a independência? Aponto com o dedo em riste para este *ENTE* me perguntando: qual o *SER* deste *ENTE*? E se conseguir aprendê-lo estou pronto para aceitar as consequências deste ato na minha frívola existência? Parece-me que as promessas iluministas que percorre o nosso imaginário comum faliram. Entre elas o ideal de autarquia, autonomia ou independência. Cada dia que se esgueira, a liberdade tão apregoada pela Civilização Ocidental se esvai e demonstra-se utópica. Acredito que depois da saída dos EUA do Afeganistão, a democracia no Ocidente pode correr o risco de se encerrar. O EUA, o grande representante dos valores ocidentais, desistiu, foi atingido pelo cansaço, depois de 20 anos abriu mão de levar a tocha acesa dos antigos gregos, que sempre representou os valores do Ocidente, para as civilizações orientais.
No entanto, não é somente o suposto inimigo externo, que nós ocidentais somos incompetentes em lidar. Os inimigos internos também crescem. Em vários cantos do Ocidente os inimigos internos brotam a direita, a esquerda, estão sempre nos extremos. Todos eles inspirados pela próprias fraturas que a Democracia Ocidental, capitaneada pelos EUA, foi capaz de produzir. De um lado, por uma esquerda iliberal e de outro um populismo de direita irresponsável e fascista. Se você, assim como eu, se recusa a aderir ou adotar um destes lados, e te acusam de reforçar a extrema esquerda ou direita, ou ainda, de ser confuso politicamente, temo a dizer: você é uma pessoa independente, e o caminho da solidão está diante de ti. Afinal me parece que você completou o longo desenvolvimento do espírito atingindo o objetivo máximo, que somente o esclarecimento é capaz de proporcionar. Por consequência você terá sempre a solidão e o distanciamento dos homens comuns. Ser independente é antes de tudo se colocar fora da manada. Não ter uma tribo, ser nômade, e antes de tudo aprender a aceitar a solidão.
Eis minha tristeza, sinceramente melancólica, quando descubro que a Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Geografia convidou como conferencista o Historiador Jones Manoel, defensor da revolução comunista e que acredita que se deve usar quaisquer meios que forem necessários, entre eles a violência, para atingir esse objetivo. Jurgen Habermas já tinha alertava a respeito do fascismo de esquerda e cunhou esse termo para distinguir a Escola de Frankfurt destes terroristas de esquerda. Esta história tem um longo lastro. Na América do Sul já tivemos Péron e Getúlio Vargas, que são apontados como líderes do trabalhismo, representantes máximos de uma esquerda populista, fascista e reacionária, como apontou Seymour Martin Lipset, professor da Universidade de Stanford entre 1975 a 1990. O que me assusta é que agora tudo retorna como um pesadelo retrópico. De um lado do ringue estão os fascistas de direita, inspirados pelo integralismo de Plínio Salgado, mas sem a capacidade intelectual do mesmo. Do outro lado, está a esquerda iliberal, que prega o conceito de raça como forma de dignidade humana, por mais contraditório que isto pode parecer.
Impressionantemente muitos foram as ruas no dia 7/9 proclamar uma nova independência para a nação brasileira. Então eu fico me perguntando: a) Se o Brasil “independente” nasceu como uma constituição outorgada por D. Pedro I em 1824, que independência é esta em que a nossa primeira constituição brotou de um poder monárquico e absolutista? b) Que “República” é esta que nasce de um golpe de Estado em 1899? Que independência é esta em que o trabalhismo brasileiro nasce de um golpe militar denominado Estado Novo? Como posso acreditar que a nossa independência virá de uma parcela de militares que torturaram, mataram, exilaram na ultima ditadura militar? Que independência virá com os supostos fascistas de esquerda, como Historiador Jones Manoel, que justificam a violência ou o assalto a bancos, como no caso dos movimentos de guerrilha na ditadura, para que seja implantada uma ditadura do proletariado? Todos são filhos de um imaginário coletivo comum, o desejo de uma revolução gerada na pior da ditaduras no Ocidente: A Revolução Francesa.
2 – O DIA EM QUE A TERRA TREMEU – 11 DE SETEMBRO DE 2001
O que você estava fazendo no dia 11 de setembro de 2001?
Eu, particularmente, era bolsista de iniciação científica e estava no Laboratório do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acompanhado de um amigo Dr. em Filosofia/UFRJ, Rodrigo dos Santos. Na época éramos apenas alunos de graduação, querendo entender os grandes problemas que envolvem a existência humana. A pesquisa que eu participava dependia da minha habilidade social em subir as favelas no RJ para realizar uma pesquisa para UFRJ, na tentativa de entender a dinâmica social destas comunidades. E foi assim que tive contato direto ao estado de miserabilidade com que estas pessoas vivem. Todavia, eu e o Rodrigo, assistimos com estupefação ao ataque contra as torres gêmeas pela internet. Falava-se em uma guerra nuclear sem precedentes e a por consequência a quebra da bolsa de NY, e que este fato levaria a bolsa a pior crise produzida no mercado internacional desde 1929.
Na época observei, com tristeza, vários comentários advindo da esquerda iliberal brasileira, entre eles professores doutores, mestres e alunos de graduação, que como gado repetiam colocações sarcásticas e realizavam comemorações diversas, anunciando o fim do capitalismo, argumentando que esta era a consequência já esperada e merecida para um país que se considerava a polícia global. Era o ressentimento venenoso que estava sendo destilado desde a queda do Muro de Berlim em 1989, devido o fim da grande utopia socialista, genocida e fascista, patrocinada pelas mãos de Stalin, Lenin, Trotsky, Mao Tsé Tung, Cuba e outros líderes da extrema esquerda. Esta cegueira ideológica os impediam de ter empatia com as milhares de vítimas norte-americanas deste ataque insano. Recentemente conversando com um amigo de NY, ele me disse que os soldados americanos não lutam mais por Honra e Glória, como se apregoa o jargão e as bravatas militares. E que estão em combate muito mais por dólares do que ideais. Tendo a acreditar que esta verdade é parcial.
O Exército americano, durante e após a segunda guerra mundial se profissionalizou, isto é uma verdade irrefutável. E como toda profissão não luta apenas por ideais, mas pelo valor agregado de sua especialização em dólares, neste caso, a contenção de conflitos armados em missões ao redor do globo terrestre. Mas esta acusação de que os mesmos lutam apenas por money, não pode ser considerada uma verdade. Quais eram os motivos que levaram os gregos a lutar contra Xerxes, o persa? Por qual causa o grande macedônico Alexandre lutava? Qual foram as causas que levaram Roma a se tornar um dos grandes impérios que a humanidade já conheceu? Eles eram conduzidos por ideais estadistas ou apenas pelo desejo da conquista, ouro e especiarias?
A civilização humana se movimenta através dos sangrentos conflitos de ideais e que se expressam pelo uso de tropas e armas. Isto acontece quando o diálogo e o intercâmbio comercial e cultural tende a cessar e o conflito armado se faz necessário. Porém também é fato, que na guerra do Vietnã, os norte-americanos perderam sua inocência. E, descobriram amargamente, que políticos mentem. Desde o adorado e jovial John F. Kennedy até o famigerado Richard Nixon. Afinal, todos sabiam que o empreendimento militar norte-americano em larga escala no Camboja e Laos, com o apoio de armas e treinamento pela antiga União Soviética e a China aos comunistas vietcongues era muito arriscado. E, mesmo assim, enviaram seus jovens para os campos de tortura e mortes, para depois serem expostos em caixões nos canais de televisão as oito horas da noite, enquanto a família puritana americana assistia tudo na sua programação noturna prostrada em seu sofá. Hoje não sei quem é mais sádico: o governo norte-americano, desde Kennedy a Nixon que enviou tropas ao Vietnã, ou os canais de TV que fabricam a espetacularização da morte de cidadãos norte-americanos para ter audiência e dinheiro.
Mas, por todo esse tempo não podemos negar que os EUA carrega a herança civilizacional da antigo império inglês que é produto dos ideais da civilização europeia, inventada pelos gregos, passando pelo período romano, mistificado pela cultura cristã e que atingiu seu auge na moderna cultura contemporânea. É realmente impressionante, mesmo depois de tudo que ocorreu, após os 20 anos dos ataques terroristas as torres gêmeas, encontrar cidadãos estadunidenses e latino-americanos sustentando teorias conspiratórias absurdas que são rejeitadas pelos principais órgãos do governo americano. É importante deixar claro que um a cada dois norte-americanos não acreditam na versão oficial dos acontecimentos. Como isto aconteceu? Isto se dá porque essas teorias conspiratórias foram propagadas pela esquerda iliberal. Entre eles está Thierry Meyssan que desde 1994 participa da política francesa ligada a extrema esquerda europeia. O projeto desta ala “intelectual” antidemocrática sempre foi deslegitimar as instituições democráticas ocidentais e Thierry Meyssan é um destes patrocinadores.
Foi a esquerda iliberal, ressentida e niilista, que iniciou o processo desligitimação das instituições do Ocidente, desde a década de 70 do século XX, e que pelo menos nos últimos 200 anos foram duramente construídas. Esta estratégia criou fraturas institucionais que colocaram no poder líderes autoritários e aventureiros no século XXI, como Donald Trump nos EUA, e no Brasil Jair Bolsonaro. Por isso, eu digo que foi uma questão de tempo para que as rachaduras começassem a aparecer. A sociedade civil no Ocidente está sendo educada para ser cada vez mais dócil, consumista e segregacionista, dividida em tribos, classificada a partir de perfis socioeconômicos ou classes sociais, surgindo no Ocidente uma geração de jovens fechados em bolhas, reproduzindo esta lógica em redes sociais e tendo por base um discurso irresponsável que tem horror ao conflito movido por ideais transcendentes. Posso usar como exemplo, após 20 anos dos ataques a NY, que a saída das tropas aliadas do Afeganistão, sendo os EUA seu maior representante, entregou os cidadãos afegãos aliados a toda sorte de atrocidades, entre eles mulheres e crianças, ao extremismo absurdo do fundamentalismo islâmico do Talibã.
Todavia, a retirada das tropas aliadas do Afeganistão e o avanço do extremismo demonstra o quanto é importante defendermos a todo custo os valores ocidentais, entre eles a liberdade de expressão e direitos humanos, não importando classe social, gênero ou raça. Porém, tudo isto é o resultado de políticas culturais que a extrema esquerda iliberal patrocinou por décadas e que tem por objetivo questionar, deslegitimar e conspirar internamente de forma irresponsável para que o Ocidente se fragilize, destruindo a coesão e fragmentando a sociedade civil. É bom lembrar que a grande vitória do cristianismo sobre Roma, foi destruir a sua moral guerreira, introduzindo o sentimento de culpa e ensinando ao soldado romano a oferecer sua face como autopunição, o que introduziu o Ocidente em longo período de decadência, onde o próprio sentido de decadência, por um tempo, se perdeu. O que podemos aprender com 11 de setembro? Que é preciso restituir o sentido de decadência no Ocidente, pois somente assim podemos olhar novamente para o alto e cultuar os grandes valores de nossa civilização.
3 – O DIA EM QUE A DEMOCRACIA DO BRASIL FRACASSOU – 12 DE SETEMBRO DE 2021
No dia 12/09/2021 buscou-se ensaiar uma dança. Este baile deveria ressuscitar o espírito político democrático perdido da pólis brasileira desde 2018, tendo por inspiração as ‘Diretas Já’ nos anos 80. Uma espécie de retroutopia, onde as alianças políticas se colocariam a acima dos partidarismos egoístas e interesses políticos mesquinhos, para realizar uma oposição real ao governo do atual Presidente da República. Curiosamente o PT (partido dos trabalhadores) não participou. Novidade? Para um partido que foi contra a constituição de 1988; Contra o Plano Real, implementado pelo falecido Itamar Franco e responsável pela estabilização monetária, que inclusive levaria o primeiro mandato do governo Lula a um desenvolvimento real e histórico que não pode ser desconsiderado; Contra a lei de responsabilidade fiscal; Enfim, não pode ser considerado um partido que realmente estivesse preocupado com o Estado brasileiro. O fracasso das manifestações de 12 de setembro deste ano demonstram o cansaço e a obsolescência de se formar uma oposição democrática no Brasil. Segundo a CNN: “Nos atos do 7 de Setembro, o Copom havia estimado a presença de 125 mil manifestantes pró-Bolsonaro. Em termos comparativos, o público presente neste domingo representa pouco menos de 5% do total do ato governista”. Está claro que para o PT, o ex-presidente Lula e José Dirceu, apenas existe o desejo de vencer o pleito 2022 sozinhos para implantar seu projeto de poder sem alianças ou qualquer diálogo com outras representações políticas no país, como seria o caso de Ciro Gomes. Lula e Bolsonaro necessitam de um e outro para sobreviver politicamente. Quando o PT se recusa a dialogar com outros setores da democracia brasileira ele manda um recado: ‘não iremos realizar nenhum revisionismo histórico que possa reconhecer a corrupção generalizada que foi implantada no Estado brasileiro’ e que ‘diz sim ao governo Bolsonaro, como seu inimigo ideal para disputar o pleito de 2022, mesmo que isso tenha que custar vidas e a própria estabilidade do país’.
*Dr. Wellington Lima Amorim é professor