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abril

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Serenata para sua amada e o Cerco da Lapa

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Foi a primeira vez em que, publicamente, puderam abraçar-se

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Quando deixou Viena Antônio vendeu seu violino a fim de comprar a passagem de navio para o Brasil. Após a fundação do Clube Teuto-Brasileiro montaram, na Lapa, uma banda musical onde ele tocava violão. Pouco depois adquiria outro violino, o instrumento que Rolf, seu pai, lhe ensinara a tocar quando ainda era criança.

Mas não solava aquelas cordas apenas na banda. Junto com seus amigos eram os seresteiros da Lapa. Uma linda e maviosa serenata era o grande presente aos aniversariantes da cidade.

Ansiava por ver Luiza outra vez. Jorge não a levara mais aos bailes. Não era católico, mas resolveu dar uma espiada nas missas dos domingos com a esperança de vê-la. Em um entardecer pegou seu violino, montou em seu cavalo e dirigiu-se até o sobrado do Barreiro onde morava a moça de seus sonhos.

Aguardou que a escuridão tomasse conta da terra e, silenciosamente, chegou até a grande porteira. Abriu uma portinhola lateral e andou até junto da casa. E agora? Apenas a luz difusa de um lampião era o sinal de vida. Imaginou que lá seria o salão em que Jorge talvez estivesse a tomar seu chimarrão e a ler o jornal. Começou a solar a Serenata de Schubert no outro lado da construção. E tocando seu violino começou a andar em torno. Suspirou fundo quando sentiu abrir-se uma janela na parte superior. Continuou a tocar com mais emoção ainda.

Silenciosamente como chegara afastou-se, foi em busca de seu cavalo e solitário voltou para a cidade. A cada três ou quatro dias para lá se dirigia. Da mesma forma. No maior silêncio. A cada vez tocava uma diferente melodia. E sempre aquela impressão de que lá no alto uma janela se abria. Sentia o vulto dela atrás das esvoaçantes cortinas.

Na cidade encontrava-se eventualmente com Jorge. Nenhum comentário. Era como se nada estivesse acontecendo.

Após algumas semanas, sentia já que não era percebido pelo dono e nem pelos criados que no sobrado viviam. Deixara-se envolver pela melodia e a sonhar que sua amada já em seus braços se encontrava.

Foi numa noite assim que seu instrumento quase foi ao chão ao ouvir, rente a ele a voz de Jorge. Absorto em sua música e em seus pensamentos não percebera sua aproximação.

— Vamos entrar meu amigo. Está muito frio aqui fora. Tenho um bom conhaque que poderemos tomar junto ao fogo.

Não sabia o que dizer e nem onde pisar. Trêmulo, sem distinguir se de frio ou de susto, acompanhou o dono da casa.

Jorge ofereceu-lhe a bojuda taça com o dourado líquido. Ao lado da fornalha acesa preferiu, calado, ouvir. Tudo imaginara. Menos o que ele lhe falou.

— Espero que minha filha tenha ouvido suas serestas. Ela aprecia muito este tipo de música. Mas só saberei se perguntar a ela. Ela nunca tocou no assunto.  A conversa agora é entre nós dois.  

— Perdão, meu amigo se o importunei com minha música. Mas ali fora ao lado, ao tocar meu violino, era como se eu estivesse a conversar com a senhorinha Luiza.

— Bom, meu amigo. Podemos combinar o seguinte. Você poderá vir aqui em casa nas tardes de domingo para conversar com minha filha. Nesta sala. Com a Maria de Lourdes ao lado. Seja pontual. Esteja aqui às três horas da tarde. Sem o seu violino. Às cinco horas já poderá montar no seu pingo e voltar para a cidade. De acordo?

— Sim, Jorge! De acordo! — Balbuciou Jorge. — Então até domingo.

No domingo pela manhã Antônio viu-a na igreja com Jorge. Mas nem ousou aproximar-se. Percebeu os olhos dela fixos nos seus. E aquela tarde foi a primeira de muitas em que algumas palavras conseguiram trocar. Quem mais falava era a governanta. Que se extasiava a enumerar as virtudes e as belas qualidades de sua afilhada. A cada elogio Luiza mais encolhia-se em sua poltrona.

Em um certo domingo a moça que servia o cafezinho não se encontrava e Maria de Lourdes precisou ir à cozinha a fim de preparar a bandeja com os necessários ingredientes aos quais não faltavam as caseiras bolachinhas de maisena e coco cobertas com marmelada.

Foi o momento único em que Antônio e Luiza, num ímpeto, deixaram seus assentos e correram a abraçar-se. Foi um rápido e apertado abraço. O suficiente para que rubros fossem, de súbito, encontrados pela fiel governanta. Que apenas pigarreou solenemente como a dizer-lhes saber o que havia acontecido.

A festa de noivado ocorreu após um ano. Foi mais concorrida que a do dia do batizado de Luiza. Começou com uma missa campal ao lado do sobrado. A banda de Antônio, composta de luteranos tocou no decorrer da cerimônia católica e depois pelo resto do dia. Revezavam-se com outro conjunto mais adepto às músicas nativas. Pois todos precisavam comer, beber e dançar. Avati e Indaíra, os felizes avós de Luiza, trouxeram inúmeros presentes; todas as prendas tradicionais com as quais os indígenas festejavam o dia especial em que uma moça era prometida em casamento.

Luiza e Antônio estavam emocionados. Foi a primeira vez em que, publicamente, puderam abraçar-se. Uma coroa de frescas flores emoldurava a cabeça de Luiza.

Por meses comentou-se na cidade a magnificência do noivado realizado no sobrado do Barreiro. E ficavam a imaginar como seria o cerimonial do casamento a realizar-se dentro de um ano.

A chácara de Antônio evoluía. Já era proprietário de um grande erval onde se colhiam as mais tenras folhas que em um engenho eram moídas e depois sorvidas no tradicional chimarrão. Já tinha também um plantel de vacas leiteiras.

O casamento de Luiza e Antônio foi outra celebração que ficou marcada nos anais da história lapiana. Foram três dias de festa tendo por palco central o grande sobrado do Barreiro.

Muitos bois foram abatidos e carneados. O churrasco era servido em todas as horas do dia. Barris de uma estranha cerveja fabricada em Curitiba e outros de um bom vinho vindo do Rio Grande do Sul eram abertos de hora em hora. A padaria de Antônio trabalhou diuturnamente a fim de fornecer os pães, os doces, as tortas e os bolos necessários. Durante o dia todo o grande fogão do sobrado não parava de ferver água para que sempre se tivesse um fresco e quentinho café.

Bandas revezavam-se para que os bailarinos afiassem as pernas em um grande tablado a céu aberto.

Antônio e Luiza ficaram morando na chácara. Onde aos poucos ela imprimiu seus dons. Jardins floridos em redor do casarão. Floreiras nas janelas. Uma bem cuidada horta onde se colhiam todos os legumes e hortaliças cultiváveis na região.

Logo vieram os filhos. A primeira foi Rosa, uma linda e sorridente menina que Antônio logo queria colocar na charrete e sair a passear. Em setembro de 1893 nasceu Adolpho.

Foi nessa época que o terror chegou à Lapa. Floriano Peixoto já assumira a presidência da República dos Estados Unidos do Brasil. No extremo sul do país os inconformados com o sistema de governo de então formaram uma grande tropa que avançou desde o Rio Grande do Sul passando por Santa Catarina e atingindo o Paraná. Era a Revolução Federalista, uma das mais sangrentas de nossa história.

No início de 1894 a Lapa foi transformada em uma sangrenta arena. As tropas republicanas, conhecidas como pica-paus formaram uma barreira com a finalidade de não permitir a passagem dos federalistas, os maragatos. Este episódio ficou conhecido como o Cerco da Lapa.

A chácara de Antônio e Luiza foi alvo da ganância dos maragatos que nela fizeram seu acampamento e seu quartel. Apossaram-se, com seus cavalos e mulas, de toda a área pastoril e dos ranchos. E da casa também. Alojaram-se nas salas e quartos, com suas botinas que tinham, além da costumeira lama grudada, o esterco dos animais.

  Antônio e Luiza foram obrigados a servir a toda a tropa invasora com os alimentos que tinham em casa. Cozinhavam para eles da manhã à noite. Antônio não parava de sovar e assar pão. Até o dia em que, nem um grão restava na chácara para ser cozido. Os próprios maragatos matavam, carneavam e assavam os gordos porcos e bois e buliçosos galos e galinhas que, com tanto carinho eram lá criados.

Segundo relato da escritora Aline Dittrich Zappa em seu livro Retratos, quando, finalmente, o local foi retomado pelas forças oficiais, a chácara era uma terra arrasada, como se por lá tivesse passado um bando de gafanhotos.

Ficaram reféns, tanto eles como todos os empregados do sítio. Não se pode conceber Antônio e Luiza, com os filhos ainda bem pequenos a se desdobrarem em torno dos fornos e fogões para alimentar aquele batalhão de homens famintos.

  A degola corria solta de ambos os lados no decorrer dos vinte e oito dias de duração do Cerco da Lapa. Os maragatos não pouparam nem os empregados dos sítios e chácaras, Antônio escapou devido ao carregado sotaque germânico que nunca perdeu. Era apenas um estrangeiro que nem falava o português. Fora a dedução dos maragatos.

(continua)

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