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Reflexões a partir da teoria de justiça de Dworkin

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O debate sobre a alta dos preços de bens essenciais é também um debate sobre o futuro da justiça distributiva

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Na última semana, tivemos estampada entre as manchetes a notícia do aumento nos preços do azeite, a ponto de alguns supermercados adotarem proteções antifurto em suas garrafas, o que ilustra o impacto das desigualdades econômicas no acesso a bens de consumo cotidiano. A questão é mais complexa do que a simples elevação de preços devido à oferta e demanda, pois expõe uma estrutura social em que o acesso a itens essenciais se torna desigual, agravando problemas de segurança alimentar e justiça distributiva.

Dworkin, na sua teoria da justiça, propõe que a igualdade e a equidade devem estar no centro das políticas sociais, defendendo que a riqueza e os recursos naturais – bens aos quais todos deveriam ter acesso de forma razoável – não podem ser acessíveis apenas a quem pode pagar preços inflacionados. Segundo Dworkin, a justiça demanda que as instituições promovam a igualdade de recursos para que todos possam, em termos de oportunidades, usufruir de uma vida digna. Esse princípio reflete a necessidade de um controle regulatório em situações de desigualdade, impedindo que os bens básicos se tornem inacessíveis para uma parcela significativa da população.

O caso do azeite, transformado em “ouro líquido”, simboliza essa contradição na busca pela justiça econômica e a disparidade crescente que o mercado impõe. De acordo com Dworkin, não apenas a compensação para os menos favorecidos deveria ser considerada, mas também a criação de mecanismos que assegurem o direito de todos ao consumo equilibrado. Instituições de mercado deveriam ser desenhadas para garantir que bens essenciais sejam protegidos de oscilações de mercado que limitam seu consumo aos mais privilegiados, promovendo uma igualdade de oportunidades de consumo.

Dworkin utiliza uma analogia em que um grupo de pessoas é deixado em uma ilha com uma quantidade limitada de recursos, como cocos e ovos, para ilustrar sua teoria sobre justiça distributiva e igualdade de recursos. Nessa situação, ele observa como uma distribuição inicial de recursos naturais pode determinar as possibilidades de cada indivíduo na ilha, refletindo o modo como as condições de partida influenciam o sucesso pessoal. O exemplo da ilha de Dworkin ilustra que, em uma sociedade justa, todos devem ter acesso igualitário aos recursos necessários para sobreviver e prosperar.

Ele argumenta que a alocação inicial desses bens deve ser feita de modo que todos os indivíduos possam usá-los com igual potencial para alcançar seus objetivos. No entanto, Dworkin reconhece que as escolhas pessoais influenciarão como cada um usará seus recursos, respeitando a liberdade individual. O cenário da ilha evidencia a necessidade de um equilíbrio entre igualdade e responsabilidade pessoal, já que, a partir da distribuição inicial justa, cabe a cada pessoa decidir como vai utilizar seus bens.

A analogia dos cocos e ovos também destaca a importância de compensar desigualdades não escolhidas, como condições naturais ou sorte. Se uma pessoa tem dificuldade de acessar os cocos por sua localização na ilha ou por questões de saúde, por exemplo, Dworkin sugere que ajustes na distribuição inicial podem ser necessários para equilibrar essas disparidades. Esse princípio reflete a ideia de igualdade de recursos, onde as desigualdades naturais devem ser minimizadas para que todos tenham oportunidades comparáveis, sem que as escolhas individuais sejam restringidas.

Dworkin propõe, assim, que a justiça na distribuição dos recursos deve levar em conta tanto a equidade quanto a liberdade de cada indivíduo de tomar decisões após uma distribuição justa. A metáfora da ilha é útil para ilustrar que, em uma sociedade justa, cada um deve ter uma “fatia” dos recursos que permita uma base igualitária, a partir da qual as decisões pessoais moldarão o sucesso individual. Ele defende que essa abordagem garante tanto o respeito pelas diferenças pessoais quanto um compromisso com a justiça na base distributiva.

Hoje, em nossa sociedade, não temos um ponto igualitário de partida, algumas crianças nascem milionárias enquanto outras nascem com o risco de morrerem de fome antes de completarem 5 anos de idade. Então não se pode dizer que o ponto econômico no qual cada uma delas chegou na vida adulta depende do mérito pessoal, unicamente de suas escolhas, boas ou ruins. Depende em grande medida da sorte do contexto no qual nasceu, que influenciou boa parte de suas oportunidades.

A perspectiva de Dworkin aponta no sentido de que as políticas públicas interfiram na estrutura de preços e distribuição de recursos, criando mecanismos de justiça que protejam a acessibilidade aos produtos básicos e condições de saída mais igualitárias. Essa visão se torna essencial em uma sociedade onde o mercado, regido exclusivamente pela demanda, falha em refletir as necessidades da população.

Diante da inflação de produtos essenciais como o azeite, a teoria de Dworkin propõe que uma sociedade verdadeiramente justa não deve permitir que o mercado funcione sem um contrapeso ético e equitativo. Assim, o debate sobre a alta dos preços de bens essenciais é também um debate sobre o futuro da justiça distributiva, o papel do Estado e a necessidade de políticas que garantam um acesso justo e igualitário a todos.

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