A relação entre Estado e economia é um tema central no debate político e econômico desde os primórdios da filosofia política
Nesta semana, o debate sobre o leilão da Conab para a compra de arroz trouxe à tona críticas à intervenção do Estado na economia. O governo planeja vender o arroz adquirido a um preço tabelado, e isso gerou sugestões de alguns “liberais” que acreditam que, em vez de garantir um preço justo ao consumidor, o governo deveria usar seus recursos para salvar empresas. Esses “liberais” esperam que, ao serem resgatadas, as empresas ofereceriam o arroz a um preço justo, ignorando o fato de que essa também é uma forma de intervenção estatal e que o objetivo do empresário é o lucro.
A relação entre Estado e economia é um tema central no debate político e econômico desde os primórdios da filosofia política. John Locke, um dos pilares do liberalismo clássico, tinha uma visão bastante clara sobre o papel limitado do Estado, especialmente no que tange à economia. Este artigo busca explorar o pensamento de Locke sobre a não intervenção estatal na economia e contrastar essa perspectiva com a prática dos liberais contemporâneos, que, apesar de advogarem por um Estado mínimo no dia a dia econômico, frequentemente clamam por intervenções estatais para salvar empresas em crise.
Locke, em suas obras mais influentes, como o “Segundo Tratado sobre o Governo Civil”, argumentava que o papel principal do Estado era proteger os direitos naturais dos indivíduos: a vida, a liberdade e a propriedade. Para Locke, a economia já existia antes da criação do Estado e, assim, seria independente dele. Assim, Locke defendia que o governo deveria se limitar a garantir um ambiente seguro onde os contratos fossem respeitados e a justiça fosse aplicada de forma imparcial.
Nos dias de hoje, muitos administradores, economistas e políticos que se identificam como liberais continuam a promover a ideia de um Estado mínimo. Eles defendem a desregulamentação, a privatização de empresas públicas e a redução de impostos como meios para estimular o crescimento econômico e a inovação. No entanto, na prática, observa-se uma contradição significativa: a intervenção estatal em momentos de crise empresarial.
Nos últimos anos, testemunhamos diversos exemplos de empresários que, ao se depararem com a falência iminente de grandes corporações, clamam pelo Estado para resgatá-las com recursos públicos. Esse fenômeno é especialmente notório em períodos de crises econômicas severas, como a crise financeira de 2008, quando vários governos ao redor do mundo intervieram massivamente para salvar bancos e outras instituições financeiras consideradas “grandes demais para falir”. E estamos vendo esse clamor novamente se organizando.
Essa prática pode ser vista como um desvio dos princípios liberais clássicos. A justificativa geralmente apresentada é a de que o colapso de grandes empresas poderia ter efeitos catastróficos para a economia como um todo, levando ao aumento do desemprego, à perda de confiança nos mercados e a uma recessão prolongada. No entanto, essa abordagem também levanta questões éticas e práticas: até que ponto é justo que os recursos públicos sejam usados para resgatar entidades privadas?
No cerne da economia de mercado, a motivação dos empresários para empregar trabalhadores não está enraizada na benevolência ou em um senso de caridade ou coletividade. Os empresários contratam funcionários porque é uma necessidade intrínseca para a operação e o crescimento de seus negócios. Cada empregado desempenha um papel crucial na produção de bens ou na prestação de serviços que a empresa oferece. Sem uma força de trabalho adequada, uma empresa não poderia atender à demanda dos consumidores, manter a eficiência operacional, ou mesmo competir no mercado. Portanto, a criação de empregos é antes de tudo uma decisão estratégica para garantir a viabilidade e a lucratividade do negócio.
Além disso, os empresários buscam maximizar seus lucros, e isso muitas vezes requer a contratação de trabalhadores qualificados que possam contribuir para a eficiência e a inovação dentro da empresa. O custo do trabalho é considerado um investimento necessário para gerar mais valor e receita. Assim, a relação entre empregador e empregado é essencialmente transacional: os trabalhadores oferecem suas habilidades e tempo em troca de salários e benefícios, enquanto os empresários buscam otimizar esses recursos humanos para atingir seus objetivos econômicos. Dessa forma, a dinâmica do emprego é movida por necessidades econômicas e de mercado, e não por altruísmo ou bondade.
Os recursos estatais são sempre limitados. Nesse sentido, a prioridade, mesmo na crise, seria de investimento na infraestrutura, na saúde, na educação, e não em salvar uma empresa ou outra. O dilema entre a teoria e a prática entre quem defende o liberalismo atualmente revela uma complexidade que talvez demonstre, mais uma vez, que a bandeira do liberalismo tem sido hasteada mesmo sem que se tenha claro do que se está falando. Enquanto a teoria da não intervenção estatal permanece um pilar do pensamento liberal, a realidade mostra que, em situações de crise, a dependência do Estado para estabilizar a economia é uma prática que carece de coerência.