quinta-feira, 18

de

abril

de

2024

ACESSE NO 

Orgulho e Preconceito

Últimas Notícias

- Ads -

Segregação feminina durante o Romantismo

- Ads -

Em 1813, enquanto a Europa estava vivendo no contexto do movimento literário e artístico Romântico, o qual cultiva o valor das emoções, o sentimentalismo exacerbado e a idealização da mulher, Jane Austen ousadamente publica “Orgulho e Preconceito”, que já trazia características do próximo período, o Realismo, e, dessa forma, estava a mais de um século à frente de seu tempo.

É imprescindível lembrar que, naquela época, era inconcebível uma mulher escrever narrativas literárias e publicá-las, além de impensável criticar o papel feminino na sociedade. Pelo seu pioneirismo e coragem, vendeu mais de 20 milhões de exemplares, a obra foi inúmeras vezes adaptada para teatro e cinema, além de ser objeto de diversas resenhas, ensaios, monografias, dissertações e teses. Ou seja, é um ícone da Literatura Feminista, engajada e contestatória.

Para nós, que vivemos no século XXI, é, muitas vezes, difícil de imaginar as privações que as mulheres de outrora sofreram. Mas, se adensarmos a reflexão, percebemos que muitas estandardizações permanecem, talvez com algumas modificações, mas sempre vívidas. Como é o caso do mote do romance de Jane Austen, isto é, a superioridade masculina em relação aos direitos de legado e a obrigação da mulher contrair um matrimônio rentável para, assim, ser respeitada.

A protagonista do enredo – Elizabeth Bennet – é uma das cinco filhas de uma família cuja mãe tem um único objetivo: casar a prole com homens ricos e, logo, assegurar o respeito social pelo seu sobrenome e ampliar suas propriedades. Nessa época, imperava a tradição do morgadio, a saber, a herança só poderia ser adquirida por um homem e, no caso das Bennet, se o patriarca falecesse e as filhas não fossem casadas, os bens passariam para o parente masculino mais próximo: “A fortuna do Sr. Bennet consistia quase exclusivamente de uma propriedade que lhe rendia duas mil libras anuais, e que, infelizmente para suas filhas, na falta de herdeiro varão, estava nas mãos de um parente distante” (AUSTEN, 2018, p.23).

Assim, as filhas eram vistas como objetos para comercializar, e seus destinos decididos pelos pais, que levavam em consideração o pretendente que assegurasse a tradição familiar e mantivesse ou fomentasse os bens.

No entanto, Elizabeth tem consciência dessa situação e não se deixa manipular, afirmando que se casará tão somente tenha sentimentos pelo noivo. Ao longo do enredo, dispensa pretendentes e ajuda com que suas irmãs também percebam a conjuntura segregadora em que estão inseridas.

E, para cumprir a missão de preparar as filhas unicamente para o casamento, as famílias executavam rituais que reforçavam o controle, como o de que a ordem de desposar fosse da mais velha para a mais jovem, e de que as caçulas só frequentassem locais públicas após as bodas das irmãs primogênitas. Isso também é questionado por Elizabeth, além do direito da educação formal ser uma escolha, e não uma imposição:

- Mas lá em casa, quem quis se instruir teve todos os meios. Sempre nos encorajaram à prática da leitura e tivemos todos os professores necessários. Porém, quem não quis estudar, também teve essa opção.
- Sem dúvida, mas seria isso justamente o que uma preceptora teria evitado. Se acaso eu fosse das relações de sua mãe, teria aconselhado que contratasse uma. Para uma educação perfeita é preciso haver instrução constante e regular, e isso só uma preceptora pode garantir. É espantoso o número de famílias que contratam uma por meu intermédio. Alguma de suas irmãs mais novas já foi apresentada à sociedade, Senhorita Bennet?
- Sim, minha senhora, todas elas.
- O quê? Todas as cinco de uma vez? É muito estranho. E a senhorita é apenas a segunda! As mais novas já frequentam a sociedade mesmo antes de as mais velhas se casarem! Suas outras irmãs são muito novinhas?
- A mais nova ainda não fez dezesseis anos. Talvez seja um pouco cedo demais para a vida social, mas, realmente, minha senhora, considero uma crueldade excluí-las de divertimentos e relações sociais apenas porque a mais velha não teve oportunidade ou inclinação para se casar ainda.
- Por Deus, a senhorita exprime sua opinião muito decididamente para uma pessoa tão jovem (AUSTEN, 2018, p.109).

Nota-se que, segundo as senhoras daquela entrementes, uma jovem não podia expressar suas opiniões e devia casar-se muito antes dos vinte anos, pois com idade superior a essa já era considerada descartável.

Durante os intentos da Senhora Bennet de casar suas filhas, uma delas foge com o noivo, o que causa repulsa e discriminação, pois os padrões sociais consideravam esse ato imperdoável. Porém, logo após outra delas desposar um homem influente, o ocorrido é supostamente esquecido, mostrando, com isso, toda a hipocrisia das convenções: “Os Bennet em breve foram considerados por todos como a família mais afortunada do mundo, embora poucas semanas antes, quando Lydia fugira, tivessem sido apontadas como pessoas marcadas pelo infortúnio” (AUSTEN, 2018, p.214).

Após muitas peripécias, Elizabeth percebe que nutre sentimentos por alguém que recusara por considerar insolente, isto é, Fitzwilliam Darcy, o solteiro mais rico e cobiçado, e cuja tia é contra a união, uma vez que a considera financeira e socialmente inferior a ele. Entretanto, na medida em que a condição crucial de haver amor é real, ela decide enfrentar Lady Catherine e a todos os demais que pudessem dificultar seu relacionamento. A motivação, além de seu sentimento por ele, é o desbancar de seu orgulho e de seu preconceito:

Toda a minha vida fui uma criatura egoísta, se não na prática, pelo menos em meus princípios. Em criança, ensinaram-me o que era certo, mas não me ensinaram a corrigir o meu gênio. Deram-me bons princípios, mas deixaram-me segui-los baseado no meu orgulho e minha presunção. Desafortunadamente filho único, fui mimado por meus pais, que, embora fossem bons (meu pai, sobretudo, era a benevolência e a afabilidade em pessoa), permitiram, encorajaram e quase me ensinaram a ser egoísta e prepotente, a não me interessar por ninguém para além do círculo familiar, a desprezar o resto do mundo, e a desvalorizar o bom senso e o valor alheios quando comparados aos meus. Assim fui eu dos oito aos vinte e oito; e assim permaneceria ainda se não fosse você, minha querida e encantadora Elizabeth! Deu-me uma lição, dura a princípio, mas muito vantajosa. Fui devidamente humilhado. Fui até você sem duvidar que me aceitaria. Foi então que me revelou a insuficiência de todas as minhas pretensões para agradar uma mulher digna de ser amada (AUSTIN, 2018, p.228).

Eles se casam e o desfecho é previsível, ou seja, fica subentendido o estereotipado e irreal “felizes para sempre”, o que ocasiona muitas controvérsias entre os analistas literários. Por que Jane Austin, que foi incipiente ao abordar o papel da mulher na sociedade, ao questionar a segregação e a misoginia, teria investido num desfecho que diminuiu a qualidade de sua narrativa engajada? Seria a influência do movimento Romântico? Seria uma maneira de fomentar vendas, uma vez que a grande maioria dos leitores espera pela felicidade eterna? Será que alguém alterou as últimas páginas antes de publicá-las? Ou a própria autora, muito embora sua rebeldia contra as convenções sociais, era uma romântica nata?

É um mistério insolúvel e que só amplia a vontade de conhecer a obra, a qual não deixa de ser um marco histórico do feminismo e um convite a repensar sobre os tradicionalismos que tanto mal fizeram às mulheres e que, em menor medida que nos séculos passados, ainda continuam causando danos.

(AUSTEN, Jane. Orgulho e Preconceito. São Paulo: Pé da Letra, 2018).  


- Ads -
Olá, gostaria de seguir o JMais no WhatsApp?
JMais no WhatsApp?