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Onde foi que nos perdemos?

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Mais uma década perdida no Brasil (2011-20)

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Walter Birkner*

“Onde foi que nos perdemos?”, foi a pergunta emblemática e indigesta feita, certa vez, pelo escritor peruano Mário Vargas Llosa (Nobel de Literatura), acerca da América Latina. A indagação tem a ver com nosso fracasso, leia-se: mais uma década perdida no Brasil (2011-20). É certo, há várias respostas que se encaixam pra formar uma explicação interdisciplinar. Uma delas vem da Ciência Política, é institucionalista e tem a ver com cultura e leis. E a única solução, sim a solução existe, é de longo prazo e virá da Educação: educação política. Precisamos começar.

Na década passada, o Brasil querido passou por quatro governos, nos iludimos com voos de galinha, passamos por traumas repetidos e encalhamos na pandemia do covid. Como não bastasse o pior, nossa imaturidade política consegue agravar o pior. Como sempre, as fagulhas da cultura política se revelam, é só prestar a atenção, e o velho patrimonialismo sempre reaparece. É um problema institucional, informal e formal, isto é, cultural e legal, numa relação de causa e efeito que se revela de forma didática, como que clamando para ser interpretado e esclarecido ao homem comum.

Nem falemos dos desvios do dinheiro público, dos contratos superfaturados e das más decisões governamentais que, a rigor, condenaram brasileiros à morte. Nos levaria a outra pergunta indigesta sobre como é possível que toleremos isso? Exemplifiquemos de outro modo o patrimonialismo, nosso problema formal e informal de origem, com a iniciativa da Febraban esta semana. Seu manifesto de descontentamento com a desarmonia entre os poderes deveria ter o apoio generalizado do empresariado. Por que muitos deram pra trás? Também há várias respostas. Não obstante, uma delas revela a faceta do patrimonialismo.

Bancos elegem e controlam governos, é uma intrincada história, então têm café no bule. Mas os diversos segmentos da produção nacional se retraem e se acovardam diante do Estado patrimonialista. Pode-se dizer que empresas não se declaram politicamente para não perder clientes e isso tem lógica, embora isso não tenha intimidado o “velho” da Havan. A resposta que nos interessa apresentar, no entanto, tem a ver com o que o economista Marcos Mendes demonstrou cuidadosamente em seu livro Por que o Brasil cresce pouco?

Resumindo para o nosso interesse, se o Estado brasileiro é, desde a origem, constituído e controlado por patrimonialistas (aqueles que fazem do patrimônio público uma extensão do patrimônio privado), então o negócio é imitar os patrimonialistas. É isso que as diversas corporações públicas e privadas fazem. No caso dos grandes segmentos econômicos, isso se dá na forma de isenções e subsídios, isso pra falar só da parte legal da coisa. É o patrimonialismo legalizado da farinha pouca, meu pirão primeiro. Se falar mal do governo, ele pode se zangar e passar a tesoura, enquanto o judiciário pode rodar aquele processo.

Claro, não é algo simples e sem múltiplas consequências ruins pra todo o lado. Mas o velho hábito de se curvar deixa o homem corcunda. E o velho hábito de se proteger sob as asas do Estado gera aquela covardia do é melhor ficar quieto que pode sobrar pro nosso lado. Quanto maior é a força do Estado, maior é o ensimesmamento, o individualismo egoísta ou, na melhor das hipóteses, o corporativismo que desagrega a Sociedade. Numa expressão da Sociologia, baixo capital social, constituído por ingredientes como o espírito público e a capacidade de cooperar, sem viver de favores estatais.

Não há solução de curto prazo. Para o Brasil querido crescer, teremos de ensinar política nas escolas. Temas antirrepublicanos como o patrimonialismo e, a partir dele, outros, estão na raiz da cultura e podem ser didaticamente elucidados. Igualmente necessários são temas republicanos como o capital social. A educação passou as últimas décadas focada nos direitos individuais e isso internalizou o egoísmo e a crença no protagonismo do Estado. É hora de ensinar direitos e deveres republicanos, a fim de potenciar, desde o imaginário das crianças e dos jovens, o espírito público e o protagonismo da sociedade.

Não obstante, não se trata somente de uma educação cívica – algo que equivocadamente causa arrepios a muitos educadores. É educação cívica sim, mas demonstrada de modo científico, mais do que moral, demonstrando estatisticamente a relação positiva entre o civismo e o desenvolvimento, a geração de oportunidades e tudo o mais que isso signifique. Não obstante, para além disso, a escola do século 21 precisa simular as condições reais da política, através de pedagogias ativas, exercitando a cidadania no cotidiano escolar.

O efeito disso é não apenas mostrar como a política deve ser, mas como de fato ela é e como pode ser melhor, na prática e no interesse vigilante nela. E o resultado contém a solução a que nos referimos: exercitando didaticamente, como fazem outras nações, cria-se empatia com a política e se aprende que o diálogo, os conflitos de interesse e o estabelecimento de regras é o que gera as soluções, boas ou más. Como disse o sociólogo americano Talcott Parsons, o desenvolvimento se dá através do diálogo e das leis dele oriundas. Então, brasileiros adultos não precisarão demonizar a política e depender de salvadores da Pátria a cada eleição.

*Walter Birkner é sociólogo

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