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O que esperar da CPI da covid?

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Nada que Bolsonaro tenha dito ou feito, diga ou faça, alterará a relação carismática com o seu eleitorado mais fiel

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Walter Marcos Knaesel Birkner*

 

 

A comissão parlamentar de inquérito (CPI) da covid 19 vai refrescar a memória sobre erros do governo federal e isso demonstra lá a sua utilidade, mas não autoriza previsões sobre seus efeitos. Com tudo que virá, isso não afetará a opinião dos simpatizantes do presidente Bolsonaro. Nada que ele tenha dito ou feito, diga ou faça, alterará a relação carismática com o seu eleitorado mais fiel. E a razão é o fato de que, mais que ninguém, o presidente é a voz que legitima o clamor e a opinião dos que clamam pela restauração da ordem e precisam de uma autoridade que os represente.

 

 

 

 

É possível que a massa, em geral, pouco se interesse pela CPI. Parte disso se deve ao descrédito à classe política, à ideia de que tudo não passa de palanque eleitoral e tentativa de impeachment. Mas é inegável que a CPI refrescará a memória sobre a postura do governo, que pode ser responsabilizado pela morte de brasileiros. A hipótese mais cadavérica é a de que o governo teria apostado na natural “imunidade coletiva”, depois do que, tudo voltaria ao normal. Se ficar evidenciado, será um problema moral muito sério, e o cume do debate eleitoral.

 

 

 

 

Tudo que vier se somará aos problemas já criados pelo presidente e colará nele como mosca no leite condensado. A começar pela intromissão dos filhos no governo; pelas demissões de Moro, Mandetta, Teich, inclusive de militares respeitados, além de assessores de Paulo Guedes e outros dissidentes. Some-se a desconfiança à vacina, a recusa à máscara, as aglomerações, a defesa de remédio sem comprovação de eficácia, a briga com os governadores, motivo político pelo qual a CPI tomou corpo. E, pra entornar o caldo, considere-se as insinuações contra a China. Não é tudo, mas já é muita coisa.

 

 

 

 

Suponhamos, uma só vez, que o presidente estivesse certo, por pura intuição, sobre a responsabilidade da China na fabricação de um vírus. Suponhamos que os chineses tenham sido tão barbaramente cruéis a ponto de matar milhões de pessoas, tão discretos que jamais seriam descobertos e cirurgicamente hábeis a ponto de controlar o número de mortes de seus consumidores no Planeta, sem afetação de seu desempenho econômico. É coisa do tipo: “ah, mataremos apenas dois milhões de consumidores e venderemos um bilhão de vacinas; depois dominaremos o mundo”.

 

 

 

 

Estamos cheios de mentes criativas, espalhadas pela internet, imaginando conspirações dignas dos filmes da guerra fria. Mas, então o presidente está errado? Os “comunistas” (ressuscitados) não têm um plano pra dominar o Mundo? Não sei. Só sei que gente séria confirma o que fala, por prova ou evidência. Do contrário, é coisa de boquirroto. E é preciso dizer: uma coisa é falar mal da sogra ou culpar o cunhado pelas desavenças familiares. Outra é chamar o teu parceiro comercial de genocida. Não pensemos que isso vá ficar barato. E quaisquer sejam as consequências desse agravo, haverá um responsável.

 

 

 

 

O curioso é o seguinte: Não importa o que o presidente já disse, dirá, fez ou fará: seus séquitos o defenderão e lançarão os argumentos usuais: É coisa da Globo-lixo; o cara é um herói lutando contra bandidos, corruptos e comunistas pervertidos; querem a volta do PT? Ah, o filho do Lula também roubou e ninguém diz nada. E por aí vai. Mas, esperem só o que virá do outro lado… Não haverá limites e, nas conflagrações das redomas virtuais, não importa a verdade. Na guerra de narrativas, nem o Papa será poupado, se for pra vencer as eleições.

 

 

 

Fato é que alguns dos formuladores das narrativas em defesa do presidente aprenderam algo valioso, isto é: entenderam a mentalidade mediana de milhões de pessoas avessas à complexidade da vida. E o presidente Bolsonaro, no seu jeito atabalhoado, é o líder desses intelectuais orgânicos e dessa multidão, porque expressa genuinamente o conservadorismo popular do homem comum. Não se trata mais de um conservadorismo elitista e excludente, há décadas varrido da cena política e intelectual do País. Esse aspecto sociológico foi negligenciado pelos progressistas, que não sabem lidar com isso, porque não há conflito de classes aí.

 

 

 

Esse conservadorismo popular, afeito às explicações simples, não sabe muito bem sobre as origens de sua aversão à política: a centralização do poder e o patrimonialismo, isto é, a apropriação legalizada do patrimônio público, amplamente favorecida pela centralização. Esses são os motivos originais da corrupção, da violência e da falta de oportunidades na vida. Enquanto o sistema educacional não o esclarece, o homem comum, mal ou bem formado, só vê uma saída entre as nuvens espessas: sua convicção na intuição compartilhada que o obriga a escolher entre o bem e o mal, o certo e o errado, seja lá o que isso for.

 

 

 

 

O homem comum quer uma vida simples e próspera e respostas simples ao problema da corrupção, da violência e da falta de oportunidades. E acredita – quem há de duvidar? – que as soluções assim o sejam: simples. E já concedeu as devidas oportunidades às explicações complexas e a soluções intrincadas da racionalidade pós-moderna. Tem optado por uma imaginária restauração da ordem natural das coisas, que ninguém sabe muito bem no que vai dar. Talvez seja alguma coisa como Deus acima de tudo e o Brasil acima de todos, algo simples, relativamente seguro, desejável, compreensível e possível.

 

 

 

 

É difícil afirmar que seja, mas é possível afirmar que Bolsonaro representa o clamor do conservadorismo popular por essa restauração da ordem, e não há quem o substitua. De que isso é incerto, não se tenha dúvidas. Mas, diante das incertezas de um mundo voraz que devora empregos e sonhos, permissivo à violência e ao desregramento, soam como música os jargões ideológicos de um falso conservadorismo que ilude o homem comum. Chamar os militares, fechar o Congresso, prender juízes e calar a boca dos insatisfeitos: é isso, conquanto não tenha, o vulgo, a menor ideia das consequências. Se o cavalo tem carrapato, mata o cavalo, ué.

 

 

 

 

 

A cena política atual é conturbada, mas também um excepcional laboratório, um período a ser compreendido com sangue frio. Esse momento histórico não é exclusividade brasileira e nem começou em 2018. No Brasil, começou com os erros governamentais anteriores, que revelaram as fissuras de uma visão de mundo que dominou a cena confortavelmente, o chamado progressismo e seus excessos. E não foram intelectuais, mas o homem comum que se incomodou com isso. O presidente Bolsonaro simplesmente é a síntese da encarnada reação conservadora que cabe ao Brasil. Representa o anseio dos conservadores (e dos reacionários também) e, por enquanto, não há quem o bata nesse quesito.

 

 

*Walter Marcos Knaesel Birkner é professor

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