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O primeiro beijo de Romeu

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A diversidade acima de tudo

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Há uma frase que conheci no Ensino Fundamental, a qual é atribuída ao filósofo francês Voltaire, que afirma: “Posso não concordar com nada do que você diz, mas defenderei até a morte o direito de dizê-la”. Na época, considerei bonita, hoje compreendo a profundidade do que está velado. Posto isso, vamos falar de tolerância.

Não tenho propriedade prática para falar da Comunidade LGBTQIA+. Inclusive fico em dúvida se essa nomenclatura é a mais adequada ou é, por si só, uma espécie de marginalização. Sou heterossexual, cor branca, da classe média e pós-graduada. Então, como ouso falar de segregados? Porque, sendo Doutora em Estudos Literários, acredito que toda manifestação artística está acima das binaridades de qualquer tipologia. Ou deveria estar! E, como vemos no ocorrido que serviu de mote para o enredo de O primeiro beijo de Romeu, a censura, que deveria ser inconcebível, ainda é exercida, e uma das funções dos professores e pesquisadores de Literatura é ajudar na divulgação das obras e enfatizar sua liberdade de circulação.

Além disso, trabalho com adolescentes, muitos deles já certos de suas orientações homossexuais, alguns em processo de transição, outros com nome social, alguns enfrentando conflitos familiares, e assim por diante. Dessa forma, falar de tolerância é necessário e inadiável. Exterminar o preconceito, sobretudo o institucional, é imprescindível. Inclusive foi uma jovem aluna que me emprestou esse livro e sugeriu que escrevesse a respeito. Vale acrescentar que a temática da diversidade norteia e perpassa todos os documentos e diretrizes do ensino, a saber, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), e assim por diante. Combater o preconceito, de qualquer natureza, é um dos escopos primordiais do processo escolar.

O escritor Felipe Cabral, estarrecido com a atitude do prefeito do Rio de Janeiro que, em 2019, resolveu censurar uma História em Quadrinhos com temática homoafetiva, elaborou uma narrativa baseada nesse imbróglio. A mesma, além de ser metalinguística, ou seja, que discute o processo de criação literária, publicação, e a relação com os leitores, é uma história que clama pelo amor universal, pelo respeito e pela empatia.

O pai do protagonista lança uma obra que é proibida de circular na Bienal porque mostra super-heróis homossexuais, enquanto Romeu sofre perseguição na escola porque um colega preconceituoso descobrira seu envolvimento amoroso. O companheiro de Valentim, ao saber da censura, faz uma reflexão que se assemelha à frase que inicia essa análise, isto é, que demonstra que há muitos subentendidos nas atitudes humanas: “- A gente não pode se desestabilizar. – Samuca pontuou. – O prefeito não está censurando só um livro. Ele está censurando quem somos, o nosso amor. É claro que isso vai nos atingir. Mas nós precisamos nos preparar pro confronto, venha o que vier” (CABRAL, 2021, p.95).

Um dos pais de Romeu, além de ter um histórico de vítima de homofobia, também sofreu racismo, e o escritor aproveita essa particularidade para alertar ao leitor de que a institucionalização da aversão aos negros está, também, incrustada em nossa língua:

Ao longo dos anos, o Samuca tinha me incentivado a perceber como o racismo estava enraizado em nossa língua. Palavras como “denegrir”, como se algo “mais negro” fosse negativo. “Humor negro”, para um humor ácido. “Magia negra”, para uma magia “do mal”. “Lista negra”, para uma lista proibida. “Mercado negro”, para um mercado clandestino. “Gato negro”, para o gato amaldiçoado. “Boi da cara preta”, para o boi malvado. “Ovelha negra da família”, para quem fosse diferente e rejeitado. A lista era extensa! E incluía a inveja “branca”, como se existisse uma inveja “boa”, a “branca”, e uma “ruim”, a “negra” (CABRAL, 2021, p.107).

Vimemos num país esplêndido, como narra a letra de nosso Hino Nacional, é uma terra frutífera, em “que se plantando tudo dá”, como já afirmava Pero Vaz de Caminha que, encantado, descrevia o novo país “descoberto”. No entanto, “Para além do Carnaval e da alegria do povo brasileiro, o país do futebol também cultiva o ódio à diversidade entre uma purpurina e outra” (CABRAL, 2021, p.135), ou seja, entre nossas riquezas naturais, potencialidades culturais e acadêmicas, há a segregação, a qual parece ser um projeto que desvia a atenção para os reais problemas, isto é, a desigual distribuição de renda.

Enquanto pessoas perdem tempo e energia odiando e marginalizando aqueles que não se enquadram em padrões relacionais, os mais nefastos males, como, por exemplo, a miséria, corroem as entranhas do país e o enfraquecem. Por isso, a necessidade de enaltecer a diversidade como traço intrínseco de nossa condição humana, o que parece óbvio, porém ainda não compreendido e praticado por todos. Assim, podemos almejar, como o escritor Felipe Cabral e suas personagens, que:

O meu anseio era que o meu filho crescesse em um mundo mais diverso. Onde ninguém pudesse decidir aquele que é digno de ser amado e aquele que não. Onde ninguém fosse morto em razão da cor da sua pele ou por sua orientação sexual ou por sua identidade de gênero (CABRAL, 2021, p.308).

(CABRAL, Felipe. O primeiro beijo de Romeu. Rio de Janeiro: Galera, 2021).

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