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O paradoxo dos alimentos no Brasil

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Uma das principais fatores da alta dos alimentos diz respeito a desvalorização que a moeda nacional, o real, vem sofrendo nos últimos anos

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Ir ao supermercado nos últimos tempos tem se tornado uma experiência cada vez mais desconfortável, para dizer o mínimo. Com efeito, a alta nos preços, sobretudo dos alimentos, se faz notar por toda a parte e vem afetando consideravelmente a vida de milhares de brasileiros. A palavra inflação, por seu turno, voltou a integrar com força os noticiários e as conversas do dia a dia.

Não é para menos. Para se ter uma ideia, segundo relatório divulgado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a inflação brasileira já é a terceira maior do G20 (conjunto dos 20 países com as maiores economias do mundo), estando hoje na casa dos 11,3%, ficando atrás apenas da Turquia e da Argentina. Um pódio nem um pouco interessante de se ocupar.

Tais dados se refletem na realidade concreta do povo brasileiro e geram efeitos perversos, como o retorno da insegurança alimentar à mesa das famílias, que também alcançou número recorde nos últimos meses. É o que diz o índice mais recente divulgado pela Fundação Getúlio Vargas na quarta-feira, 25. De acordo com informações desse índice, a parcela de brasileiros que não obteve condições para se alimentar ou alimentar a sua família em algum momento dos últimos 12 meses subiu de 30% em 2019, para 36% em 2021, tendo atingido principalmente a parcela mais pobre da população, que já sofre com outros tipos de carência.

A coisa anda difícil, mesmo para aqueles que não se enquadram no rol de insegurança alimentar. Como os salários já não estão conseguindo acompanhar a alta de preços advindos da inflação, muitos brasileiros se viram obrigados a rever o cardápio e remodelar as refeições, substituindo alimentos que até algum tempo atrás eram comuns nos pratos, como a carne vermelha, por frango ou ovo, os quais embora igualmente caros, ainda são mais acessíveis. De igual maneira, se tornaram recorrentes a procura por carnes menos nobres como carcaça temperada, pescoço e pés de galinha nos supermercados e açougues, evidenciando o encarecimento do custo de vida no país.

Mas o que explica esse aumento exorbitante de preços? Como explicar que itens básicos de nossa alimentação tenham se tornado artigo de luxo? Como explicar que o Brasil, considerado um dos maiores produtores de alimento do mundo, tenha uma parte significativa de sua população passando dificuldades para conseguir se alimentar?

A resposta para tais questões concentram-se em múltiplos fatores, internos e externos. Para começo de conversa, há os efeitos decorrentes da pandemia de covid-19, que gerou um abalo na cadeia de suprimentos, diminuindo a oferta de produtos. Por outro lado, como nesse período as pessoas passaram uma maior parte de seu tempo em casa, o gasto e consumo de alimentos cresceu, gerando maior demanda. Essa crise na oferta em paralelo com o aumento da demanda, provocou, como já era de se esperar, uma elevação nos preços correspondentes a alimentação.

Mais recentemente, há a questão da Guerra entre Rússia e Ucrânia, que vem afetando o mercado mundial, especialmente o setor de commodities, que são bens/recursos primários que possuem forte influência sobre a economia de um país e cujo valor é cotado internacionalmente. É o caso do petróleo e de alguns alimentos, como o trigo, o milho e a soja, que após a ofensiva russa contra a Ucrânia, viram seus preços disparar. Dado a importância que tais commodities possuem em toda a cadeia de produção, sua alta acaba por atingir diretamente o preço dos mais diversos produtos, pressionando assim, a inflação.

Entretanto, as razões para o aumento da inflação estão longe de se dar apenas por conta de fatores externos, diante dos quais pouco ou quase nada se pode fazer, como nos querem fazer crer o presidente da república, Jair Bolsonaro, e seu ministro da economia, Paulo Guedes. Muitas das causas residem especificamente aqui. Uma das principais diz respeito a desvalorização que a moeda nacional, o real, vem sofrendo nos últimos anos.

Essa perda de valor do real constitui um excelente negócio para os empresários do agro brasileiro, que priorizam as vendas para o mercado externo. Isso porque, quanto mais desvalorizada a moeda estiver, mais reais eles receberão pela venda em dólar e mais reais os importadores pagarão nas compras em dólar. Estes empresários, por sua vez, não abrem mão de conseguir, cobrando em reais, o mesmo lucro que conseguem comercializando em dólar, de tal modo que os preços do mercado externo são repassados diretamente para o mercado interno, provocando aumento no preço dos mais diversos itens.

Por esta altura, o leitor deve estar se perguntando: diante de tais problemas citados, quais as soluções para sanar o problema, ou, pelo menos, minimizá-lo? Elas existem, no entanto, seria fundamental boa vontade política e trabalho por parte de nossos dirigentes, o que não parece ser uma característica do atual governo.

Um primeiro passo seria uma interferência direta do Estado na economia, via intervenção no câmbio por exemplo, visando valorizar a moeda nacional se ela desvalorizar demais. A criação de impostos sobre as exportações, objetivando fazer com que parte do valor recebido pelo agronegócio lá fora fique retido, também constituiria uma excelente ferramenta. Outra possível solução para que a inflação diminuísse seria o controle de preços sobre aqueles produtos que pressionam o custo de produção.

Porém, como já foi mencionado, há que se ter boa vontade e trabalho, duas coisas que não constituem o forte nem de Bolsonaro nem de Paulo Guedes. O primeiro, para além de pensar apenas em reeleição (e golpismo), só sabe trabalhar naquilo que é realmente bom: arrumação de desculpas esfarrapadas para os problemas que o país enfrenta. Dá pra se fazer uma lista de culpados: as gestões anteriores do PT, o coronavírus, prefeitos e governadores, “fique em casa”, o cenário mundial, etc. Nas poucas vezes em que se aventurou a oferecer soluções para a questão da inflação, parecia mais um comediante da Praça é Nossa do que um presidente de fato. Afinal, como não tratar como uma piada de mau gosto a recomendação feita em uma de suas lives, para que os brasileiros começassem a cultivar hortas em casa a fim de remediar os efeitos da inflação? O deboche com a cara dos brasileiros, contudo, não para por aí. Mais recentemente, em um evento com pastores, Bolsonaro jogou para as mãos de Deus a responsabilidade sobre a economia nacional. Para que não me acusem de invencionices, reproduzo a fala do mesmo na íntegra:

Temos dificuldades! Mas qual é a solução para isso? É resiliência, é ter fé, é ter coragem, é acreditar. Por muitas vezes ou quase sempre, dobrar os joelhos, e buscar uma alternativa, pedir uma alternativa. Nós sabemos que temos que fazer a nossa parte, mas as coisas impossíveis, deixar nas mãos de Deus.”

Se o presidente da República não faz nada de prático para resolver o problema da inflação, o ministro Paulo Guedes, vulgo “posto Ipiranga”, muito menos. O célebre ministro, que muitos consideravam antes da eleição de Bolsonaro, um verdadeiro “gênio”, só consegue dar declarações dignas de um otimista lunático, para quem uma terra arrasada e reduzida a pó e cinzas constituísse um campo florido. Pelo menos é o que nos fazem crer as declarações dele, que afirmou em um evento ocorrido em São Paulo, no dia 19 de maio, que “o inferno da inflação já passou”. Da mesma forma, quem o visse falar no Fórum Econômico, em Davos, haveria de imaginar que o Brasil constitui quase um paraíso na Terra, afinal, o ministro descreveu nosso país como um ambiente de pujança, que já voltou a crescer economicamente e a caminho de se tornar uma “referência global”.

***

Bolsonaro e Paulo Guedes parecem viver num mundo paralelo. Esquecem-se ambos, que para além dos limites desse mundo no qual só eles vivem, existe um Brasil real, com pessoas passando dificuldades para conseguir levar comida para as suas mesas. A pergunta que fica é: diante da mais completa ausência de governo, quem nos tirará dessa lama?

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